Dinheiro é da OAS e da Odebrecht, Por serviço de administração judicial, Ex-juiz será diretor na Alvarez & Marsal, Escritório nega conflito de interesses
A empresa de consultoria Alvarez & Marsal, da qual o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro se tornará sócio-diretor nesta 3ª feira (1º.dez.2020), tem quase R$ 26 milhões a receber de alvos da operação Lava Jato. O escritório atua como administradora judicial, ou seja, não assume a gerência da empresa em recuperação, mas fiscaliza as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação judicial.
Duas decisões judiciais estabelecem os montantes destinados ao escritório que Moro fará parte. Num dos despachos (íntegra – 68 kb), de 2019, o juiz João de Oliveira Rodrigues Filho, da 1ª Vara de Recuperação Judicial e Falência de SP, determina que a Atvos, produtora de etanol pertencente ao grupo Odebrecht, pague o valor de R$ 10,8 milhões, em 30 parcelas de R$ 360.000.
A outra decisão (íntegra – 60 kb), de 2015, estipula à OAS o valor de R$ 15 milhões, divididos em 30 parcelas mensais, sendo as 10 primeiras no valor de R$ 400.000, as 10 seguintes no valor de R$ 500.000 e as 10 últimas no valor de R$ 600.000. Esse contrato, segundo o escritório informou ao Poder360, foi firmado em 2015.
Caso o juiz decida por homologar o pedido, deve escolher um profissional ou escritório que trabalhe com isso. Deve optar, de preferência, por profissionais com conhecimento em direito, administrador de empresas, economia ou contabilidade ou ser pessoa jurídica com especialização no tema.
Sergio Moro fará parte da área de “Disputas e Investigações” em nível global na Alvarez & Marsal. Ao Poder360, a assessoria da Alvarez & Marsal negou que o contrato assinado por Moro possa gerar conflitos de interesse.
“Sergio Moro foi contratado para atuar na área de ‘Disputes and Investigation’, liderado por Marcos Ganut no Brasil. Existe uma alta demanda do setor privado para o desenvolvimento e criação de sistemas de integridade, conformidade e compliance. A A&M atua na busca pelo aprimoramento, reestruturação e adoção de políticas efetivas de conformidade das empresas, e não na defesa delas”, diz a nota.
“Foi estabelecido uma cláusula contratual em que Moro não atuará em projetos que possam gerar conflitos de interesse. Mais do que isso, a A&M não advoga em defesa das companhias, mas como advisor para reestruturações e transformações corporativas, esta última prática onde se encontra a área de ‘Disputes and Investigations’”, acrescenta o escritório.
O Poder360 tentou contato com a OAS e a Atvos, mas até a conclusão e publicação desta reportagem não obteve resposta. Se houver alguma manifestação, será incluída neste post.
Apesar de continuar morando em Curitiba, Moro responderá à direção da companhia em São Paulo. O ex-juiz vai atuar no desenvolvimento de políticas antifraude e corrupção, governanças de integridade e conformidade e políticas de compliance.
Moro atuou como juiz por mais de 20 anos. Foi o principal magistrado da Lava Jato até 2018. Com a eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência da República, deixou a magistratura e ingressou no governo como ministro da Justiça e Segurança Pública. Saiu em abril, em meio a conflitos com Bolsonaro. Moro denunciou suposta interferência do presidente na Polícia Federal.
“Estou ansioso para desenvolver o legado da empresa de impulsionar a mudança e ajudar os clientes a resolver os desafios atuais enquanto antecipa os futuros”, declarou Moro.
O perfil de Moro no site da empresa diz que ele é “especialista na liderança de investigações anticorrupção complexas e de alto perfil, crimes de colarinho branco, lavagem de dinheiro e crime organizado, assim como em consultoria de estratégia e conformidade para clientes que navegam em questões regulatórias complexas”.
Por meio do Twitter, o ex-juiz da Lava Jato disse que ocupará o cargo “para ajudar as empresas a fazer coisa certa”.
OAB QUESTIONA
Segundo a Revista Época, Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) decidiu notificar Sergio Moro, pedindo esclarecimentos sobre o seu novo trabalho.
No despacho, que deve ser enviado ao ex-ministro até esta 3ª feira (1º.dez.2020), são cobradas informações sobre o trabalho, se tem relação com a advocacia e onde se dará a prestação do serviço.
CRÍTICAS
O ministro Fábio Faria (Comunicações) fez uma publicação em sua página no Twitter ironizando o novo contrato de Sergio Moro. Citou conversa do ex-ministro com a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) dias antes de deixar o governo. “E a frase: ‘Prezada, não estou à venda’. Continua valendo”, questionou Faria.
O ex-ministro e candidato do PDT nas eleições presidenciais de 2018 Ciro Gomes chamou o ex-ministro da Justiça de “malandrão”.
“Mais uma vez Moro fica sob a luz difusa do abajur lilás com discursos de integridade e anticorrupção”, escreveu em seu perfil no Twitter.
Outro a criticar a escolha de Moro foi o senador Renan Calheiros, investigado na Operação Lava Jato. “Eis aí Sérgio Moro. Primeiro atira a flecha, depois vai lá e desenha o alvo em volta”, escreveu o congressista.
Em entrevista ao Uol, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) ironizou a decisão de Moro de assumir o cargo na Alvarez & Marsal. “Agora o Moro é consultor de uma empresa que inclusive, pelo que vi no jornal, presta serviço para a Odebrecht. Acho que ele já está encaminhado no setor privado”, disse.
O senador Major Olímpio (PSL-SP), que já esteve à frente de diversas manifestações em apoio à Operação Lava Jato, fez uma das declarações mais enfáticas contra a escolha de Moro. “Não conheço os termos, mas acho que ele deu um tiro no próprio saco e não no pé”, afirmou.
CORREÇÃO: esta reportagem dizia que o contrato estabelecido pelo juiz para que a OAS pagasse ao escritório Alvarez & Marsal o montante devido foi encerrado em 2015. A informação correta é que o contrato começou em 2015. Atualizado em 1º.dez.2020, às 12h12.