Segundo advogado, órgão seria 'a única opção diante da falência do Judiciário e do Legislativo'
É enganoso o vídeo publicado no Facebook sobre um texto que propõe a criação de um Tribunal Constitucional Militar. O autor da gravação, André Basílio, divulga uma proposta de decreto-lei que permitiria que o presidente da República criasse “um tribunal acima do STF”, para “poder julgar e condenar ou absolver, se for o caso, os ministros do STF que têm praticado crimes aqui no Brasil”. No vídeo, Basílio dá a entender que Jair Bolsonaro (sem partido) poderia assinar o texto e colocá-lo em prática. No entanto, a Constituição de 1988 não prevê a criação de decretos-lei.
Na gravação, verificada pelo Comprova, Basílio faz referência ao texto proposto pelo advogado Marcos David Figueiredo de Oliveira, que afirma em seu site que o tribunal seria “a única opção constitucional diante da falência comprovada do Poder Judiciário e do Poder Legislativo”.
O texto propõe a criação de um tribunal constituído por um procurador-geral constitucional –nomeado pelo presidente– e 33 ministros, sendo cinco militares. O objetivo seria permitir ao tribunal processar e julgar membros dos três Poderes.
A proposta indica o uso das Forças Armadas no cumprimento de decisões monocráticas —ou seja, aquelas proferidas por um único magistrado. Para isso, o decreto-lei alega “estado de calamidade pública e a desordem institucional dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário” e diz que não há fiscalização ou punição pelos conselhos e órgãos competentes.
O Comprova conversou sobre o conteúdo proposto por Oliveira com o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo, Caio Augusto Silva dos Santos. De acordo com ele, o decreto escrito pelo advogado é “absolutamente inconstitucional”. O decreto-lei é uma norma expedida em caráter de urgência e de forma excepcional pelo Poder Executivo. No entanto, a Constituição Federal de 1988 não prevê mais esse tipo de processo, deixando ao Executivo a possibilidade de elaborar uma medida provisória, que pode ser apresentada de forma emergencial com força de lei —mas que, para ser transformada em lei de forma definitiva, precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional. O Comprova enviou uma mensagem ao autor do vídeo, André Basílio, no Facebook, mas não obteve retorno até a publicação desta verificação. Já Oliveira conversou com a equipe. No primeiro contato, pediu que o Comprova lesse o texto em seu site intitulado “Breves considerações sobre a constitucionalidade do decreto-lei que cria o Tribunal Constitucional da Ordem Institucional (TCOI)”.
Nesta publicação, ele defende que o presidente da República pode “promulgar as leis“. E continua: “Ora, quem faz leis é o Poder Legislativo. Entretanto, em estado de anormalidade esse direito está implícito nas atribuições do Presidente da República, atuando como chefe de estado e comandante supremo das Forças Armadas, em razão do regime presidencialista”. Sem explicar, ele finaliza a resposta com “Regra de hermenêutica jurídica”.
Questionado se o seu texto não fere a Constituição, já que promulgar e fazer leis não são a mesma coisa, ele, basicamente, repetiu o texto: “promulgar as leis significa ordenar oficialmente a publicação de uma lei. Só quem ordena a publicação de uma lei tem competência para legislar”.
O texto do “decreto-lei” é datado de 7 de setembro. Questionado sobre o por que da data, ele afirmou ser “o dia da nossa liberdade, de fato”.
VERIFICAÇÃO Nesta terceira fase do Comprova, o projeto retoma o monitoramento e a verificação de conteúdos suspeitos que obtenham grande alcance sobre políticas públicas no âmbito do governo federal. É o caso do vídeo em que André Basílio apresenta o texto de Marcos David Figueiredo de Oliveira, que teve 448 mil visualizações e 46 mil compartilhamentos só no Facebook até o dia 16 de julho.
O conteúdo, encaminhado por leitores do Comprova, circula no momento em que Bolsonaro está envolvido em manchetes por ter participado de atos pró-golpe militar, sugerido o uso da Força Nacional em protestos contra seu governo e se desentendido com o STF.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
A investigação desse conteúdo foi feita por Folha e UOL e publicada na quinta-feira (16) pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 28 veículos na checagem de conteúdos sobre coronavírus e políticas públicas. Foi verificada por Gazeta do Sul, Estadão, Jornal do Commercio, Piauí e SBT.
FONTE: FOLHA.COM / FOLHA DE SÃO PAULO
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