Proposta da Secretária Nacional de Políticas para Mulher quer aumentar acolhimento de vítimas e mais participação feminina nas eleições de 2020
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, por meio da Secretaria Nacional de Políticas para Mulher, quer lançar o Plano Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio ainda em 2020. A entrega foi anunciada para o primeiro semestre deste ano, mas teve de ser adiada por causa da pandemia do novo coronavírus. Agora, o plano será lançado em novembro, de acordo com Cristiane Britto, que comanda a secretaria.
A tarefa se demonstrou ainda mais necessária no momento em que milhões de brasileiros estão em quarentena, medida adotada para evitar o contágio da covid-19. De acordo com levantamento realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os casos de feminicídio registrados entre os meses de março e abril deste ano aumentaram 22% em relação ao mesmo período do ano passado, quando não existia o confinamento social.
Enquanto Britto mobiliza ações para a conclusão do programa, a Casa da Mulher Brasileira, a galinha de ovos de ouro da secretaria, se expande. Os recursos para esses espaços, que abrigam centro de atendimento humanizado e especializado no atendimento à mulher em situação de violência doméstica, terão um aumento de 222% neste ano e fazem parte de uma resposta emergencial para o problema.
A Casa da Mulher Brasileira contará com orçamento de R$ 61,2 milhões, ante R$ 19 milhões nos cofres de 2019. Com o orçamento maior, a previsão é de entrega de unidades espalhadas pelo interior do país. “Interiorizar a política”, argumenta Britto — em seguimento ao jargão usado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de ‘menos Brasília, mais Brasil’.
Até o final de julho, a pasta iniciará o projeto de 10 unidades. Duas são em capitais, Cuiabá (MT) e Manaus (AM), e o restante em municípios do interior – Uberaba (MG), Japeri (RJ), São Raimundo Nonato (PI), Cidade Ocidental (GO), São Sebastião (DF), Recanto das Emas (DF), Sobradinho II (DF) e Sol Nascente (DF).
Confira, abaixo, os principais pontos da entrevista com Cristiane Britto:
R7 — A quarentena, praticada de forma ainda sutil pela população brasileira, escancarou um problema o qual a secretaria já sabia da existência. Os casos de feminicídio aumentaram em 22% durante a pandemia do novo coronavírus, segundo o Fórum Nacional de Segurança Pública. Como resolver?
Cristiane Britto — A gente já sabia dessa perspectiva de aumento dos casos por causa da experiência relatada por outros países. E a nossa primeira atitude foi antecipar o investimento em ferramenta de canal de denúncia. Lançamos, por exemplo, o Direitos Humanos BR, pensando naquela mulher que está 24 horas ao lado do agressor e é impossibilitada de fazer uma ligação.
O nosso maior desafio, quando se fala sobre feminicídio, é superar a subnotificação. 70% das mulheres vítimas de feminicídio nunca fizeram sequer uma denúncia. Isso significa que estávamos falhando na disseminação de informação ou que essa mulher não confia no atendimento da rede. E isso se agrava no momento de pandemia da covid-19.
Então, nós nos aproximamos da rede a fim de fortalecê-la. De que forma? Assegurando que a Casa da Mulher Brasileira permanecesse funcionando, que os Tribunais de Justiça desenvolvessem ferramentas para medidas online, disseminar informações que incentivem a denúncia dessa mulher, fizemos um protocolo para categorizar de forma correta a tipificação do crime de feminicídio.
Inclusive, por meio de nossa articulação, o Ministério da Justiça assinou ontem [terça-feira (23)] o Protocolo Nacional de Investigação e Perícia nos Crimes de Feminicídio. Com isso, vai acabar o problema de que policial tinha dificuldade em iniciar uma investigação de feminicídio como se fosse homicídio comum. Enfim, é um protocolo que significa a abertura do caminho do combate ao feminicídio.
R7 — A senhora é defensora do boletim de ocorrência online, medida adotada pelo Estado do Rio de Janeiro, por exemplo. A senhora conseguiu avançar nessa questão na Secretaria?
Cristiane — Nós identificamos que o Rio de Janeiro tinha lançado boletim online. E nós articulamos junto ao Ministério da Justiça com secretários de segurança de todo o país para que adotem a mesma medida. Já são 13 Estados, entre eles Distrito Federal e Paraíba, que vigoram com o boletim de forma online, delegacia virtual, por exemplo.
R7 — A Casa da Mulher Brasileira, importante instrumento criado para dar proteção e assistência as mulheres, conta com R$ 61,2 milhões no ano de 2020 (ante R$ 19 milhões de 2019). A maior parte desse dinheiro foi capitaneada com emendas parlamentares, destinadas pela Bancada Feminina.
Cristiane — Para que nós conseguíssemos esse valor foi preciso de uma reavaliação do programa. Basicamente o que nós fizemos foi baratear o custo. Por exemplo, para se instalar uma unidade da Casa da Mulher Brasileira era preciso de R$ 13 milhões. Hoje, com a nossa reformulação, é necessário R$ 823 mil. E com isso o programa se tornou mais atrativo.
Isso é o que eu prego de interiorização da política. Nós conquistamos esse orçamento e vamos espalhar o programa para cidades que não registravam unidades. Até o final de julho, iniciaremos o projeto de 10 casas. Duas são em capitais, Cuiabá e Manaus, e o restante em municípios do interior – Uberaba (MG), Japeri (RJ), São Raimundo Nonato (PI), Cidade Ocidental (GO), São Sebastião (DF), Recanto das Emas (DF), Sobradinho II (DF) e Sol Nascente (DF).
R7 — O programa foi lançado na gestão de Dilma Rousseff (PT). Quais são as principais diferenças entre o programa de antes com o de hoje, comandando pela senhora?
Cristiane — A redução de gastos, sem dúvida, é a nossa maior diferença. E é isso que possibilita a distribuição de unidades do programa por diversas cidades do interior do Brasil. Uma casa levaria cerca de dois anos para ser construída. Hoje esse tempo é medido em um ano. A celeridade, então, é a nossa marca. Ter celeridade na política pública para que chegue em todas as mulheres.
R7 — O aumento do orçamento tem relação com o aumento do número de casos de feminicídio? Foi apenas uma decisão acertada com um timing perfeito? Cristiane — A gente já vinha construindo desde o ano passado esse aumento de orçamento, então não acredito que tenha relação. Acredito também que passou pela sensibilização dos próprios parlamentares em relação a pauta. Antigamente, isso era restrito a bancada feminina, por exemplo. Hoje, acho eu, que o parlamento está mais sensível como um todo. E, claro, a cobrança da sociedade. Nós somos o quinto país que mais mata mulheres no mundo e isso é inaceitável.
R7 — A Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, juntamente com a Associação Visibilidade Feminina, lançou uma cartilha para ajudar mulheres interessadas em se candidatar nas eleições municipais de 2020. A senhora é especialista em direito eleitoral e integra o Observatório Eleitoral Pesquisa de Liderança Feminina na Política. Como você vê esses movimentos? O que a Secretaria da Mulher tem feito nesse sentido?
Cristiane — Eu inclusive participei do lançamento dessa cartilha porque é um tema caro. Ainda mais este 2020, ano eleitoral. E nós estamos também com um projeto que fomenta mais mulheres na política.
Um dado alarmante é de que 1.290 municípios não possuem mulheres no Legislativo. Nas eleições de 2016, 11,6% das prefeituras tiveram mulheres eleitas. Então, nosso objetivo é aumentar o número de candidaturas de mulheres vereadoras.
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R7 — A nova regra obriga, a partir deste ano, que cada partido tenha, de forma independente, ao menos 30% de nomes femininos nas urnas. A senhora concorda?
Cristiane — Eu concordo com a política afirmativa, mas não por tempo indeterminado. Isso é necessário por pelos menos um período até o momento em que tenhamos um equilíbrio.
E eu acredito que estamos no caminho certo. Estamos sentindo que os próprios jovens estão se disponibilizando para entrar na vida política — 51% das candidaturas femininas foram na faixa etária de 20 a 24 anos, por exemplo. Isso significa uma mudança comportamental e é animador.
R7 — E há conversas nesse sentido com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral)?
Cristiane — Nós tivemos diversas conversas sobre o tema até o início desse ano, com a gestão da ministra Rosa Weber. Agora, com a posse do ministro Luís Roberto Barroso, infelizmente não tivemos contato, mas devido à pandemia. O objetivo é retomar essas conversas em breve com a nova gestão do TSE para tornar nosso objetivo possível.
R7 — A senhora também fala sobre a violência contra a mulher na política.
Cristiane — Pouco se fala sobre esse assunto, que é uma realidade que ocorre principalmente nas eleições municipais. Nós vemos candidatas às prefeituras e câmaras municipais sofrerem discriminação ao longo da campanha.
E a violência se dá antes mesmo de entrar para o cargo público e também no exercício de seu mandato. A candidatura laranja, por exemplo, é uma violência contra a mulher. É um obstáculo que se cria, que se deturpa, e impede uma mulher de ocupar, de fato, aquela cadeira.
Um dado que também revela a violência contra a mulher na política é o fato de não existir, até 2016, um banheiro feminino no plenário do Senado. Isso transmite a mensagem de que isso não é para a mulher, que não é bem-vinda. E isso não podemos aceitar.
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R7 — O plano nacional de combate ao feminicídio. Em qual fase está? O que falta para ser lançado?
Cristiane — Em determinados estados é complicado falar para a mulher para fazer a denúncia, quando ela está preocupada com o prato de comida na mesa, com a saúde do filho. Nós vamos lançar o Plano Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio até novembro. O objetivo principal é fortalecer a rede. De que forma? Capacitar os gestores municipais e estaduais, por exemplo. Isso faz uma enorme diferença porque é investimento na ponta. E isso vai refletir diretamente no atendimento da vítima: mais humanizado, tipificação do crime, e pensando também na condição econômica dessas mulheres.
R7 — A senhora tem pretensões de ir para o Legislativo? A senhora vai se candidatar nesta eleição?
Cristiane — Não. Ainda é muito cedo para falar disso. O meu compromisso é trabalhar para as mulheres de todo o Brasil, mas na Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres.