Hoje, faz 2 anos que destroços foram achados a 900m de profundidade. Engenheiro diz que embarcação só chega nesse ponto após erros em série
Há exatos dois anos começava uma nova fase das investigações que tentam explicar o que teria acontecido com o submarino argentino ARA San Juan, que desapareceu no mar em 2017, matando 44 pessoas. Mesmo com os destroços localizados, as condições da região e a profundidade impedem maiores avanços.
O ARA San Juan fez seu último contato com a Marinha argentina antes de desaparecer no dia 15 de novembro de 2017. A embarcação voltava para o porto Mar del Plata após participar de exercícios militares na base de Ushuaia, na Patagônia.
De acordo com as investigações preliminares, o submarino teria comunicado que uma entrada de água, no local onde ficam as baterias, ocasionou um curto-circuito e um princípio de incêndio. A água teria entrado pelo snorkel, tubo de ventilação e troca de ar que fica no topo do submarino.
"A entrada de água do mar através do sistema de ventilação para o tanque de bateria nº 3 causou um curto-circuito e o início de um incêndio no balcão das barras de bateria. Baterias de proa fora de serviço. Vou manter a equipe informada. No momento em imersão propulsora com circuito dividido. Sem novidades, vou mantê-los informados", dizia o comunicado.
Essa comunicação aconteceu pela manhã, às 7h30 horário local (8h30 no horário de Brasília). Mas como o submarino não emitiu nenhum outro comunicado, os oficiais entenderam que o problema poderia ter se resolvido. Contudo, pouco depois foi dado como desaparecido.
Erros em série
Assim como um avião não cai por apenas um motivo, um submarino também precisa de uma série de fatores para naufragar. É o que explica o professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Miguel Buelta Martinez, que é engenheiro naval. "Um submarino só chega naquele ponto quando acontecem coisas em série", afirma.
Martinez comenta que existem dois tipos de submarinos, os tradicionais e os nucleares. Os submarinos mais novos e tecnológicos com propulsão nuclear funcionam com energia nuclear e podem ficar muito mais tempo submersos, já que não precisam ir até a superfície com tanta frequência.
Mas os tradicionais, como era o caso do ARA San Juan, funcionam com motores a diesel, que geram energia. Essa energia é armazenada nas baterias e, em seguida, distribuída para o sistema que faz o submarino funcionar.
Mas os motores a diesel precisam de ar para funcionar, por isso, quando a energia está acabando, ele precisa ir até a superfície trocar o ar. "Essa é a sequência, eles vão subindo e trocando ar. Então, fecham e vão navegar", explica.
"Se aconteceu de entrar água [no San Juan], houve um erro de equipamento ou humano, mas apenas isso não é capaz de afundar um submarino", aponta Martinez. Segundo especialista, se o submarino esvaziar os tanques de água, ele já poderia chegar à superfície.
"Contudo, sem as baterias não é possível acionar as bombas ou hélices. Por alguma razão, isso pode não ter acontecido", pondera.
Limite de profundidade
Miguel Buelta Martinez afirma que o projeto de um submarino é feito contando com alguma margem de segurança. "Projeta-se para que ele resista a 400m de profundidade, mas se navega em até 300m, para uma margem de manobra, é um fator de segurança", explica o professor.
De acordo com o jornal La Nación, o ARA San Juan possuía a capacidade de submergir até 600m de profundidade, assim, conforme afundou e ultrapassou seu limite, ele acabou comprimido pela pressão da água.
"Quando isso acontece, há um colapso do casco ou flambagem, ele acaba amassado, como se pegássemos uma lata de cerveja e apertássemos. E essas deformações podem ocasionar outras aberturas e aí começa a entrar água no submarino", exemplifica o professor.
Mesmo assim, os ocupantes poderiam se concentrar em um compartimento dividido por anteparas, como se fossem paredes que separam quartos. "Se aconteceu algum problema em uma parte, os ocupantes poderiam se resguardar em outro compartimento", comenta Martinez.
Após ultrapassar seu limite de profundidade, o casco não aguentou. O especialista afirma que não está claro qual foi essa sequência de fatos que afundou o ARA San Juan.
Sem seguro
Passados dois anos da localização dos destroços do submarino, agora os familiares das 44 vítimas pressionam o governo argentino para a retirada dos corpos e a responsabilização dos culpados. Mas diferentemente dos "aviões comerciais, os submarinos e aviões de guerra não possuem seguro", comenta Martinez.
Quando ocorre um acidente com um avião segurado, existem recursos para uma investigação minuciosa, mas no caso do submarino ARA San Juan, dependerá do governo da Argentina. Segundo as autoridades, o governo não possui equipamentos para a retirada dos corpos e dos destroços.
A localização dos destroços foi feita por uma empresa norte-americana chamada Ocean Infinity. Com auxílio de um submarino não tripulado que fez imagens dos destroços e deu um pouco mais de detalhes. Por enquanto, a área está sendo monitorada para que ninguém mova os destroços com pesca de arrasto.
Construído na década de 1980 na Alemanha, o ARA San Juan foi submetido em 2008 a um processo de "reparação", que levou mais de dois anos e implicou a substituição dos seus motores a diesel, entre outros trabalhos de manutenção, segundo dados oficiais. "Um procedimento chamado meia vida, algo normal neste tipo de submarino", finaliza Martinez.