A divulgação do teor do depoimento dado por Sergio Moro trouxe à tona detalhes do que ele classificou, ao se demitir do Ministério da Justiça, como tentativas de interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal — principalmente na Superintendência do Rio de Janeiro. O ex-juiz da Lava-Jato foi ouvido a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, dentro do inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) para averiguar as denúncias feitas por ele quando deixou o governo, em 24 de abril.
No entanto, um hábito adquirido pelo ex-ministro desde o ano passado pode dificultar a comprovação de parte do seu relato. Moro revelou que criou uma rotina de apagar periodicamente todas as mensagens do seu celular depois que foi alvo de hackers — trocas de mensagens entre integrantes da força-tarefa da Lava-Jato no aplicativo Telegram foram divulgadas e viraram uma série de matérias do site “The Intercept”. Trecho do depoimento prestado no último sábado pelo ex-juiz à PF diz que: “O Declarante (Moro) também esclarece que tem só algumas mensagens trocadas com o Presidente, e mesmo, com outras pessoas, já que teve em 2019 suas mensagens interceptadas ilegalmente por HACKERS, motivo pelo qual passou a apagá-las periodicamente; que o Declarante esclarece que apagava as mensagens não por ilicitude, mas para resguadar, privacidade e mesmo informações relevantes sobre a atividade que exercia, inclusive questões de interesse nacional”.
Moro afirmou em seu depoimento que recebeu mensagem de celular de Bolsonaro na qual o presidente teria dito expressamente que “queria” a Superintendência do Rio, sem explicar seus interesses específicos nesse cargo. “Recebeu mensagem pelo aplicativo de WhatsApp do Presidente da República, solicitando, novamente, a substituição do Superintendente do Rio de Janeiro, agora Carlos Henrique; que a mensagem tinha, mais ou menos, o seguinte teor: ‘Moro, você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro’”, diz a transcrição do depoimento, divulgada ontem.
Apesar de Moro ter dado seu telefone celular para a PF fazer cópia das conversas, fontes da perícia apontam que esse diálogo era antigo e ainda não foi localizado. No longo depoimento, transcrito em dez páginas, o ex-ministro detalhou as pressões feitas pelo presidente para trocar cargos na corporação desde agosto de 2019, que incluíam mudar o superintendente do Rio e demitir o então diretor-geral Maurício Valeixo — que acabou sendo exonerado no último dia 24, o que levou o ex-ministro a deixar o governo.
Uma das primeiras medidas do novo diretor-geral da PF, Rolando Alexandre de Souza, nomeado segunda-feira (4) foi chamar o superintendente do Rio, Carlos Henrique Oliveira, para ser diretor-executivo em Brasília — ainda não foi divulgado quem irá substitui-lo. A Procuradoria-Geral da República (PGR) decidiu nesta terça-feira investigar se há motivos indevidos para a troca no Rio. O caso será analisado no mesmo inquérito aberto no STF para o qual Moro deu depoimento.