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ALFINETADA: Desiludida com a política, geração 2020 vai à rua por direitos




Totalmente conectados, exigem o fim das velhas tradições políticas, eles mostram preocupação com ataques à democracia



Na época em que eles nasceram, a internet já existia e se popularizava com o surgimento da banda larga. O pendrive era lançado para substituir o disquete, consoles de videogames ganhavam a segunda versão e a globalização engolia toda a sociedade. A geração 2020, formada pelos 3,5 milhões nascidos no ano 2000, é a primeira 100% digital. Em 2020, as crianças nascidas naquele ano completam 20 anos. O Correio foi atrás delas para saber o que pensam e descobriu que estão decepcionadas com a política.


Eles votaram em 2018 já em urnas digitais, e consideram o direito ao voto essencial. No entanto, muitos se mostram desiludidos com a política por causa do excesso de escândalos de corrupção, cujo combate, na visão deles, ficou pela metade. Para a geração 2020, ainda prevalecem as velhas tradições políticas. A nova era alardeada pelo presidente Jair Bolsonaro ficou na promessa. Mas, apesar do distanciamento e da desilusão, os jovens prometem ir às ruas para garantir seus direitos. Eles querem um futuro melhor. E isso passa pela garantia de empregos.


Para a estudante de enfermagem Ana Gabrielly Marcelino de Sousa, que completa 20 anos em março, a política brasileira é desestimulante. Moradora do Valparaíso (GO), ela conta que já foi mais atenta ao que ocorre na Esplanada dos Ministérios, mas parou de observar a cena política por desilusão e descrédito.


“Eu não acompanho muito o dia a dia da política. Antigamente, observava mais. Até os meus 17 anos, estava todo dia vendo o que envolvia economia e ideologia. Deixei isso um pouco de lado porque perdi as esperanças. Agora penso assim: vou fazer minha parte e seja o que for”, desabafa. Apesar da falta de interesse pelo cenário político, Ana Gabrielly votou nas eleições de 2018, tanto no primeiro turno, quanto no segundo. “O voto é importante porque, por meio dele, escolhemos as pessoas que governarão o país e que vão decidir como nosso dinheiro será investido. Quem não participa das eleições não pode reclamar depois, e ainda joga por água abaixo aquilo que as pessoas lutaram tempos atrás “, diz.


O sergipano Victor Raul Villela Coronado, que completa 20 anos em julho, segue o mesmo caminho que Ana Gabrielly. O estudante de direito já acompanhou bastante a política, mas perdeu o interesse. “Acompanhava muito o dia a dia da política e as questões que envolviam mudanças de leis e decretos. Também adorava os bastidores do Congresso e tudo que ocorria lá dentro. Diminuí a atenção porque tem uma hora que a gente fica cético, fica triste com o que está acontecendo com o país. Então, essas coisas tiram a empolgação que o jovem tem”, afirma.


Nascido no ano em que a internet se consolidava como veículo de comunicação, Victor acredita que a tecnologia atrapalha a política. “Acho que a política está uma bagunça atualmente, pois o povo está alienado. É gente demais com opinião pronta, pega da internet e só repete o que ali encontra”, diz. A corrupção também preocupa o jovem, que se queixa de se inteirar de ocorrências diárias no interior do Sergipe. “O interior do país está tomados por corrupção. Muitos compram o voto. Pessoas chegam e se vendem para terminar a reforma da casa, entre outras coisas. Isso atrapalha muito o Nordeste”, lamenta.


Apesar da polarização política das últimas eleições presidenciais, a identificação com partidos políticos não parece ser um costume da geração 2020. Tanto Victor quanto Ana Gabrielly preferem não declarar preferência por legendas. “Não tenho nenhuma preferência por partido político. Prefiro não votar por conta do partido e, sim, por ideias e propostas dos candidatos, mas evito votar em certos partidos. A gente sabe que, no passado, essas siglas só pensavam nelas e não necessariamente no povo”, argumenta o jovem, que vê nas manifestações de ruas uma forma de combater tudo que está errado. “Temos que deixar claro o que estamos pensando. E os protestos são um bom caminho.”


O tatuador Ruan Oliveira, próximo dos 20 anos, conta que nunca se identificou totalmente com nenhum partido. Para ele, a política brasileira é comandada por pequenos grupos que prezam apenas pelos próprios interesses. Por isso, ele considera importante votar com consciência. “O voto rege tudo o que a gente faz. Se a gente não votar, pode entrar uma pessoa que não nos representa, pode entrar um maluco. Votar é importante para nossos princípios serem valorizados”, avalia.


AI-5

A geração 2020 qualifica a democracia, tema que mobilizou fortemente o debate nas últimas eleições, como essencial. As declarações polêmicas emitidas por integrantes do governo de Jair Bolsonaro, como a menção à volta do Ato Institucional (AI-5), que suspendeu direitos políticos e civis na época da ditadura militar, dividem os jovens. Para alguns, são frases da boca para fora, para outros, merecem punição. “Esse tipo de declaração atrapalha muito, mas a gente sabe que, no fundo, são apenas bobagens. Essas pessoas precisam se policiar bem mais”, opina Ana Gabrielly.


O estudante de publicidade Jean Michel Rodrigues Barros, também da geração 2020, que acompanha firmemente os desdobramentos da política, acredita que a democracia é a melhor opção para resolver os problemas do país. “Ao mesmo tempo em que o presidente Bolsonaro representa uma ameaça à nossa democracia, ele agrada muita gente por conta do seu jeito”, avalia.


A preocupação da estudante de engenharia química Nicoly Mendes, nascida no ano 2000, é parecida. “Na minha opinião, qualquer um que flerte com a ditadura militar e com AI-5 deveria perder o cargo, pois isso vai totalmente contra a democracia”, diz. Em outubro de 2019, o filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sugeriu a reedição de um “novo AI-5”, caso houvesse manifestações nas ruas semelhantes às que ocorreram no Chile. Ela diz mais: “Estou disposta a ir às ruas para defender nossos direitos. Temos que lutar por melhores condições, sobretudo por mais empregos. Com a precarização das leis trabalhistas, as pessoas estão cada vez mais em subempregos”, frisa.


Como ''argila fresca''

Na participação política e nas temáticas defendidas, a geração que completa agora 20 anos de idade ainda é “como argila fresca”, define o cientista político Rui Tavares Maluf, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Embora convencido de que ainda é cedo para traçar um “perfil político consolidado” dos jovens, ele observa ao menos dois comportamentos comuns: se importam menos com partidos e organizações tradicionais e mais com a defesa de valores, em vez de pautas específicas.


Com o aumento de candidaturas de jovens nas últimas eleições, a nova geração passou a se sentir representada e, consequentemente, encorajada a buscar espaço na política, afirma o especialista. O método, no entanto, é diferente dos adotados nos anos anteriores. Para quem já nasceu on-line, com possibilidades quase infinitas de comunicação, modelos tradicionais têm poucos atrativos.


Movimentos sociais organizados, união de estudantes e legendas, antes essenciais na mobilização política, perdem cada vez mais espaço para a internet, observa Maluf.Um dos lados positivos do dinamismo proposto pelas redes sociais é o aumento das possibilidades de interação, o que é um facilitador para quem quer se organizar politicamente.

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