Da dotação de R$ 510 bilhões, só R$ 273,8 bilhões saíram de fato dos cofres públicos até agora
Em meio à pandemia, a demanda de recursos públicos parece ilimitada. Mas, da verba liberada pelo governo para o combate à covid e a seus efeitos econômicos e sociais, apenas uma parte foi usada até agora.
Segundo o Painel do Orçamento Federal, elaborado com base nos dados mais recentes do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop), de 31 de julho, só R$ 273,8 bilhões dos R$ 510 bilhões liberados para o enfrentamento da pandemia foram efetivamente gastos, o equivalente a 53,7% do total. Outros R$ 123,3 bilhões (24,2%) estão comprometidos com pagamentos de despesas, mas ainda não saíram do caixa. Há, portanto, um saldo de R$ 112, 9 bilhões que está parado na conta do Tesouro à espera de melhor destino - um fenômeno chamado pelos técnicos do Ministério da Economia de "empoçamento" (veja o quadro abaixo).
Mesmo programas destinados a aliviar o impacto social e econômico da pandemia, que, em tese, deveriam ter execução imediata, apresentam um nível de "empoçamento" relativamente alto no momento. Em alguns casos, como no do auxílio emergencial concedido a trabalhadores informais, que representa a maior despesa do chamado "orçamento de guerra", isso se explica, em boa medida, porque as transferências são feitas em parcelas mensais e ainda há créditos por fazer.
Em outros casos, ao que parece, trata-se de "empoçamento" mesmo. O programa de financiamento da folha salarial, por exemplo, consumiu até agora apenas R$ 3,9 bilhões da dotação de R$ 17 bilhões, o equivalente a 11,4% do total. O mesmo está acontecendo, em menor escala, com o programa de garantia do emprego e da renda, que arcou com parte dos salários dos trabalhadores que tiveram a jornada reduzida ou suspensa durante a pandemia. Da verba disponível de R$ 51,6 milhões, só R$ 18,2 bilhões foram usados (35,2%), embora quase tudo já esteja comprometido para realização das transferências aos trabalhadores.
Até na área de saúde, envolvida com a prevenção e o combate propriamente ditos ao coronavírus, o problema se repete. De acordo com dados do Monitoramento dos Gastos da União com Combate à Covid-19, produzido pelo Tesouro, as despesas efetivamente realizadas pelos ministérios da Saúde, Justiça e Segurança Pública, Defesa e outros consumiram apenas R$ 23,5 bilhões dos R$ 54,8 bilhões que receberam, uma fatia equivalene a 45,2% do total.
"O nosso trabalho é tentar fazer com que o uso dos recursos seja o mais eficiente possível", diz o secretário do Tesouro, Bruno Funchal. "O 'empoçamento' não é só uma questão de gestão. Há amarras legais, um excesso de obrigações e de vinculações que dificulta a execução."
Funchal diz que tem conversado com a Casa Civil, para identificar formas de ampliar a execução em cada ministério e eventualmente transferir recursos entre um ministério em que eles estão "empoçados" e outro que precisa de mais dinheiro para executar um programa "estratégico" para o governo. "A gente está procurando fazer uma gestão dentro dos ministérios e entre ministérios", afirma. "Mas, para fazer esse remanejamento, precisa ser algo muito bem fundamentado."
Como os gastos efetivamente realizados na pandemia estão abaixo da dotação, é possível que, em dezembro, na hora de fechar o balanço, a conta da pandemia acabe sendo menor do que mostram hoje as projeções oficiais. "O nosso objetivo é que empoce menos, mas de fato pode ter esse outro lado, que é reduzir o tamanho dessa conta no fim do ano", diz Funchal.
Qualidade do gasto
Alguns analistas questionam também a concentração da verba liberada pelo governo em medidas de impacto social e econômico, para as quais foi destinada uma parcela de cerca de 75% dos recursos, e a baixa dotação destinada ao Ministério da Saúde, que recebeu menos de 10% do total.
"Ao contrário de muita gente não vejo problema com o volume de gastos. É uma pandemia muito grande e só o governo poderia responder contraindo dívida pública", afirma o economista José Roberto Afonso, professor do Instituto de Direito Público (IDP) e pesquisador na Universidade de Lisboa. "Eu sou muito mais crítico em relação à qualidade do gasto do que ao tamanho do gasto público. Antes de tudo, você tem que gastar para salvar vidas, na questão da saúde, que é o mais importante e foi relegada a segundo plano desde o início."
De acordo com Afonso, "o menor gasto" que o governo fez até agora foi com a saúde. Sem resolver o problema da saúde, diz ele, não haverá recuperação da economia, porque a crise econômica é decorrente da crise na saúde e enquanto ela não for resolvida muita gente deverá continuar a se isolar, com medo do contágio, a consumir pouco e a evitar a ida a bares e restaurantes.
"O grande questionamento é que se fez muito pouco e muito mal para a saúde. Isso faz parte do problema do negacionismo", diz. "Como acontece nos Alcoólicos Anônimos, a primeira coisa que você tem de fazer para superar o vício é reconhecer que é um alcoólatra."