Concedeu entrevista ao Estadão, Enalteceu pacote anticrime, ‘Sistema acusatório será respeitado’
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes elogiou a criação do juiz de garantias –responsável pelo controle da investigação penal. A nova figura de julgador faz parte do pacote anticrime, sancionado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro.
O texto foi publicado em edição-extra do Diário Oficial da União na 3ª feira (24.dez), e já gerou questionamentos na Suprema Corte sobre sua constitucionalidade.
Em entrevista publicada nesta 2ª feira (30.dez.2019) pelo jornal O Estado de S. Paulo, Moraes, que foi 1 dos idealizadores do projeto de lei à época em que era ministro da Justiça, disse que “há muitas críticas sobre o juiz de garantias, sem, contudo, se procurar entender do que se trata”. Afirmou que a criação do juiz de garantias é “uma legítima opção feita pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República“.
“O pacote anticrime fortaleceu o Ministério Público, respeitando integralmente o sistema acusatório consagrado na Constituição Federal”, afirmou o magistrado mais novo do Supremo.
Eis alguns trechos da entrevista ao Estadão:
IMPORTÂNCIA DO PROJETO ANTICRIME
“O mais importante do pacote aprovado será a mudança de mentalidade, com o fortalecimento da Justiça Criminal no Brasil, tanto do ponto de vista da Segurança Pública, quanto da questão penitenciária, com a priorização e previsão de fortes instrumentos para o efetivo combate à criminalidade organizada e aos crimes violentos, com maiores sanções, maior tempo de cumprimento de pena (40 anos) e necessidade de 50% do cumprimento da pena para eventuais progressões.
Há muitas críticas sobre o ‘juiz de garantias’, sem, contudo, se procurar entender do que se trata. Haverá, como em vários países, uma divisão de competências entre juízes. Um atuará durante a fase de investigação e outro, durante o processo e julgamento. Ora, ambos serão juízes independentes e com todas as garantias da magistratura.”
PRIORIZAÇÃO DE CRIMES GRAVES
“Desde meus tempos como promotor de Justiça, sempre repeti que o sistema penal brasileiro prende muito, mas prende mal. Porque, tradicionalmente, a mesma estrutura policial e judicial é compartilhada de forma idêntica para, por exemplo, processos de roubo a mão armada com fuzil e tentativa de furto simples de objeto de pequeno valor.
Com as novas alterações, na tentativa de furto simples de objeto de pequeno valor, imediatamente poderá ocorrer a transação e na mesma semana do crime, seu autor estará prestando serviços em hospitais públicos, por exemplo.
Será rapidamente aplicada uma sanção proporcional ao delito, que se desrespeitada acarretará a prisão. Toda sociedade sentirá a efetividade imediata da Justiça Criminal. Com isso, será possível redirecionar a maior parte da estrutura das Polícias, MP (Ministério Público) e Judiciário para combater a criminalidade organizada e os crimes realmente graves e reduzir os inúmeros roubos a mão armada, inclusive com fuzis.
Esses crimes passaram a ser hediondos, e obrigarão o condenado a cumprir no mínimo 50% da pena, se for primário, ou 60%, se reincidente, para pleitear progressão de regime. Hoje, bastava para o roubo a mão armada o cumprimento de 1/6″.
REESTRUTURAÇÃO DA JUSTIÇA CRIMINAL
“A previsão de transação penal para os delitos praticados sem violência ou grave ameaça, desde que presentes vários requisitos, possibilitará rápida solução de mais de 65% dos crimes, com a imediata aplicação de uma sanção. Sem a necessidade de inquérito policial, processo judicial em 1ª e 2ª Instâncias, inúmeros recursos e habeas corpus, chegaremos ao mesmo resultado em pouquíssimo tempo, liberando toda essa estrutura hoje existente para o combate a criminalidade organizada e aos crimes graves.
A macro criminalidade como os tráficos de drogas e armas e seus crimes conexos, como homicídios, latrocínios, roubos, extorsões, entre outros, não tem abrangência meramente municipal, mas sim regional, estadual, interestadual e inúmeras vezes internacional.
Com a priorização do combate a esse tipo de criminalidade e a destinação da infraestrutura e recursos humanos hoje dissipados na estrutura geral será possível criar Varas Judiciais Colegiadas que, além de garantirem maior segurança aos magistrados no combate às facções criminosas, atuarão de forma regionalizada, com uma visão maior do fenômeno criminal, permitindo interligação de dados entre essas varas, com a criação de um sistema de inteligência judicial, com dados de todos os inquéritos e processos envolvendo a criminalidade organizada no País”.
PUNIÇÃO A ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
“As grandes organizações criminosas não são responsáveis somente pelos tráficos de drogas e de armas, por exemplo. A grande maioria dos crimes graves como homicídios, latrocínios, roubos a mão armada, entre outros são praticados por seus membros, em verdadeira conexão com a atuação das organizações.
A nova legislação não só equiparou o roubo a mão armada e o furto com explosivos aos crimes hediondos, como também estabeleceu que em todos esses casos haverá necessidade de cumprimento de 50 a 70% da pena para pleitear eventual progressão, vedando-se o livramento condicional, no caso de morte da vítima.
Essa pena deverá ser cumprida em regime disciplinar extremamente rígido e sem limitação de tempo. Além disso, o prazo total de efetivo cumprimento da pena passou de 30 para 40 anos”.
FALTA DE JUÍZES EM COMARCAS
“Logicamente, haverá necessidade de uma reestruturação organizacional do Judiciário. Mas isso não só é possível, como muito menos problemático do que alguns apontam. Tome-se o exemplo da maior comarca do Brasil, o município de São Paulo, onde algo extremamente semelhante ao ‘juiz de garantia’ existe há 40 anos.
Em São Paulo, há uma juíza coordenadora e 12 juízes, no Dipo (Departamento de Inquéritos Policiais), que tem competência para atuar na fase de investigação criminal nos inquéritos policiais e procedimentos de investigação do MP. São esses juízes que analisam todos os pedidos cautelares (prisões, buscas e apreensão, interceptações telefônicas), além de realizarem todas as audiências de custódia da Capital São Paulo.
Somente após o término da investigação criminal e com o oferecimento da denúncia é que o processo será distribuído para 1 dos 67 magistrados das 32 Varas Criminais e das duas Varas especializadas em crimes tributários, organização criminosa e lavagem de bens.
Em outras palavras, há 40 anos há essa divisão de competência entre magistrados, onde, atualmente, 13 atuam na fase de investigação e 67 no processo e julgamento. Os números mostram que, em novembro de 2019, estavam em andamento no Dipo 84.490 inquéritos e investigações criminais, tendo sido arquivados 4.180, além de realizadas 1518 audiências e proferidas 4681 decisões. Nunca se alegou prejuízo a investigações.
É possível replicar esse modelo para o restante do Estado de São Paulo e mesmo para os demais Estados da federação e para a Justiça Federal, cada qual com suas peculiaridades, regionalizando os juízos de garantia.
Obviamente, não é razoável e nem necessário criar para cada Comarca com vara única, outro cargo para 1 juiz de garantias. Me parece que a regionalização é o segredo, não só para o combate à criminalidade organizada, mas também para a rápida e eficiente implantação do juízo de garantia”.