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BOMBA DO DIA: Luciano Hang obteve 55 empréstimos do BNDES para transformar Lojas Havan em império

De 1993 a 2014, o empresário hoje investigado no Inquérito das Fake News, no STF, conseguiu R$ 72 milhões junto ao banco estatal


Luciano Hang, o dono das lojas Havan, voltou ao noticiário na sexta-feira (24/7) ao ser incluído no grupo que teve contas no Twitter derrubadas. A decisão, do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, insere-se no contexto do Inquérito das Fake News, que investiga a disseminação de notícias falsas. Hang é acusado de propagar uma prática da qual ele mesmo diz ter sido vítima ao longo dos anos.


Crítico da influência do Estado na economia, Luciano Hang, 57 anos, recorreu às ferramentas de financiamento governamental para montar o que hoje é considerado por especialistas um império do varejo.


Com 147 lojas espalhadas em 18 estados do país, o Véio da Havan, como é conhecido, conseguiu, entre 1993 e 2014, 55 empréstimos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que totalizam, em valores atualizados pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), mais de R$ 72 milhões.


Os dados, negados pelo empresário no passado e classificados de fake news, foram obtidos pelo Metrópoles via Lei de Acesso à Informação (LAI) e revelam que Hang contratou uma média de 1,6 empréstimo por ano desde a fundação da empresa.


Os maiores volumes foram obtidos em dois momentos-chave da expansão do empresário nascido em Brusque, cidade que é polo da indústria têxtil em Santa Catarina e onde ele mora até hoje com a mulher, Andrea. O casal tem três filhos, os gêmeos Lucas e Leonardo, hoje com 23 anos, e Matheus.


O segundo momento em que o empresário mais obteve dinheiro do BNDES foi ao longo dos governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Embora os valores liberados tivessem sido mais baixos em relação aos anteriores, o número de empréstimos aprovados se multiplicou e chegou a 50 no período.


Essa foi o período em que houve a maior expansão das lojas. Entre 2005 e 2014, Hang ampliou a quantidade de unidades e chegou a 57, com receita declarada em R$ 2 bilhões anuais.


I❤NY

A rede ganhou ares de império, com bandeira fincada, ou melhor dizendo, com Estátua da Liberdade erguida por todo o país. A Havan costuma ter uma réplica do tradicional monumento da cidade de Nova York. Segundo a rede, trata-se de uma referência à liberdade de escolha dos clientes.


A loja de Brasília, contudo, é exceção, pois a legislação local não permite a instalação de estátua onde fica a filial candanga.


Hang começou a trabalhar aos 17 anos, na mesma fábrica de tecidos em que os pais eram operários. Aos 21, comprou uma pequena empresa do ramo e entrou no mundo dos negócios, com a meta de prosperar cada vez mais.


Ainda nos anos 1990, quando Hang separou-se do seu então sócio, Vanderlei de Limas – o nome Havan é a junção de sílabas que compõem nome e sobrenome dos fundadores –, e transformou a loja atacadista em varejo, foram contratados cinco empréstimos. A liberação do dinheiro ocorreu entre 1993 e 1997, ao longo das gestões Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.


Mesmo em menor número, esses foram os valores mais elevados que o catarinense conseguiu junto ao banco estatal de fomento. Em cifras atuais, correspondem a R$ 33,9 milhões. Na época dos primeiros empréstimos, havia apenas uma loja Havan, em Brusque. Após a injeção de capital, Hang ampliou o negócio e passou a ter três unidades.


O número de empréstimos obtidos pela Havan contrasta com os conseguidos por outros grandes grupos varejistas, que recorreram ao BNDES com menor frequência que Hang.


Segundo informações contidas na base de dados do banco a respeito de operações contratadas desde 2005, o Magazine Luiza fez 24 operações; as Lojas Americanas, 14; e as Lojas Renner, três.


Os empréstimos tomados por Hang foram feitos em duas modalidades: Finame, que financia a compra de máquinas nacionais; e BNDES Automático, usado para bancar projetos de empresas.


Ex-presidente do Conselho de Administração da instituição, Carlos Thadeu de Freitas Gomes destacou que tanto a modalidade Finame quanto a BNDES Automático têm critérios no ato da contratação sobre o uso que será dado ao dinheiro. Essas questões ficam sob responsabilidade do banco que intermediou a operação.


Funciona da seguinte forma: quando o BNDES libera os recursos, o dinheiro vai para a conta de um banco. Essa instituição cuida dos trâmites na hora de receber e repassar o dinheiro ao cliente.


“O BNDES tinha que repensar sua parceria com os bancos privados, além de tudo, [o empréstimo] ficaria mais barato”, avaliou. “Hoje, há uma incapacidade de o banco dar dinheiro a quem precisa. Há recursos, mas é preciso mudar o modo de fazer as coisas”, complementou.


O próprio BNDES, ao revelar os dados via LAI, destacou as condições e a atribuição das responsabilidades dos bancos parceiros.


“É importante destacar que as operações com a empresa Havan Lojas de Departamentos LTDA (CNPJ 79.379.491/0001-83) foram celebradas na modalidade automática (indireta) – com a intermediação de agentes financeiros credenciados no BNDES, responsáveis pela análise, aprovação e acompanhamento do crédito, bem como pelo risco das operações”, destacou o banco, em nota.


Ao longo dos anos, as lojas Havan usaram seis bancos como intermediadores: Badesc, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Banco Safra e Banco J. Safra.


A assessoria de Hang foi procurada pela reportagem para comentar os empréstimos, mas não havia se manifestado até a última atualização desta reportagem.

No entanto, em vídeo publicado nas suas redes sociais em 2 de janeiro de 2020, Hang negou ter contratado empréstimos junto ao banco. Na gravação, ele assegurou que as informações eram falsas.


“É FAKE NEWS!”

“Como se fosse verdade que o ‘Véio da Havan’ pegou, durante a época do PT, empréstimos do BNDES. Quero dizer para vocês que é mentira. É fake news! A Havan, durante a época do PT, não pegou empréstimos, até porque eu já era inimigo deles, né?”, disse.


Na gravação, ele respondia a uma fala do deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP), que atribuiu o fato de o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não ter feito a “abertura da caixa-preta do BNDES” devido à presença do nome de Hang por lá – o empresário catarinense é ferrenho apoiador do atual titular do Palácio do Planalto.


O Metrópoles questionou se Hang gostaria de mudar a sua versão a respeito do tema, já que o próprio banco público confirmou, de forma oficial, as operações no período. A assessoria do empresário, mais uma vez, não respondeu a esse questionamento e a nenhum dos demais assuntos abordados neste texto.


A pedido da reportagem, o professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Piscitelli analisou os números de empréstimos concedidos pelo BNDES às lojas Havan. Na avaliação dele, as concessões foram fundamentais para a construção do império empresarial.


“Foram muitos empréstimos e, coincidentemente, todos no banco público BNDES, por anos. Há momentos em que ele tem mais de um empréstimo por mês, é muita coisa”, afirmou. “Hang criou um personagem ‘santinho’, que diz nunca ter tomado dinheiro público ou se valido de incentivos, mas mamou nas tetas do governo por anos”, completou Piscitelli.


Como comparação, o ex-sócio de Luciano Hang, Vanderlei de Limas, contou, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em 2013, que a separação da sociedade se deu porque ele queria “ficar com os pés no chão”.


Dono da loja Vantex, Vanderlei pegou apenas dois empréstimos do BNDES entre 2006 e 2020. E tem apenas uma loja em Brusque. Questionado pelo Metrópoles sobre como era a parceria, ele disse que havia prometido a Hang não voltar ao tema. “Mas ainda somos amigos”, assegurou.


Veja todos os empréstimos concedidos pelo banco público às lojas de Luciano Hang ao longo dos anos, com os valores contratados à época e atualizados:



BENEFÍCIOS E ESTRATÉGIAS TRIBUTÁRIAS

Com os empréstimos do BNDES e o projeto de expansão em marcha, Hang também se valeu de outra ferramenta: buscar isenções, incentivos ou qualquer outro tipo de benefício em estados e municípios para espalhar a marca país afora.


Exemplo dessa tática ocorreu em 2015, quando o advogado e então presidente da Associação Comercial e Empresarial de Vilhena (Aciv), Josemário Secco, e o prefeito da cidade de Rondônia à época, José Luiz Rover, se encontraram na sede da entidade.


A reunião tinha um propósito: ligar para o empresário Luciano Hang, que pretendia abrir uma loja na cidade e contava com o auxílio de Rover para obter benefícios fiscais.


O prefeito havia encaminhado à Câmara Municipal o Projeto de Lei nº 280/2015. O objetivo era conceder isenções tributárias à empresa de Santa Catarina pelo prazo de 10 anos.


A proposta tinha a seguinte ementa: “Dispõe sobre a isenção de tributos municipais à empresa Havan Lojas de Departamento e Brashop S/A [empresa holding do grupo] pelo prazo de 10 anos e dá outras providências”.


A Associação Comercial e Empresarial de Vilhena, porém, acreditava que, como não havia essa previsão na Lei Orgânica do município, o projeto deveria ser mais amplo, para beneficiar todo o comércio local, e não apenas uma empresa de fora do estado.


“Vilhena não possuía uma lei desta, e toda vez que a isenção de impostos é tratada individualmente, como no caso da Havan, há conflitos, discussões e polêmica. O município precisa ter uma lei própria que defina as condições para proceder a isenção de impostos com equidade e justiça para todos”, disse Josemário Secco, à época.


Com a polêmica e a pressão dos empresários locais, o texto não chegou a ser votado na Câmara Municipal. Ainda assim, Hang obteve uma “forcinha” da cidade. Graças ao prefeito Rover, Vilhena permitiu que um terreno público fosse usado para a construção da loja.


“Foi por meu intermédio que a Havan chegou a Vilhena. Eles tiveram benefício do município na abertura de uma rua. Tinha uma que interferia no loteamento [onde seria construída a Havan]. Foi feita uma parceria para ele entrar na cidade”, disse o ex-prefeito, em entrevista ao Metrópoles, ao explicar que a via pública tornou-se parte do empreendimento privado.


Segundo o ex-chefe do Executivo local, Hang, em contrapartida pelo benefício concedido, comprou esteiras e aparelhos de ar-condicionado para o aeroporto da cidade.


Um ano após a articulação para a chegada da Havan a Vilhena, Rover acabou sendo afastado pela Justiça por supostos desvios de dinheiro público. Na época, chegou a ser preso.


Assumiu o cargo o então presidente da Câmara, Célio Batista. Nas eleições de 2016, quem ganhou foi Rosani Donadon que, em 17 de março de 2017, determinou a retirada do projeto de lei que previa benefícios fiscais exclusivos à Havan.


Mesmo sem a regalia, a Havan inaugurou a loja de Vilhena em 3 de julho de 2018, cinco meses após Rover ser condenado a 55 anos de prisão, sob a acusação de praticar crimes nas secretarias de Obras e Comunicação. Atualmente, ele responde ao processo em liberdade.


DRIBLE NA CONCORRÊNCIA

O exemplo da tumultuada chegada da Havan a Vilhena se repetiu em outras cidades do país. No caso da cidade rondoniense, a pressão da Associação Comercial e Empresarial local evitou a aprovação do projeto de lei para dar regalias exclusivas ao grupo de Hang.


Em outros lugares do país, sindicatos patronais também criticaram uma das estratégias tributárias usadas pela Havan, que a coloca em vantagem sobre os concorrentes menores.


Há estados em que, ao se inscrever na Receita local, as lojas Havan usam a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) tanto para comércio varejista quanto de atacadista. Na prática, isso faz com que a empresa consiga redução tributária em determinadas praças.


A depender da localidade, o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e a Prestação de Serviços (ICMS) cobrado das empresas de varejo é de aproximadamente 20%. Já para os atacadistas, o percentual fica em 11%. Com mais de um CNAE, a Havan paga menos tributos que concorrentes menores.


Situação semelhante ocorre, por exemplo, em Goiás, onde há três lojas do grupo: em Anápolis, Rio Verde e Valparaíso, no Entorno do Distrito Federal. Segundo a Secretaria de Economia goiana, as lojas Havan têm seis inscrições no estado, atuando como varejista e atacadista.


“A Secretaria de Economia de Goiás confirma que as Lojas Havan têm seis inscrições no estado e matriz em Anápolis. A principal CNAE é comércio varejista. Há inscrição como comércio varejista e como atacadista”, destacou a secretaria, em nota.


Ainda de acordo com a pasta, “o estado não tem benefício fiscal que atende comércio varejista, somente para comércio atacadista”. A secretaria ressalta que, nessa última inscrição, as lojas pagam 11% de ICMS sobre as vendas.


A FINA LINHA DA LEGALIDADE

Segundo o advogado tributarista Eduardo Lourenço Gregório Júnior, sócio do escritório Maneira Advogados e secretário-geral da Comissão de Assuntos Tributários da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF), existe uma linha tênue entre um planejamento tributário lícito e ilícito.


“Há uma margem grande para decidir a melhor forma de organizar a sua estrutura societária e de negócios. Quando o contribuinte não consegue demonstrar, em fiscalização, que teria outros fundamentos além da economia tributária, o Fisco costuma reagir”, disse. “De forma geral, há entendimento, entre os Fiscos, que um planejamento que visa somente a economia tributária não se sustenta”, explicou.


REPRODUÇÃO

O presidente do Sindicato do Comércio Varejista do Distrito Federal, Edson de Castro, é crítico da estratégia utilizada pela Havan. Segundo Castro, a manobra canibaliza a concorrência e precariza a situação de trabalho dos empregados.


“Essa prática prejudica os pequenos e os médios varejistas. No atacadista, paga o imposto menor, algo que os pequenos não têm como fazer porque não contam com o mesmo volume de vendas”, disse. “A Havan vende no varejo, mas paga como atacado. Vira uma concorrência desleal”, resumiu.


A Havan, em seu site, ostenta uma série de prêmios e reconhecimentos como empresa de varejo. Não há, contudo, destaque para o serviço de atacadista.


APARIÇÕES NA TV

Nos últimos anos, Luciano Hang se tornou uma figura conhecida do público brasileiro. Com visual chamativo – não raro, aparece em fantasias ou vestindo espalhafatosos ternos nas colorações verde e amarelo – e retórica polarizada, o empresário reúne uma multidão de quase 8 milhões de seguidores nas redes sociais – algumas delas bloqueadas pela Justiça –, além dos seus 22 mil empregados.




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