Dezoito governadores se negam a afrouxar isolamento; Bolsonaro fala em acionar AGU
A maioria dos governadores vai ignorar o decreto do presidente Jair Bolsonaro, que incluiu academias, salões de beleza e barbearias entre as atividades consideradas essenciais e, portanto, autorizadas a funcionar. Levantamento feito pelo Estadão aponta que ao menos 18 governadores, metade deles no Nordeste, optaram por não aderir à decisão e continuar seguindo diretrizes estabelecidas pelas secretarias estaduais. Outros quatro Estados estão com os serviços liberados. Em São Paulo, epicentro da pandemia pela covid-19 no País, a gestão João Doria (PSDB) diz que ainda estuda a medida.
Em reação, Bolsonaro publicou mensagem nas redes sociais na qual afirma que contrariar o decreto presidencial é o "pior caminho", que faz aflorar o "autoritarismo". O presidente afirmou ainda que a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério da Justiça podem agir caso governadores não queiram cumprir o decreto.
Contrário a intensificar o isolamento social para conter o avanço do novo coronavírus, Bolsonaro assinou o decreto na segunda-feira, 11, sob argumento de que as atividades estariam relacionadas à saúde. Na ocasião, o País havia atingido o patamar de 168,3 mil casos confirmados e 11,5 mil mortos pela covid-19 - o número de óbitos passou de 12,4 mil na terça-feira, 12. O decreto pegou de surpresa até o ministro da Saúde, Nelson Teich, que não foi consultado.
O efeito do decreto não é automático. Conforme decisão do Supremo Tribunal Federal, governadores e prefeitos podem definir as medidas que consideram necessárias, em seus respectivas esferas, para conter a doença.
A maior oposição ao decreto vem da região Nordeste, onde todos os nove governadores se manifestaram contra - os demais são os do Rio, Amazonas, Pará, Rondônia, Amapá, Acre, Goiás e Paraná, além do Distrito Federal. Em geral, o argumento é que os Estados já enfrentam aumento da curva epidêmica e que flexibilizar medidas de isolamento social, neste momento, pode aumentar ainda mais no número de casos.
Estados
"Eu fui desde o início nisso (pelo isolamento) e vou até o final, nem que eu tenha que me afundar politicamente", disse ontem governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). "Até tinha vontade de fazer (liberação de novas atividades), mas meus técnicos não indicam, eles não recomendam pelo risco de contaminação."
Considerado um dos principais adversários políticos de Bolsonaro e enfrentando aumento de mortes pela covid-19, o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), descartou adesão ao decreto. "Não há nenhum sinal de que as medidas restritivas sejam flexibilizadas. Estimular empreendedores a reabrir estabelecimentos é uma irresponsabilidade", afirmou em mensagem no Twitter. "Bolsonaro caminha para o precipício e quer levar com ele todos nós." Mesmo na capital, o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), aliado do presidente, decretou "semi-lockdown", como sua administração chama os bloqueios parciais na cidade, com proibição de tráfego de pessoas e de veículos.
Com o sistema de saúde em colapso, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), estuda, em vez de relaxar, intensificar ainda mais as restrições. "Até o momento, as medidas para enfrentamento da pandemia estão mantidas", disse em nota.
Helder Barbalho (MDB), do Pará, usou o Twitter para declarar oposição à medida. "Essas atividades permanecerão fechadas", disse. Em Rondônia, a gestão Coronel Marcos Rocha (PSL) informou, por nota, que pretende ampliar o distanciamento social. Já Gladson Cameli (PP), do Acre, usou canais oficiais para declarar que estuda endurecer ainda mais as medidas já adotadas.
"Esse ato em nada altera o atual decreto estadual em vigor", afirmou Camilo Santana (PT), do Ceará, cuja capital Fortaleza está em "lockdown" (isolamento total). Em Pernambuco, Paulo Câmara (PSB) disse que "tem seguido a ciência". "Nosso objetivo é salvar vidas, não podemos aceitar nenhuma atitude que as coloque em risco", disse. No Estado, a capital Recife e outras quatro cidades também estão sob bloqueio.
O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB) ironizou a medida: "O próximo decreto de Bolsonaro vai determinar que passeio de jet-ski é atividade essencial ?". São Luís foi a primeira capital fechada no País por causa do coronavírus.
Rui Costa (PT), da Bahia, disse que iria "ignorar as diretrizes do governo federal" e que as "medidas restritivas serão mantidas respeitando critérios científicos reconhecidos mundialmente".
Renan Filho (MDB), de Alagoas, Wellington Dias (PT), do Piauí, Belivaldo Chagas (PSD), de Sergipe, Fátima Bezerra (PT), do Rio Grande do Norte, e João Azevêdo (Cidadania), da Paraíba, também afirmaram que irão manter as regras locais. Com decreto para endurecer o isolamento social em cerca de 30 cidades, Goiás também não vai seguir a decisão de Bolsonaro. A informação foi confirmada com a assessoria do governador Ronaldo Caiado (DEM).
No Paraná, a gestão Ratinho Júnior (PSD) diz, em nota, que "a Secretaria de Estado da Saúde é que vai deliberar sobre o funcionamento de serviços essenciais e não essenciais". Ainda segundo o comunicado, contudo, "uma comissão estadual, formada por especialistas em saúde, está avaliando a possibilidade de reabertura de atividades econômicas".
Estado com maior número de casos confirmados de covid-19 no País, São Paulo ainda não decidiu qual será a reação diante do novo decreto. "Marcamos uma reunião a respeito disso e a decisão do Estado de São Paulo será colocada amanhã (hoje) pelo governador", disse o secretário Estadual de Saúde, José Henrique Germann.
Em Minas, o governador Romeu Zema (Novo) delegou aos prefeitos a decisão de aderir à medida de acordo com o cenário de cada cidade. "O decreto f não altera a autonomia de gestão dos municípios", declarou. Determinação semelhante foi dada no Tocantins e Roraima
Adesão
Já os governadores do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Espírito Santo e Mato Grosso declararam que as atividades citadas no decreto já são permitidas nos Estados. Em alguns locais, há protocolos específicos de segurança para evitar infecção por coronavírus.
"No nosso caso, nada muda na medida em que temos já previsto no nosso sistema que essas atividades podem funcionar, dentro de regra", afirmou Eduardo Leite (PSDB), do Rio Grande do Sul, ao comentar a decisão de Bolsonaro em live realizada ontem.