Tribunal aponta falta de informações importantes em 55 contratos firmados com empresas de tecnologia; juntos, eles somam R$ 500 milhões
Uma força-tarefa do Tribunal de Contas da União (TCU) encontrou indícios de fraudes em 55 contratos firmados pelo governo federal com empresas de tecnologia da informação desde 2017. Juntos, os acordos custaram R$ 500 milhões.
Entre as irregularidades detectadas pelo grupo estão falta de justificativa para as contratações e ausência de detalhamento do serviço que seria prestado pela empresa, o que levou os auditores a apontar um potencial risco de corrupção e desvio de dinheiro.
A investigação foi iniciada em 31 de julho do ano passado e envolve contratos em 11 ministérios, incluindo as pastas da Saúde, Cidadania, Educação, Economia e Infraestrutura, além de 17 órgãos do governo.
Nem todos os contratos foram fechados no governo Jair Bolsonaro, mas receberam aditivos ou foram mantidos em vigor pela atual gestão.
Do total apontado como suspeito de irregularidade, pelo menos R$ 100 milhões ainda estavam vigentes em março de 2020.
O TCU verificou que em nenhum dos 55 contratos era possível calcular o custo real dos serviços prestados, pois não houve justificativa técnica ou econômica para a contratação da empresa. Sem essas informações, os órgãos de controle não conseguem saber se os acordos atendem aos critérios mínimos de economicidade.
Outro problema constatado pelos auditores é que 83% dos contratos não tinham o detalhamento dos serviços para os quais determinada empresa foi contratada. Essa "fragilidade", na avaliação dos auditores, facilita o possível desvio de recursos.
Preços
Ainda segundo o TCU, 94% das contratações não possibilitaram avaliação da razoabilidade dos preços. "Ou seja, os preços praticados não tinham comparabilidade com a vida real", afirma trecho do relatório técnico do órgão.
Nos contratos objeto de apuração, os técnicos do TCU identificaram situações que eles consideraram como "exemplares" do mau uso do dinheiro público.
Um dos contratos, por exemplo, previa pagamento de R$ 423 pela substituição de um cabo de rede, R$ 879 pela instalação de um aparelho telefônico (apenas o serviço), R$ 1.242 pela liberação da ferramenta online WhatsApp Web (o que significa desbloquear o firewall da rede, serviço feito remotamente) e R$ 961 para cadastrar um usuário na rede. O custo total deste contrato era de R$ 32 milhões.
Os auditores propõem, agora, que o tribunal notifique o Ministério da Economia para que a pasta adote uma série de medidas, como a edição de normas de controle e portarias para evitar fraudes na área. Em caso de suspeitas de corrupção, as informações são repassadas à Polícia Federal.
Em nota, a secretaria de Governo Digital do Ministério da Economia afirmou que orienta os 220 órgãos do Sistema de Administração dos Recursos de Tecnologia da Informação (SISP) sobre diretrizes e práticas legais recomendáveis nas contratações da área de TI.
"Todos os órgãos da administração pública federal são autônomos para realizar contratações e gerir seus contratos administrativos, e estão submetidos à fiscalização dos órgãos de controle", diz o texto.
Procurados, Casa Civil e Palácio do Planalto não se manifestaram até a conclusão da edição desta sexta-feira (5) do jornal O Estado de S. Paulo.
Ministério da Saúde
Uma das contratações listadas pela força-tarefa do Tribunal de Contas da União (TCU) foi da Infortech Informática, feita pelo Ministério da Saúde no valor de R$ 8,6 milhões. O contrato havia sido firmado em 2018, na gestão de Michel Temer, mas quando foi renovado, já no governo de Jair Bolsonaro, levantou suspeitas de ter sido superfaturado.
Isso porque, 12 meses após ter sido contratada, a empresa apresentou um orçamento com a metade do preço pelos mesmo serviços. Além disso, na execução do contrato, foram assinadas duas ordens de serviço que, juntas, equivaliam a 99% dos R$ 8,6 milhões.
Chamou a atenção dos técnicos do TCU o fato de que o contrato deveria ser para a prestação de serviços por um ano, mas consumiu o valor total em apenas dois meses. "Carece de explicação acerca do que efetivamente ocorreu", diz o relatório.
Para os auditores do TCU, essa situação "pode indicar que não ocorreu a prestação dos serviços, ou que podem ter sido prestados em volume inferior ao volume atestado e pago, o que caracteriza superfaturamento de quantitativo". No relatório, eles apontam a necessidade de a própria pasta iniciar uma apuração sobre o caso.
O representante da Advocacia-Geral da União no Ministério da Saúde, por sua vez, recomendou que não houvesse renovação. Segundo seu parecer, não havia nos autos estudo que justificasse essa variação, o que "poderia representar a existência de superfaturamento dos valores inicialmente contratados".
Além disso, existia incerteza se o serviço era, de fato, tecnologia da informação.
O Ministério da Saúde informou que não houve a prorrogação, mas não respondeu se foi aberta investigação, conforme recomendado pela AGU.