O ministro frisou que a revista íntima/vexatória para ingresso em estabelecimento prisional ofende o princípio da dignidade da pessoa humana o direito à intimidade
Para o ministro Edson Fachin, é ilícita prova obtida mediante procedimento de revista íntima de visitantes que ingressam em presídios. O ministro frisou que tal procedimento - a revista íntima/vexatória - como condição para a visita social, ofende o princípio da dignidade da pessoa humana o direito à intimidade.
O entendimento do ministro foi proferido na tarde desta quarta-feira, 28, durante sessão plenária do STF, em ação na qual é relator. O julgamento foi suspenso pelo adiantado da hora e será retomado amanhã.
Revista íntima
O MP/RS questiona decisão do TJ daquele Estado, que absolveu da acusação de tráfico de drogas uma moça que levava 96 gramas de maconha no corpo para entregar ao irmão, preso no presídio central de Porto Alegre/RS.
Para o TJ, a prova não deve ser considerada lícita porque foi produzida sem observância às normais constitucionais e legais, em ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana e à proteção ao direito à intimidade, à honra e à imagem das pessoas, já que "a revista nas cavidades íntimas ocasiona uma ingerência de alta invasividade".
No Supremo, o parquet gaúcho argumenta que a interpretação do Tribunal estadual coloca os princípios da dignidade e da intimidade em posição hierarquicamente superior aos princípios da segurança e da ordem pública. Afirma que vedar a realização de exame íntimo que não se mostra agressivo ou abusivo, ainda mais quando não há objeção da pessoa examinada, traduz-se em um "verdadeiro salvo-conduto à prática de crimes".
Relator
O ministro Edson Fachin concluiu pela ilicitude da prova obtida mediante o procedimento de revista íntima ou vexatória a que são submetidas pessoas que ingressam em estabelecimento prisional, como condição para a visita social. Para o relator, a revista íntima ou vexatória ofende a dignidade da pessoa humana e a intimidade à honra.
O ministro explicou que as modalidades de revista íntima e vexatória não se equiparam a busca pessoal como disciplinada pelo CPP e, em outros diplomas legais, que preveem formas de averiguação preventiva de investigação pelos métodos manual, mecânico e eletrônico.
"essa prática de reificação do corpo humano, embora tenha sido abolido em vários estados da federação (...), ainda assim se procede à revista íntima em locais de detenção."
Fachin assentou que o ritual da revista íntima como protocolo geral de entrada em unidades prisionais ostenta "inexorável caráter vexatório" e não se justifica, racionalmente, em especial quando se realiza indistintamente como condição necessária à visitação social nas cadeias, sem qualquer elemento concreto que aponte porte de elemento suspeito.
O ministro esclareceu que os estabelecimentos prisionais, que adotam a prática de revista íntima, alegam que não há sistemas ou aparelhos eletrônicos para garantir a segurança e o controle do ingresso das visitas sociais, no entanto, entendeu que "essa justificativa não tem albergue na ordem constitucional vigente".
Fachin entende que a busca pessoal, quando for necessária, deve se perfazer mediante revista mecânica ou manual, sempre de modo respeitoso e em estrita conformidade com a norma legal, sendo inaceitável que agentes estatais ordenem a retirada das roupas íntimas para a inspeção de cavidades corporais, ainda que os ervidores estatais estejam ancorados na justificativa de prevenção a atos potencialmente delituosos.
"O controle de entrada nas unidades prisionais deve ser levado em efeito por uso de equipamentos eletrônicos."
"Sem dúvida", reiterou Fachin, há instrumentos adequados para coibir a entrada de objetos e itens proibidos nos presídios, a exemplo das revistas mecânicas, com a utilização de scanners corporais e, quando for necessária, a busca pessoal "que não se confunde com a revista íntima", frisou.
Ao classificar como "abominável" e "invasivo" este tipo de revista, o ministro Fachin concluiu que deve ser mantido o acórdão de absolvição da mulher que levou 96 gramas de maconha no corpo para entregar ao irmão.
Por fim, propôs a seguinte tese:
"É inadmissível a prática vexatória da revista íntima em visitas sociais nos estabelecimentos de segregação compulsória, vedado sob qualquer forma ou modo o desnudamento de visitantes e a abominável inspeção de suas cavidades corporais, e a prova a partir dela obtida é ilícita, não cabendo como escusa a ausência de equipamento eletrônicos e radioscópicos."
Sustentações orais
O procurador de RS, Fabiano Dallazen, explicou que a revista manual só se efetua em caráter excepcional, ou seja, quando houver fundada suspeita de que o revistando é portador de substância proibida. Assim, pediu pelo provimento do recurso, já que, no caso concreto, havia fundada suspeita para a realização da revista íntima.
Pela mulher que passou pela revista íntima, o defensor público Domingos Barroso reuniu diversos relatos de visitantes que passaram por situações vexatórias, que "nada mais são do que o desdobramento das condições desumanas e degradantes impostas aos encarcerados neste país". Para o defensor, há que se proteger e possibilitar o curso do processo civilizatório diante das ameaças do Estado que ganham força a cada revista vexatória realizada.
Pelo IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, admitido como amicus curiae, a advogada Débora Nachmanowicz, defendeu que a necessidade de segurança em prédios públicos é indiscutível, mas não pode ser realizada às custas da dignidade das pessoas: "clara demonstração de poder e domínio".
O amicus curiae ITTC - Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, pelo advogado Rafael Carlsson, defende que a Constituição não autoriza "essa prática abjeta". Para o advogado, esta prática gera danos irreparáveis à ordem constitucional.
Pelo IDDD - Instituto de Defesa do Direito de Defesa, amicus curiae, a advogada Marina Dias Werneck de Souza defendeu que a revista vexatória é uma experiência humilhante, abusiva e vergonhosa. Para a causídica, os métodos não invasivos são os únicos constitucionalmente proporcionais e adequados à finalidade de proteção e segurança.
A Conectas Direitos Humanos, admitida como amicus curiae, por meio do advogado Gabriel Sampaio, defendeu a ilicitude da prova produzida pela revista íntima e vexatória. O procedimento da revista vexatória consta de um ritual degradante, no qual os agentes públicos adotam práticas que violam à intimidade das pessoas, em especial de mulheres (na questão de gênero) e negros (no ponto da etnia).
O Grupo de Atuação Estratégica da Defensoria Pública nos Tribunais Superiores, pelo advogado Rafael Ramia Muneratti, citou exemplos de casos em que mulheres e até crianças foram submetidas à revista vexatória: "tudo isso para garantir uma suposta segurança". Segundo o advogado, dados oficiais comprovam que não são as visitas as grandes responsáveis pela entrada de objetos ilícitos nas cadeias.
Como amiga da Corte, o defensor Gustavo da Silva, pela DPU, pede o reconhecimento da ilegalidade da revista íntima, já que há relatos de mulheres que passaram por situações vexatórias, e de objetificação corporal, após o procedimento.
O vice-PGR Humberto Jacques iniciou sua sustentação dizendo que, de forma alguma, ninguém em sã consciência defende os fatos malignos descritos pela defensoria e pelos advogados. No entanto, entende que a solução proposta para reprovar as buscas é uma solução desproporcional, desequilibrada e expõe ainda mais as pessoas que precisam de proteção. Por fim, defendeu a revista íntima excepcional observando alguns critérios, como a vedação da desnudez total ou parcial e o uso de espelhos.