A seis meses de deixar a presidência da Câmara, deputado defende discussão de limite à atuação de militares da ativa na estrutura do próximo governo
A seis meses de deixar a presidência da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) defende a discussão no País de um limite à atuação de militares da ativa na estrutura do próximo governo. Sem apontar diretamente para os generais nos cargos da atual gestão do presidente Jair Bolsonaro, ele ressalta a necessidade de respeitar o "muro" entre o Estado, a quem as Forças Armadas estão vinculadas, e o governo, formado especialmente por agentes públicos eleitos.
Em home office, na residência oficial, ele criticou o enfrentamento da pandemia pelo governo, mas isentou o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, de toda a responsabilidade pelas mais de 100 mil mortes.
Na conversa, interrompida algumas vezes para olhar os desenhos do filho Rodrigo, de 4 anos, revelou que vai ajudar na construção de uma candidatura que se apresente como alternativa à polarização PT x Bolsonaro. À equipe econômica, mandou um recado: vai barrar qualquer tentativa de burlar o teto de gastos que proíbe as despesas de crescer em ritmo superior à inflação.
O sr. acredita que a crise entre os três Poderes esteja de fato superada ou ainda é preciso acompanhar com mais atenção?
Pelo menos nas últimas semanas, há um ambiente de mais respeito e menos estressamento na relação entre Poderes. Espero que continue assim. É bom para o Brasil que a gente continue com as instituições democráticas funcionando. Foi uma coisa que cobramos naquele período de manifestações com faixas contra o Parlamento, pedindo o AI-5.
Neste momento, não está na hora de discutir a volta dos militares para a caserna e a saída deles desse ambiente político?
É importante separar o Estado e o governo. As Forças Armadas estão no Estado. Os gestores públicos, os ministros, o presidente estão no governo. É importante que fique claro que há um muro. Não é algo contra os militares que estão no governo Bolsonaro, mas esse debate vai acontecer, no mínimo, para o próximo governo, para que fique clara essa separação. Quem vem para cá (governo) vai precisar não ter vínculo com o Estado. Quando um militar da ativa entra no governo ele traz parte do Estado e, muitas vezes, pode misturar as coisas, e é importante que a gente consiga organizar isso.
De certa forma, o papel dado a alguns militares não se mostrou tão eficiente. Na Saúde, na articulação política...
Eu não acho que o Pazuello tenha sido a melhor escolha, mas não podemos culpá-lo também pelas 100 mil mortes. É claro que há falta de articulação com os governadores e conflitos por causa de posicionamentos equivocados. Isso pode ter prejudicado, certamente, mas transferir 100% dessa responsabilidade para o ministro está errado. O problema é ter um vírus que vai tirar vidas de brasileiros e que vai derrubar a economia. E a economia vai cair porque na hora em que começa a morrer gente próxima, a pessoa deixa de consumir, deixa de ir à rua, querendo o governo ou não.
O presidente Jair Bolsonaro tem usado o auxílio emergencial e até mesmo o Renda Brasil, ainda em estudo, para se aproximar do eleitorado do Nordeste. O Parlamento vai dar esse capital político ao presidente?
O governo tinha uma proposta tímida para o auxílio emergencial. O Parlamento alterou e o presidente respaldou a decisão de um valor maior. O governo foi beneficiado. Nós vamos ficar brigando pela paternidade com 50 milhões, 60 milhões de famílias sem nenhuma renda? Não dá para ficar nesse jogo político. Cada deputado trabalhou a paternidade do auxílio emergencial, o governo também, mas é claro que os instrumentos do governo são mais fortes que os da Câmara. O Parlamento não tem estrutura de agência de publicidade.
Bolsonaro está viajando pelo Brasil em ritmo de campanha eleitoral. O sr. sente uma ansiedade de alguns setores para achar um nome que faça o contraponto ao presidente em 2022?
Não é hora de se preocupar com nome. Se anteciparmos o processo eleitoral, aí sim nós vamos interditar o debate, como gosta de falar o Paulo Guedes (ministro da Economia). Infelizmente, o debate da reforma administrativa está interditado desde o ano passado. O da tributária está andando, nós estamos estimulando, diferentemente do que o Paulo Guedes diz. O que nós não queremos é criação de novos impostos e onerar a sociedade.
O sr. ainda tem seis meses na presidência da Câmara. Quais as prioridades nesta reta final e o que o sr. ainda tem tempo para entregar?
A reforma administrativa eu preciso do governo, mas a tributária eu estou confiante que nós vamos entregar.
O sr. disse que, mesmo que haja a possibilidade, não disputará a reeleição. O que o senhor fará após deixar a presidência?
Não é minha intenção (concorrer à reeleição).
O sr. acredita que o presidente Jair Bolsonaro não vai interferir nesse processo?
É difícil não interferir.
O sr. tem defendido a construção de uma união de centro para as eleições de 2022. Fora da Câmara, o sr. pode ser essa pessoa a construir esse grupo?
Tenho condições e vou querer ajudar a construir um projeto para 2022. Sem desrespeitar o projeto dos outros, mas temos que construir um ambiente que saia dos extremos e procure defender o que é o certo e o melhor para a sociedade brasileira.
A polarização PT x Bolsonaro vai se repetir em 2022?
Se não surgir um candidato que tenha uma agenda reformista na economia e menos radical na questão dos valores, pode se repetir. A sociedade é conservadora, mas o radicalismo de um lado ou de outro vem gerando essa polarização.
O governo quer atrelar prorrogar o auxílio emergencial com o Renda Brasil. O senhor concorda?
Eu não posso discutir o que não conheço. O que é o Renda Brasil? Óbvio que será necessário construir alguma solução para saída do auxilio emergencial. É óbvio que o Estado brasileiro não tem condições de suportar a manutenção dos R$ 600 (de auxílio emergencial). Neste momento de crise não podemos fazer política dessa questão. Eu só acho que temos que tomar cuidado para não ampliar ainda mais as despesas públicas para solucionar uma questão urgente e que precisa ser solucionada, mas criar outros problemas para a sociedade.
Há uma preocupação de dribles que o governo tentou fazer para furar o teto de gastos...
O governo não pode querer usar o Parlamento como instrumento dessas soluções heterodoxas. Não dá para usar um projeto, uma PEC, pelo menos na Câmara, para burlar o teto de gastos. Se o governo tiver essa intenção, eu discordo e vou trabalhar contra.
O sr. concorda que esses dribles podem ser considerados a pedalada de Bolsonaro?
Este ano o governo está protegido pela PEC do orçamento de guerra, mas se o governo editar um crédito extraordinário e depois transformar em restos a pagar (para ampliar o espaço para gastar em 2021), aí pode ser uma pedalada.
O ministro Guedes disse que quem compara o imposto que ele pretende criar à CPMF ou é por maldade ou é ignorância...
Enquanto ele não apresentar proposta, é um direito legítimo de todo mundo achar que tem cara de CPMF, está tudo parecendo uma CPMF e com as isenções vai virar um adicional de imposto que a sociedade vai pagar. Não é tão simples criar uma receita com imposto cumulativo e não gerar danos na economia brasileira.
A equipe econômica diz que o novo imposto abre espaço para desonerar a folha das empresas. O sr. vê outra solução?
Temos que procurar a receita no Orçamento existente senão vamos levar o Brasil a ter a maior carga tributária do mundo. Por isso que a reforma administrativa é tão importante. Não porque ela vai reduzir despesas a curto prazo, mas porque melhora a qualidade do serviço público.
O sr. vê espaço para as duas reformas, a tributária e administrativa?
Pagamos muito imposto e a produtividade do setor público não existe. A média do salário dos servidores públicos é o dobro do setor privado, isso é uma distorção. Precisa ter a união do Poder Executivo com o Legislativo para mostrar que estamos tratando da reforma do ponto de vista de estrutura das carreiras para os próximos servidores. E estamos tratando dos atuais na eficiência do serviço público. Se for o caso, os líderes que defendem essa tese poderiam fazer um apelo ao presidente.
O sr. acha que seria o momento ideal de discutir as duas?
Não tem outro caminho. Se o investidor não olhar as grandes reformas, além do Meio Ambiente, o Brasil nunca vai ser prioridade. Não podemos esquecer que o Brasil precisa muito dos investidores externos para poder ter um ciclo de investimento sustentável. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.