Passados pouco mais de 10 dias do primeiro turno das eleições municipais começam a surgir, pelo país, denúncias
Mesmo sendo maioria da população brasileira (52,5%), as mulheres ainda enfrentam dificuldades para assumir cargos eletivos em todo o país. Neste ano, elas somaram 33,3% de candidaturas para prefeita, vice-prefeita ou vereadora, e foram apenas 16% de todos os eleitos.
Atualmente, a Justiça Eleitoral obriga que 30% das candidaturas de coligações sejam femininas. A norma é colocada como condição para que os partidos tenham acesso ao Fundo Eleitoral. No entanto, passados pouco mais de 10 dias do primeiro turno das eleições municipais, começam a surgir, pelo país, denúncias de candidaturas “laranjas” de mulheres — ou seja, candidatas teriam se registrado apenas para cumprir a cota de cada partido.
Um dos casos teria ocorrido no município de Muquém do São Francisco, no interior da Bahia. Na cidade, a coligação formada por PT, PSB e PP teve seis candidaturas femininas. Entretanto, três não obtiveram nenhum voto, ou seja, nem delas mesmas.
Conforme apurou o Correio no sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as candidatas Cristiane, Netinha e Adriana, todas do PSB, receberam R$ 2 mil em doações, cada uma, para financiar suas campanhas. Contudo, nenhum material teria sido impresso por elas. Até o fechamento desta edição, as três não haviam prestado contas à Justiça Eleitoral.
Questionado pelo Correio, o PSB orientou que o diretório municipal da cidade deveria ser procurado. Presidente da sigla no local, Sónelio de Cerqueira não quis comentar o assunto. Até o momento, o Ministério Público da Bahia não informou se houve abertura de procedimento de investigação contra a coligação.
Já em São Paulo, o Ministério Público abriu procedimento para apurar supostas irregularidades em cinco mil candidaturas femininas. De acordo com procurador regional eleitoral Sérgio Monteiro Medeiros, as postulantes fictícias continuam “a ser um fenômeno, lamentavelmente, presente entre nós”.
Para o especialista em direito eleitoral Acácio Miranda, é muito comum que os partidos forjem candidaturas de mulheres para terem acesso ao fundo, principalmente no interior do país. Além disso, a regra que obriga o repasse de 30% dos valores para as postulantes femininas acaba abrindo margem para a prática do crime de caixa 2.
“Em muitos casos, essas candidaturas laranjas recebem o dinheiro do fundo e acabam passando para os outros candidatos. Elas entram apenas para cumprir a cota, mas, na verdade, não estão na disputa. Nessas situações, o Código Penal prevê até cinco anos de prisão, tanto para a candidata quanto para quem se beneficiou”, explicou Miranda.
Segundo ele, a Justiça Eleitoral tenta garantir uma equivalência na participação entre homens e mulheres nas disputas eleitorais, mas as fiscalizações são falhas. “Hoje, a fiscalização é feita por meio da prestação de contas, mas é preciso que haja uma apuração mais efetiva, de rua, de campanha. É necessário acompanhar se esses materiais de campanhas que são impressos e distribuídos são realmente dessas candidatas”, frisou.
Garantias
A lista de mulheres com nenhum ou apenas um voto predomina em candidaturas de pretas ou pardas (59%), enquanto brancas representam 39% e indígenas, 1%. Para Cida Alves, do movimento Não é Não, por mais que a Justiça Eleitoral assegure segurança nas eleições, é necessário que haja uma garantia da participação feminina de verdade nas disputas.
“A gente precisa de uma fiscalização mais aguçada, que garanta que a verba seja utilizada para financiar as campanhas femininas. Hoje, o que vemos em muitos partidos é o uso das mulheres para o preenchimento de cotas, e o dinheiro das campanhas sendo utilizado por homens. Com uma apuração mais eficiente, eu acredito que vamos mudar essa cultura de usar a mulher como laranja”, afirmou a ativista.
Diante dessa disparidade, grupos de feministas fazem hoje, em Goiânia, a entrega de um manifesto ao Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO), no qual alegam que os partidos Avante, Cidadania, PL, PMB, PSB, PSC, PSL, PTB e PTC não cumprem a legislação na capital goiana. “Para nós, é incompatível com a democracia e a Justiça a utilização dos nomes de mulheres apenas para burlar o registro de vagas”, criticou Cida Alves.
O TSE informou que atua como terceira instância e que ainda não recebeu processos que versem sobre a ocorrência de eventuais candidaturas laranjas nas eleições municipais de 2020.
Sugestão de Pauta