Heleno disse que Bolsonaro (sem partido) está sofrendo uma pressão do Congresso e "não pode ficar acuado"
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), pretende pautar para a primeira sessão da Casa após o Carnaval, em 3 de março, requerimento de convocação apresentado pelo líder do PT, Rogério Carvalho (SE), para que o ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, esclareça a declaração em que acusou o Congresso de chantagear o governo.
A aprovação do requerimento para que o ministro vá se explicar no plenário do Senado é por maioria simples –maioria dos presentes– e mesmo quem concorda com o que disse Heleno entende que ele não poderia ter se expressado publicamente daquela forma, pois agravou a já capenga relação entre o governo e o Congresso.
O chefe do GSI considera inadmissível o que qualifica de chantagens do Legislativo para avançar sobre o dinheiro do Executivo: "Não podemos aceitar esses caras chantageando a gente. Foda-se."
Heleno defendeu que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deixasse claro à população que está sofrendo uma pressão e "não pode ficar acuado".
A fala de Heleno foi captada em transmissão ao vivo da presidência da República em cerimônia de hasteamento da bandeira no Palácio do Planalto, na manhã de terça-feira (18).
Na quarta (19), com a divulgação da declaração pela imprensa, a irritação no Congresso foi generalizada."É necessário que o ministro do GSI compareça ao Senado Federal para informar quem são os parlamentares, bancadas, blocos e partidos que estão fazendo tão grave extorsão, bem como no que consiste essa 'chantagem de alguns parlamentares o tempo todo'. Afinal, há enormes diferenças entre a pressão política derivada diretamente dos freios e contrapesos de um regime democrático que adota a divisão independente e harmônica entre os Poderes e o nefasto ato de chantagear", argumenta o autor do requerimento.
Geralmente de posicionamento mais governista, Davi Alcolumbre não escondeu seu aborrecimento com a declaração de Heleno. Ao tomar conhecimento do que havia dito o ministro, repetiu que "isso é inacreditável" e relatou a pessoas próximas que se sentiu ofendido.
Publicamente, manifestou-se por uma nota em que dizia que "nenhum ataque à democracia será tolerado pelo Parlamento. O momento, mais do que nunca, é de defesa da democracia, independência e harmonia dos Poderes para trabalhar pelo país. O Congresso Nacional seguirá cumprindo com as suas obrigações".Nos bastidores, telefonou imediatamente para os líderes do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), e no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO). Procurou também o general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, e o próprio Bolsonaro.
Alguns senadores tentaram fazer uma ponte para que Alcolumbre e Heleno conversassem, mas o presidente do Senado se recusou, argumentando que, se a ofensa foi pública, o pedido de desculpas também deveria ser.
Pessoas próximas a Alcolumbre disseram que o senador foi procurado por Bolsonaro nesta quinta, mas não quis conversar com o chefe do Executivo.
Reservadamente, pessoas próximas a Bolsonaro defendem que o general faça uma retratação, mas dizem entender que a iniciativa tem que partir dele.
Como Heleno não voltou atrás da declaração, Alcolumbre está disposto a convocá-lo ao Senado.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), demonstrou sua irritação publicamente na quarta-feira.Após qualificar a frase do ministro como "infeliz", afirmou que Heleno estava falando como um "jovem, um estudante, no auge da sua idade, da sua juventude".
"Uma pena que um ministro com tantos títulos tenha se transformado num radical ideológico contra a democracia, contra o Parlamento. É muito triste", afirmou.
O presidente da Câmara também alfinetou Heleno e disse não ter visto nenhum ataque ao Congresso quando os parlamentares estavam "votando o aumento do salário dele como militar da reserva".
A nova crise entre o Palácio do Planalto e o Congresso tem como pano de fundo a divisão do dinheiro dentro do chamado Orçamento impositivo.
Pessoas próximas ao presidente Jair Bolsonaro chegaram a chamar de "golpe do parlamentarismo branco" a insistência dos congressistas em ficar com a gestão de R$ 30 bilhões do total de R$ 80 bilhões do Orçamento que, pelas projeções, está livre para ser gasto em 2020.
O governo ficaria sem controle de quase metade dos recursos disponíveis, e também do cronograma de gastos dessa fatia. Ao perder a gestão dessa parcela expressiva do Orçamento, haveria brecha para dois problemas: ser pressionado pelo Congresso a gastar quando não pode ou ser obrigado a negociar a liberação do dinheiro, o que politicamente deixaria o governo Bolsonaro ainda mais frágil diante do Legislativo.
"O Heleno disse absolutamente a verdade. Simplesmente não poderia dizê-lo. Por falta de articulação política, o governo se tornou refém do Congresso e, muitas vezes, é, sim, extorquido. Mas é lógico que isso piora a relação com o Legislativo", disse o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP).
PSL, Rede e Podemos não aceitam o acordo que o governo vem costurando com o Congresso e prometem obstruir a próxima tentativa de votação das alterações no Orçamento impositivo.
Interlocutores do Palácio do Planalto querem tentar votar os vetos de Bolsonaro ao Orçamento 2020 logo após o Carnaval e apostam no feriadão prolongado para esfriar a temperatura e fazer o acordo costurado com a cúpula do Congresso ser posto em prática.