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NOVIDADE: STF julga nesta semana se existe o direito ao esquecimento no Brasil



Direito não é previsto na legislação, mas tem sido invocado com frequência em ações.



O Supremo Tribunal Federal (STF) julga, na próxima semana, a fixação, ou não, de um novo direito: a ser esquecido. O processo em que é discutido o direito ao esquecimento está pautado para a sessão de quarta-feira (30/9). O conceito não é previsto na legislação brasileira, mas tem sido muito discutido nas instâncias inferiores devido a inúmeros pedidos de remoção de conteúdo que chegam aos tribunais. A controvérsia coloca, de um lado, a liberdade de expressão e informação e, de outro, direitos à honra, intimidade, privacidade e ressocialização.


O conceito do direito ao esquecimento ganhou destaque a partir de um processo envolvendo o Google na Espanha e julgado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em maio de 2014.


Mario Costeja González é um advogado espanhol, que morava em um apartamento em Barcelona. Depois de deixar de pagar dívidas com a seguridade social, o imóvel foi levado a leilão, conforme se noticiou no jornal La Vanguardia, no ano de 1998. A dívida, no entanto, foi paga, e a venda judicial suspensa. A partir de 2009, ele passou a buscar a desindexação de seu nome das ferramentas de busca.


A corte europeia, no caso, assentou a possibilidade de se solicitar a remoção de resultados de busca, independentemente da manutenção do conteúdo no site de origem, sob o argumento de que seria legítimo dificultar o acesso a material que, pelo decurso do tempo, tivesse se tornado inadequado, irrelevante ou excessivo.


O caso em discussão no Brasil, no entanto, trata de uma disputa sobre a transmissão de um programa da TV Globo a respeito de um crime ocorrido na década de 1950, e tem, segundo especialistas, contornos bem diferentes e mais extensos.


Como o recurso extraordinário (RE) 1.010.606 teve repercussão geral reconhecida, estudiosos, empresas e setores da sociedade civil que trabalham com liberdade de expressão têm o receio de que o debate possa ser ampliado para atuação na internet, de modo a limitá-la. De acordo com o Google, por exemplo, o Brasil é um dos países do mundo onde a empresa mais registra pedidos de remoção de conteúdo.


Para o professor da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Gustavo Binenbojm, é preciso enfatizar: o direito à informação, de informar e ser informado, não está sujeito a nenhum prazo prescricional. Ele é advogado da TV Globo no caso Aída Curi, discutido no processo.


“Estando em repercussão geral, o STF tem o dever de fixar uma tese que vai orientar todos os casos futuros, o que é muito importante. Um dos desafios é a amplitude que vem sendo dado ao direito ao esquecimento. O mero decurso do tempo não dá efeito de decadência ou prescrição. Esse direito não é reconhecido em nenhum lugar da ordem jurídica brasileira”, diz.


Desta forma, Binenbojm afirma que não seria possível aplicar um direito ao esquecimento contra a imprensa. “É preciso lembrar que o caso não envolve erro de cobertura, incorreção, falha. Não havia dúvida de que os fatos eram verdadeiros. Além disso, os fatos eram de interesse público e até histórico, e tinha uma longa trajetória narrada pela imprensa. Um dos irmãos escreveu um livro sobre o crime”, conta, afirmando que dar um direito ao esquecimento, neste caso, seria aplicar uma censura pelo retrovisor, já que a imprensa não poderia ser desautorizada a retratar um caso apenas pelo fato de ser antigo.


Nesta sexta-feira (25/9), a Casa JOTA receberá a partir das 16h, um debate com advogados que atuam no processo. Participarão do evento, que conta com apoio do Google: Gustavo Binenbojm, professor da UERJ; Eduardo Mendonça, professor de Direito Constitucional e Direito Digital do Centro Universitário de Brasília; Taís Gasparian, advogada especialista em mídia e Internet, sócia do RBMDFG Advogados; e Juliana Abrusio, professora da Faculdade de Direito do Mackenzie e diretora do Instituto LGPD.


Eles conversam com o sócio e diretor de Conteúdo do JOTA, Felipe Recondo, sobre o Caso Aída Curi e o debate no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre Direito ao Esquecimento. O webinar conta com apoio do Google. Inscreva-se aqui.


No julgamento em repercussão geral, o Supremo, ao fixar a tese, pode tratar apenas da imprensa tradicional, ou projetar a discussão para a internet, ou, ainda, de como as ferramentas de busca servem para acesso à informação neste meio.


“Reconhecer um direito ao esquecimento seria reconhecer um direito baseado em parâmetros muito vagos, ambíguos, amplos”, reforça. “Toda vez que a imprensa fosse trabalhar um caso antigo, teria que saber se tem interesse público ou histórico, ou ter alguma autorização por parte das pessoas envolvidas. é um parâmetro muito elástico. E a imprensa não é livre se tiver de ter esse tipo de autorização. Não há espaço no constitucional brasileiro desse tipo de alegação”.


A restrição em reportar fatos históricos tem sido imposta em decisões de tribunais inferiores, numa afronta à liberdade de imprensa e ao direito à informação.

No ano passado, por exemplo, o UOL foi condenado pela 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), por 3 votos a 2, a indenizar um bacharel em Direito em R$ 30 mil por ter relatado um crime cometido em 1994 pela irmã dele contra os próprios pais — um caso que foi comparado ao de Suzane von Richthofen, já que além de as vítimas serem de classe média alta, elas foram executadas enquanto dormiam, com a participação do namorado da irmã do rapaz.


O relator designado foi o desembargador Coelho Mendes. Para ele, não há “motivo para a manutenção da notícia, que não trás (sic) informação de cunho social relevante, senão fato que marca negativamente a vida” do bacharel.


Mendes disse que ao sopesar o conflito de interesses entre a liberdade de informação e o direito à intimidade, o magistrado deve considerar o grau de utilidade pública, a atualidade da notícia, dentre outros fatores.


Definição do conceito

Luis Fernando Moncau dedica anos de pesquisa a respeito do tema. Para ele, no Brasil, a expressão ainda suscita uma série de elementos que não querem dizer exatamente o que seria um direito ao esquecimento. “Fala-se sobre banco de dados, negativados, Código de Defesa do Consumidor, ressocialização, tem quem fale que habeas data é direito ao esquecimento. Faz-se uma confusão”, diz. Assim, para ele, o STF tem a oportunidade de delimitar o conceito.


“A minha preocupação é que a gente, por usar uma expressão nova, que empresta força renovada para alguns preceitos, acabe decidindo casos que teriam outro resultado se fosse julgado na base do direito à intimidade. Neste caso, há interesse público, foi amplamente veiculado. Se fosse pelo ângulo do direito à intimidade o pedido de remoção não vingaria, mas se você traz o direito ao esquecimento, considera-se de outra forma”, exemplifica.


Para o pesquisador, os traços em comum no debate que se relacionam com direito ao esquecimento seria a existência, em primeiro lugar, de uma informação. “Assim, afasta-se outras coisas que são chamadas de direito ao esquecimento e não o são, como maus antecedentes, prescrição”, diz. Além disso, essa informação teria de ter sido afetada de alguma forma pelo tempo, já que não se poderia falar nesse direito para algum episódio muito recente. Por fim, seria uma informação veiculada de forma lícita, ou seja, não é mentira, difamação, ou violação de intimidade.


Assim, os ministros terão de ponderar sobre o efeito jurídico da passagem do tempo: o tempo pode operar sobre a ideia de interesse público? De pessoa pública? O caso europeu trata de indexação em ferramentas de busca, enquanto o brasileiro é sobre televisão. Moncau afirma ter preocupação de que haja uma importação da discussão feita lá, com outras bases e outros fundamentos, para o contexto local.


Caso Aída Curi

O caso concreto que chegou ao STF foi o de Aída Jacob Curi. Ela nasceu em Belo Horizonte, se mudou para Goiás e, de lá, para o Rio de Janeiro com a família. Conheceu Ronaldo Guilherme de Souza Castro, 19 anos, em 14 de julho de 1958, em Copacabana. Na mesma tarde, Aída subiu com Ronaldo até a cobertura de um prédio, onde foi espancada e estuprada por Ronaldo e dois amigos. Quando ela desmaiou, eles tentaram simular um suicídio, a empurrando do parapeito. O assassinato de Aída Curi ficou marcado como o acontecimento que representou o fim da inocência do bairro de Copacabana.


O caso foi dramatizado pela TV Globo em 2004, no programa Linha Direta Justiça. A família da vítima, então, foi à Justiça pedir uma indenização pelo fato de o crime ter sido relembrado, encenado e transmitido em cadeia nacional, enquanto os parentes gostariam de esquecer a brutalidade pela qual Aída Curi passou.

Ainda que no caso concreto a discussão gire em torno de um programa de televisão, as instâncias inferiores já vêm discutindo o tema no contexto da internet, bem como o próprio Supremo já incluiu este outro ambiente no debate. O ministro Dias Toffoli, relator do caso, chamou uma audiência pública sobre a matéria em 2017.


Proteção à memória

Da forma como se coloca no Brasil, o direito ao esquecimento pode, segundo a advogada que representa a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) Tais Gasparian, afetar o direito à memória da nação. “O tal direito ao esquecimento também atenta contra a proteção de arquivos. É um direito constitucional, previsto, um princípio de guarda e proteção de arquivos, bibliotecas e, com isso, se guarda a história de um povo. Pretender que não se fale mais, que se retire de internet, atenta também contra a proteção e guarda de arquivos”, aponta.


Para ir além, ela explica que, mesmo no caso de Aída Curi, a demanda não teria cabimento. Isto porque a questão do direito ao esquecimento não foi suscitada desde o começo, mas passou a ser usada no fim da tramitação do caso na segunda instância. De início, a família buscava uma indenização pela exposição da história. “Isso já me faz pensar que essa questão do direito ao esquecimento é amplamente oportunista neste processo. se tivessem pago um valor, não teria esse pedido.”


Da mesma forma, ela ressalta que o arquivo do episódio do Linha Direta não está disponível. Mesmo ela, enquanto advogada que atua no caso enquanto amicus curiae, não tem acesso às imagens. “Trata-se, então, de impedir que se fale de Aída, não de esquecer. Não fosse por nada disso, ainda tem a configuração da censura prévia, porque não se pode mais falar da pessoa. Viola-se o direito à memória de um país, de uma nação, de uma condição feminina, de um crime grave, que marcou uma geração, viola-se diversos preceitos constitucionais”, enfatiza.


No Supremo

O STF tem uma longa tradição da defesa da liberdade de imprensa, de informação, de manifestação. Ainda que, no que concerne às discussões sobre internet a Corte não teve muitas oportunidades de fortalecer jurisprudência, os especialistas são otimistas de que o plenário vai seguir a linha construída até aqui.

No início deste mês, em evento feito pela Abraji, o ministro Alexandre de Moraes adiantou posição que pode apresentar no julgamento. A respeito de pessoas que pedem a veículos de comunicação que retirem do ar reportagens antigas, sobre eventuais crimes cometidos, ele disse se tratar de discussão complexa, mas se colocou contra a possibilidade: “Não se pode apagar o passado”.


Antes de Moraes chegar à Corte, o colegiado decidiu, por unanimidade, que a publicação de biografias não autorizadas não fere a Constituição. Ao julgar a ADI 4.814, o plenário julgou ser inconstitucional a exigência de autorização prévia para a publicação de biografias. O precedente é apontado como importante para a discussão em jogo no dia 30 de setembro.


Ser esquecido

Um acórdão recente, de 15 de setembro, é outro exemplo de como o tema é amplo e pode ser acionado em diferentes circunstâncias, enquanto não há definição mais clara. A 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, negou um pedido a um homem condenado em 2008 por estupro de uma menina de 9 anos, e que, agora, em liberdade provisória, quer ter este fato esquecido por ter dificuldade de encontrar trabalho.


O homem acionou a Justiça contra o Google e a Microsoft para que as empresas retirassem dos sites de busca os links que remetiam à notícia do crime. Ele afirma que ingressou com ação de revisão criminal para tentar provar inocência, e que não consegue recolocação no mercado e consequentemente alimentar sua família de forma digna, por causa da notícia. O homem, então, apela ao direito ao esquecimento em nome da dignidade da pessoa humana. O caso tramita em segredo de Justiça com o número 1000007-49.2019.8.26.0344.


“A primeira ideia que me ocorreu quando da leitura da inicial, foi a de associar a pretensão do ofendido à conduta de alguém que, desejando não se lembrar de algo que a desagradou quando da leitura de um livro, resolve apenas rasgar seu índice, para que ele não mais lhe remeta àquele assunto, deixando todo seu conteúdo, todavia, intocado”, disse o desembargador.

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