A tendência do julgamento, de acordo com alguns ministros ouvidos pelo GLOBO, é que as investigações fiquem nas mãos das polícia, promotoria e Justiça fluminenses, ou seja, que a federalização não aconteça. Uma mudança de competência fará com que a apuração do crime passe para as mãos da Polícia Federal, do Ministério Público Federal (MPF) e da Justiça Federal
O julgamento da federalização do caso Marielle será nesta quarta-feira, oito meses após a ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge entrar com o pedido. A relatora do Incidente de Deslocamento de Competência (IDC, nome técnico da federalização), ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não há motivo para adiar o pleito, apesar de duas entidades de direitos humanos terem pedido a suspensão do julgamento. Na época em que Dodge entrou com o IDC, último dia dela no cargo, a então procuradora alegou que havia “inércia” na investigação dos homicídios da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes por parte da Polícia Civil e do Ministério Público do Rio (MPRJ). O crime ocorreu em 14 de março de 2018.
Laurita também seguiu firme na posição de manter a data do julgamento, apesar de alguns ministros, segundo fontes do STJ, terem a aconselhado esperar o fim da pandemia do novo coronavírus por temerem que a defesa dos acusados ou da própria família, dependendo da decisão, alegue a nulidade do que for decidido. A tendência do julgamento, de acordo com alguns ministros ouvidos pelo GLOBO, é que as investigações fiquem nas mãos das polícia, promotoria e Justiça fluminenses, ou seja, que a federalização não aconteça. Uma mudança de competência fará com que a apuração do crime passe para as mãos da Polícia Federal, do Ministério Público Federal (MPF) e da Justiça Federal.
O pedido de suspensão do julgamento foi feito pelo Instituto Marielle Franco e pela Coalizão Negra por Direitos, que também solicitaram entrar no processo como amicus curiae, jargão jurídico que significa “amigo da corte”. Trata-se de uma entidade estranha à causa, mas que pede para auxiliar o tribunal com informações que possam ajudar no processo. A relatora indeferiu a suspensão, mas permitiu que as duas entidades tivessem acesso ao caso. A decisão foi publicada na última sexta-feira.
Em certo trecho da sentença, Laurita expôs: “em deferência à laboriosa atividade desenvolvida pelos institutos requerentes — um deles, inclusive, por ostentar o nome da vítima do terrível homicídio que é o cerne da discussão travada neste Incidente —, em caráter excepcional, admiti seus ingressos na condição de amicus curiae, mesmo dias antes de o julgamento ser realizado. A rigor, nem seria o caso de aceitar seu suposto auxílio, porque não haveria, a essa altura do processo, nada que os requerentes pudessem contribuir para a apreciação da causa, porquanto já sobejamente instruídos os autos”.
A advogada Marinete da Silva, mãe de Marielle, responsável pelo instituto junto com a filha Anielle Franco, presidente da instituição, explicou que, ao entrarem com o pedido de suspensão, tinham como objetivo dar visibilidade à campanha na internet contra a federalização do crime, iniciada na semana passada:
—Foi uma estratégia para ganhar tempo para conseguirmos mais apoio à campanha, mas já sabíamos que a ministra Laurita, muito conservadora e rígida, não aceitaria que o julgamento fosse adiado. De qualquer forma, Anielle e eu estamos felizes com o fato de as pessoas estarem aderindo ao movimento. O processo é longo, são muito volumes. Uma mudança agora de mãos só atrapalharia, alongando mais o nosso sofrimento. Confiamos no trabalho do MP do Rio. A Polícia Civil também está empenhada — disse Marinete.
Segundo a mãe da vítima, desde que o Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPRJ entrou nas investigações, os rumos do caso mudaram.
—Não temos nada contra o Ministério Público Federal. É um órgão sério, mas temos acompanhado os passos das investigações e sabemos que está em boas mãos. A doutora Simone Sibílio (coordenadora do Gaeco) é muito séria, nos coloca a par de tudo. Quando elas (promotoras) chegaram naquele homem (o acusado Ronnie Lessa), vimos que há alguém por trás da morte da minha filha. Não acreditamos em crime de ódio, como já tentaram dizer. Por isso, o caso tem que ficar no Rio, pois tanto as promotoras como a Polícia Civil já têm linhas de investigação a seguir. Não tem ninguém parado —defendeu a mãe de Marielle. —Não tem um dia que eu não chore. É muito triste ver uma filha, que lutava pelos direitos de todos morrer da forma que ela morreu.
Decisão será de colegiado
O colegiado que decidirá a questão é formado por dez ministros, mas o presidente da seção, Nefi Cordeiro, não vota. A relatora, Laurita Vaz, não antecipou seu voto. O ponto central do julgamento, explicou um ministro, é técnico: avaliar e decidir se a Polícia Civil é, ou não, inerte, e se a investigação não se desenvolveu por falta de estrutura. As autoridades estaduais argumentam que não existiu inércia na apuração. Tanto o Gaeco do MP do Rio quanto a Delegacia de Homicídios da Capital justificam que houve profissionalismo por parte dos autores da execução da vereadora e do motorista, pois praticamente não deixaram rastros. Segundo os investigadores, a autoria do crime é do sargento reformado da PM Ronnie Lessa e do ex-PM Élcio de Queiroz, presos desde o ano passado.
Ao ajuizar o IDC, Raquel Dodge argumentou que, após mais de um ano do assassinato da parlamentar e do motorista, os investigadores não haviam chegado aos mandantes ou motivo do crime. Dodge chegou a dizer que “eventual fracasso da persecução criminal do mandante importaria a responsabilização internacional do Estado brasileiro”.