Investigação que apurou vazamento de dados indica envolvimento da jornalista, de um empresário, dois advogados e dois escrivães da polícia
A jornalista Andrea Neves, irmã do deputado federal Aécio Neves (PSDB), foi indiciada pela Polícia Federal, nesta quarta-feira (10), por obstrução de Justiça. Segundo a corporação, investigadores encontraram documetnos sigilosos da Justiça na casa dela. Entre eles, um interrogatório do empresário Joesley Batista, dono da J&F.
Além da irmã do político mineiro, outras cinco pessoas foram indiciadas no âmbito da Operação Escobar por corrupção passiva, organização criminosa.
Desencadeada em junho do ano passado, a Escobar teve como foco principal o suposto esquema de vazamentos de inquéritos sigilosos armazenados na sede da corporação na capital, mas acabou descobrindo indícios de desvios de dinheiro do Cruzeiro.
Segundo a investigação, durante uma busca da PF na residência de Andrea Neves, em Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte, foram encontradas várias cópias de inquéritos que tramitam em segredo de Justiça. Entre eles, um interrogatório do empresário Joesley Batista, dono da J&F, e principal delator de Aécio na Lava Jato.
Andrea foi enquadrada na Operação Escobar por embaraçar investigação de infração penal que envolva organização criminosa. Dois escrivães da PF, dois advogados e um empresário do setor varejista estão entre os outros indiciados pela Escobar, que foi conduzida pelo delegado Rodrigo Morais Fernandes.
Gravidade e estranheza
Para a PF, o fato de ter encontrado documentos reservados na casa de Andrea causou estranheza e demonstrou gravidade pois nem ela e nem Aécio foram investigados pela Capitu. Dessa forma, não poderiam ter acesso aos documentos, mesmo que tivessem sido obtidos por advogados cadastrados legalmente. Ainda segundo a investigação, as cópias encontradas na casa de Andrea não estavam assinadas ou numeradas, ou seja, não foram retiradas do processo, o que significa que teriam sido acessadas no computador da polícia.
Segundo a investigação, quem acessou o depoimento de Joesley Batista foi o escrivão da PF, Márcio Antônio Camillozzi Marra, que teve prisão preventivamente decretada pela Justiça e depois foi solto. Marra foi nomeado conselheiro do Cruzeiro Esporte Clube pelo advogado Ildeu da Cunha Pereira, que também foi indiciado pela Escobar. O cargo no Cruzeiro seria uma compensação pelos vazamentos ilegais.
Ildeu morreu em fevereiro deste ano vítima de um infarto. O caso relativo ao Cruzeiro foi encaminhado pela PF para a Polícia Civil dar prosseguimento as investigações tendo em vista que não foi encontrado indícios de crimes contra a União. De acordo com a PF, Ildeu vazou documentos da Operação Capitu para o empresário Pedro Lourenço, dono do Supermercados BH, que também foi indiciado pela Escobar.
Desencadeada em 2018, a Capitu desarticulou um suposto esquema de desvios de verbas no Ministério da Agricultura durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Na época, Joesley e o ex-vice-governador de Minas Antônio Andrade (MDB) foram presos.
De acordo com o inquérito conclusivo da Escobar, Andrea obteve as informações privilegiadas pelo advogado Carlos Alberto Arges, que também foi indiciado, com o propósito propósito de impedir ou embaraçar apurações que envolviam a organização criminosa sob investigação da Capitu, bem como outras que tangenciavam seus interesses e de Aécio.
Outro lado
Procurada, a defesa da jornalista Andrea Neves classificou a conclusão da investigação como "precipitada". Sobre as acusações de acesso a documentos sigilosos, a irmã de Aécio alegou que os relatórios encontrados na casa dela já haviam sido "amplamente divulgados pela imprensa". A reportagem procurou os demais indiciados na ação, mas aguarda retorno.
Veja a íntegra da nota de Andrea Neves:
"A defesa de Andrea Neves manifesta a sua perplexidade com a finalização precipitada da investigação feita pela autoridade policial que contraria, inclusive, as provas obtidas no próprio inquérito.
Andrea Neves foi chamada a prestar depoimento em julho do ano passado, tendo ficado acertado que prestaria seus esclarecimentos assim que, como determina a Lei, tivesse acesso à integralidade dos documentos relacionados à investigação. Essa nova intimação jamais ocorreu.
As investigações demonstram que Andrea nunca solicitou qualquer documento a quem quer que seja e nunca teve contato com qualquer agente público. Os documentos que se encontravam em sua residência já tinham o seu conteúdo amplamente divulgado pela imprensa, sendo, portanto, estapafúrdia a hipótese de que poderiam ser usados para qualquer ato de obstrução de justiça.
É preocupante que a autoridade policial faça uma ilação dessa gravidade sem apontar qualquer ato praticado por Andrea que pudesse ser interpretado como obstrução de justiça.
No mais, registre-se a ironia de que um inquérito instaurado para apurar vazamento tenha tido a sua conclusão vazada antes que as partes pudessem ter conhecimento de seu conteúdo."