O Palácio do Planalto afirmou que não comenta sobre o possível uso do cartão corporativo para pagamento da cirurgia estética da primeira-dama Michelle Bolsonaro, informação que circula nas redes sociais. No início do ano, ela se submeteu a um procedimento cirúrgico para troca das próteses de silicone dos seios e correção do músculo do abdômen, em um hospital de luxo de Brasília.
Fato é que as despesas da Presidência da República com cartão corporativo em 2019 aumentaram 22% em relação ao ano anterior. Na comparação com 2017, esse crescimento é de 28%. Segundo dados do Portal da Transparência, a Presidência gastou cerca de R$ 14,9 milhões no ano passado.
O Portal da Transparência só mostra os dados a partir de 2013. O recorde de gastos é da ex-presidente Dilma Roussef (PT), que gastou cerca de R$ 20 milhões, em 2014. O de 2019 é o segundo maior.
No entanto, as despesas da Presidência pagas com o cartão não estão disponíveis no portal, apenas os valores totais são abertos. O Planalto alega que os gastos são sigilosos.
Mas decisão do Supremo Tribunal Federal, em novembro, derrubou o artigo 86 do decreto-lei 200/67, segundo o qual a movimentação dos créditos destinados à realização de despesas reservadas ou confidenciais do presidente ou de ministro deveria ser feita sigilosamente.
O Planalto foi notificado de que deveria começar a expor seus dados, mas disse que não vai torná-los públicos, alegando que se baseia na Lei de Acesso à Informação (LAI). Pelo artigo 24 da LAI, o governo pode classificar suas informações como ultrassecreta, secreta ou reservada, de acordo com os riscos que elas representem à segurança da sociedade ou do Estado.
Com esse pretexto, o governo consegue preservar todas as informações que possam, na sua avaliação, ameaçar a segurança do presidente, do vice-presidente e familiares.
O que pode ser pago com o cartão corporativo?
Criado em 2002, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o cartão corporativo tem como função facilitar o pagamento de despesas pontuais e/ou de gastos que devem ser pagos no ato da compra, como os realizados durante as viagens. Podem ser usados nos seguintes casos: pequenas despesas, despesas eventuais e de caráter sigiloso.
Outros órgãos da administração pública também contam com esse meio de pagamento, a diferença é que a maioria das despesas estão disponíveis no Portal da Transparência, com exceção de alguns órgãos, como o Ministério da Justiça, que abriga a Polícia Federal. A maior parte das compras é de passagem área.
O uso dos cartões corporativos pelo governo federal é regulamentado pelo Decreto n 5.5355/2005. Em 2008, após suspeitas de gastos irregulares, o governo publicou um novo decreto com o objetivo de limitar o uso dos cartões e evitar abusos. Uma das críticas na época era, em especial, pela possibilidade de saques em dinheiro.
A partir da nova norma, a modalidade de saque com o cartão passou a ser permitida apenas em alguns casos, como despesas de pequeno valor e referentes a viagens ao interior do país, por exemplo, para pagamento de pedágio.
Fiscalização
A Controladoria-Geral da União (CGU), órgão responsável pela defesa do patrimônio público, transparência e combate à corrupção, garante que os gastos são fiscalizados, sem explicar como é feito nos casos de sigilo.
A “caixa-preta” dos cartões corporativos, como é chamada, tem sido motivo de preocupação de parlamentares. Em outubro, o vice-líder do PSB na Câmara, deputado Elias Vaz (GO), pediu uma auditoria na movimentação financeira presidencial, alegando que a maior parte das informações deveria se tornar pública.
“Isso é contra tudo aquilo que o presidente pregou. Ele está sendo extremamente incoerente”, afirmou Vaz, que apresentou requerimento à Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara solicitando “ato de fiscalização e controle, com o auxílio do Tribunal de Contas da União, na Presidência”.
Seu pedido foi engavetado pelo deputado Léo Motta (PSL-MG), presidente da comissão e aliado de Bolsonaro.
Em 2018, o Senado aprovou um projeto de lei que previa novas regras para acesso e utilização do cartão corporativo. Um dos pontos da proposta impunha um teto de gastos e outro proibia saques em dinheiro com o cartão, salvo para órgãos submetidos ao Regime Especial de Execução.
O projeto foi encaminhado para a Câmara e engavetado pela Mesa Diretora, presidida pelo deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Escândalos
Desde que passaram a ser usados em 2002, os cartões corporativos foram motivo de diversos escândalos envolvendo integrantes do governo.
Em 2008, durante o governo Lula, a oposição instalou uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar gastos irregulares com o cartão. Na época, pediram o indiciamento de sete ministros por improbidade administrativa em consequência do mau uso dos cartões.
O texto pedia também o indiciamento da então ministra da Casa Civil Dilma Roussef e de outros servidores do ministério por violação de sigilo funcional e improbidade administrativa por ter vazado um dossiê com gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
A CPI acabou em “pizza”. Mas o Ministério Público Federal do Distrito Federal acusou a ex-ministra da Igualdade Racial Matilde Ribeiro por improbidade administrativa e pediu a devolução de R$ 160 mil aos cofres públicos pelos gastos indevidos.