Tom racista das críticas à duquesa de Sussex inclui comentários como "de escravos das fazendas de algodão à realeza via a liberdade conquistada com a Guerra Civil americana"
Quando o príncipe Harry e Meghan anunciaram esta semana que deixariam suas tarefas na realeza e passariam mais tempo na América do Norte, muitos residentes no Reino Unido pertencentes à minorias disseram que sentiram alívio. Muitos disseram em entrevista que, finalmente, o casal poderá escapar dos abusos, muitos deles raciais, direcionados a eles pela imprensa britânica, particularmente pelos tablóides sensacionalistas do país.
— Graças a Deus eles estão livres — diz Sanaa Edness, erguendo os braços para o céu enquanto caminhava por Fordham Park, no sudeste de Londres. — Ninguém deveria toleraro bullying e o comportamento abusivo por causa de sua cor de pele. Tudo isso é sobre a raça dela. Eu sei disso porque, como uma mulher caribenha que não cresceu aqui, já experimentei isso.
Mas a história não deveria terminar assim.
Quando um bispo afro-americano falou e um coral gospel cantou na cerimônia de casamento de Harry e Meghan no Castelo de Windsor, em maio de 2018, foi aberto um precedente para que as pessoas negras do Reino Unido, que até então se sentiam excluídas da cultura e das tradições profundamente brancas da monarquia britânica.
Jovens mulheres negras com nenhum interesse em particular na família real ficaram de frente para a TV com alegria enquanto a bela e birracial atriz americana caminhava pela capela de São Jorge e se tornava a duquesa de Sussex. Elas esperavam que a uniam de Meghan com o príncipe popular fosse marcar uma nova era para a família real, que fosse baseada em valores mais frescos e com os quais pudessem se relacionar.
Mas, mesmo antes do casamento, Meghan já estava sobre ataques frequentes dos tablóides, levando Harry a divulgar um comunicado condenando o "tom racial" dos artigos de opinião e das matérias vinculadas pelos tablóides.
A duquesa foi personagem de histórias racistas e sexistas com referências ao seu "DNA exótico" e descrições da história de sua família com frases como "de escravos das fazendas de algodão à realeza via a liberdade conquistada com a Guerra Civil americana".
Com o casamento, Meghan entrou oficialmente para a família real, e os tabloides a apresentaram como a megera que grita com sua equipe e que fez Kate Middleton, a duquesa de Cambridge, chorar. Alguns títulos se referiam a Meghan como "o furacão Meghan" e a "a duquesa difícil".
— Eles queriam mostrá-la como a mulher negra raivosa, como um espinho contrário à doce rosa da Inglaterra que é Kate — afirma Sanaa Edness.
Em uma rara entrevista à TV, para o canal ITV em outubro, a duquesa admitiu sua luta e dificuldades e que seus amigos a avisaram que, se ela se casasse com Harry, os tabloides britânicos "destruiriam sua vida".
Os tabloides negam que sua cobertura tenha uma tendência racista, dizendo ter o direito de investigar o casal quando eles são mantidos por dinheiro público.
— A maior parte da mídia ignora por completo o fator racismo que claramente teve um papel grande na decisão do casal — diz Nadine Batchelor-Hunt, ex-presidente da campanha de pessoas negras e minorias étnicas na Universidade de Cambridge. — Fala-se mais sobre racismo nos Estados Unidos. As pessoas são mais conscientes dele, enquanto aqui, a comunidade negra é muito menor, não costuma ser tratada como um assunto significativo.
No último censo britânico, em 2011, residentes negros correspondiam a apenas 3% da população britânica, e os brancos a 87%, o restante correspondia a minorias étnicas. Nos Estados Unidos, pessoas brancas nã0-hispânicas eram 60,4% da população em 2019; os negros eram 13,4%.
Batchelor-Hunt também aponta que os comentaristas especializados em realeza são brancos em sua maioria:
— Muitos deles não sabem quando estão sendo racistas e como os seus comentários são amplificados pelas mídias sociais.
Em um artigo publicado no "New York Times", Afua Hirsch, autora de "Brit(ish): On Race, Identity and Belonging” ("Britânico: sobre raça, identidade e pertencimento", em tradução livre), observa a relação entre a cobertura feita pelos tabloides da vida da duquesa e a cultura de classes britânica.
Raça e privilégio na rígida sociedade britânica
"Na rígida sociedade britânica, ainda existe uma profunda correlação entre privilégio e raça. As poucas pessoas de cor — um número ainda menos se você contar apenas as que têm herança africana — que conquistam sucesso e prosperidade costumam ouvir que devemos ser "gratos" ou deixar o país se não gostarmos dele.
Em entrevistas com populares no Reino Unido fala-se muito sobre o pouco apoio que Meghan teve de membros seniores da família real. Muitos dizem terem assistido com espanto o Palácio de Buckingham divulgar vários comunicados em defesa do príncipe Andrew, envolvido em um escândalo de tráfico de menores para fins sexuais, mas se mantendo em silêncio sobre os ataques sistemáticos sofridos pela duquesa.
— Ela não teve o apoio que precisava da família real — diz Carol Lengolo, mãe de duas crianças e fã da monarquia, que vive no sudeste de Londres mas cresceu na África do Sul. — Você nunca os vê falando sobre racismo, ficando ao lado dela e a defendendo. Ela está sozinha.
Lengolo afirma estar feliz e aliviada que o casal vai estar finalmente livre de todo o abuso e negatividade. Ela não consegue entender porque as pessoas se surpreenderam com o anúncio feito por Harry e Meghan:
— Eles precisavam fazer isso por sua saúde mental e para proteger seu filho recém-nascido. Eu os apoio 100%. Estou verdadeiramente feliz por eles.
Os colunistas dos tabloides manifestaram choque com o anúncio feito por Harry e Meghan na última quarta-feira (8), os acusando, entre outras coisas, de serem "egoístas", "maquinadores" e "hipócritas" que demonstraram uma "atroz falta de julgamento" e tentavam "acabar com a monarquia".
"Eu vi vergonhosas bizarrices da realeza no decorrer da minha vida, mas por pura arrogância, direito de posse, ganância e desrespeito intencional, nada chega aos pés do comportamento do duque e da duquesa de Sussex", escreveu Piers Morgan, colunista do "Daily Mail", acrescentando que espera que "os títulos não existam por muito mais tempo".
A comediante Gina Yashere, que é negra e bastante popular, respondeu aos comentários de Morgan via Twitter: "Por favor. Toda pessoa negra sabia que isso aconteceria. Abuso racista constante disfarçado de crítica".
Morgan respondeu: "Gina, deixe se ser tão ridícula. A crítica a Meghan Markle não tem nada a ver com a cor de sua pele e tudo a ver com ela estar vergonhosamente causando grandes danos a nossa família real".
A filha de 13 anos de Carol Lengolo, Tshego, vê as coisas de maneira diferente. Ela idolatra Meghan e espera ser uma atriz em Los Angeles algum dia. Ela diz que, embora esteja desapontada pela duquesa se distanciar da família real, ela também está orgulhosa por ela ter tomado uma decisão "corajosa" e "poderosa".
— Acho que é apavorante como julgam alguém pela cor de sua pele — diz Tshego, com a voz carregada de emoção. — Veja Kate Middleton, por exemplo. Ela se casou com um membro da família real, mas não ouvimos muito sobre ela. Mas, de repente, uma pessoa negra entra para a família real e todos vão trás dela. Se Meghan fosse branca não seria tratada dessa forma, e essa é a realidade.