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CAPA: MP e ouvidoria investigam licitações suspeitas em grandes aeroportos



Medidas, aprovadas na Infraero ao fim do período Temer mesmo após ordem de suspensão do governo de transição, poderão prejudicar novas concessões


A Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) é a estatal do governo federal responsável pela administração dos principais aeroportos do País. Posicionada entre as três maiores empresas operadoras do tipo no mundo, controla 55 terminais, que recebem mais de cem milhões de passageiros por ano, cerca de 60% do movimento aéreo brasileiro.


Nas últimas semanas de 2018, no apagar das luzes do mandato de Michel Temer, enquanto a equipe de Jair Bolsonaro tomava pé da situação no governo de transição, a Infraero foi submetida a vários procedimentos de licitação e de contratação suspeitos, que despertaram dúvidas a respeito da lisura e legalidade dos procedimentos.


Essas ações estão sendo agora investigadas pela empresa, por meio de sua ouvidoria, e também pelo Ministério Público. Em abril de 2019, a delegada da Polícia Federal Silvana Helena Vieira Borges, ex-número dois da PF em Brasília, foi nomeada assessora especial da presidência da Infraero.


Em 26 de dezembro de 2018, por meio do ofício 1/GT-INFRA/TRANSIÇÃO/2018, assinado por Tarcísio Gomes de Freitas, hoje ministro da Infraestrutura, a equipe de transição, com a aprovação dos representantes de Temer, determinou à então presidência da Infraero a suspensão de todos os atos que gerassem obrigações futuras para a empresa, entre eles contratações de qualquer natureza. Nada mais exemplar e oportuno para o momento.


Para reforçar a medida oportuna, dois dias depois, em 28 de dezembro, o então presidente da estatal, João Márcio Jordão, ordenou seus gestores, por meio do memorando circular SEDE-MEC-2018/00292, a suspensão de todos os processos licitatórios de concessão de posse e uso de áreas dos aeroportos para exploração de empresas, com exceção dos casos homologados até 26 de dezembro de 2018, não por acaso a data do documento assinado por Gomes de Freitas em nome do governo de transição de da futura gestão Bolsonaro.


Na época, estava em curso na Infraero, entre outros, o processo de licitação 161/lali-2/sede/2018. Nele, a empresa de comunicação, marketing e publicidade Codemp, integrante do grupo Kallas, aguardava o prosseguimento da concorrência de exploração de áreas e espaços para publicidade e comunicação no aeroporto de Congonhas, após ter sido decretada vencedora de uma fase inicial.


Apesar de a licitação estar nitidamente englobada nas determinações de suspensão dos governos de transição e federal, e também nas da presidência da Infraero, gestores da estatal lideraram ações posteriores, em ritmo acelerado, para garantir a homologação da Codemp como vencedora final da concorrência integral.


A velocidade na apresentação dos atos e, sobretudo, das reações às ordens dos gestores levou muitos a desconfiarem da intenção de se vender e ocupar espaços exploráveis em aeroportos, no menor espaço de tempo possível, no ocaso do governo Temer. Situações que os brasileiros infelizmente testemunham em vários setores a cada troca de comando.


No caso da Codemp, o memorando da presidência da Infraero foi assinado eletronicamente às 11:53 de 28 de dezembro de 2018. No mesmo dia, poucas horas depois, exatamente às 15:07, o pregoeiro organizador do certame de licitação enviou ao diretor de Negócios Comerciais da estatal, Marx Martins Marsicano Rodrigues, a sugestão de adjudicação (ato judicial que dá posse definitiva ou provisória de algo a alguém) e de homologação (aprovação ou confirmação por autoridade administrativa ou judicial) da empresa como vencedora do certame.


Rápido no gatilho, exatos dezessete minutos depois, às 15h24, Marsicano Rodrigues, para além do documento do governo de transição e da ordem de suspensão recebida horas antes da presidência da Infraero, enviou ao pregoeiro organizador seu pronto parecer ratificando a adjudicação e a homologação.

Enquanto licitações que estavam na mesma fase eram suspensas, Codemp e grupo Kallas tiveram parcerias adiantadas e prorrogadas em ritmo no mínimo estranho para os dias de troca no governo federal. Um período em que a ordem natural e sensata das coisas, identificada com competência por Gomes de Freitas e o governo de transição, era, mais do que nunca, deixar tudo como estava para ver, ao menos por algum período, como tudo poderia ficar, visando o melhor para a gestão futura e, acima de tudo, a sociedade.


Mas, ao que parece, não. No aditamento de contrato gerado pelo processo de licitação 221/LALI-2/SBSP/2017, a Codemp, por meio de um simples aditivo, sem novo processo de concorrência, foi beneficiada com um generoso upgrade contratual, que aumentou em mais de cem por cento o número de pontos para exploração de comunicação e publicidade contratados no aeroporto de Congonhas, aparentemente sem contraprestação financeira proporcional. Esse e outros casos da Codemp e do grupo Kallas são, hoje, objetos de denúncia e de investigação por parte do Ministério Público.


Segundo denúncias, a Codemp e outras empresas do grupo Kallas teriam explorado, por mais de 12 meses, áreas só depois incluídas no certame de concorrência, sem licitação ou contrato administrativo, com um procedimento chamado Ações Eventuais, que não teria previsão, suporte ou padrão legal.

A Infraero historicamente exige comprovação de capacidade técnica com rigor. Fontes ouvidas pelo R7 afirmam, no entanto, que, em algumas licitações envolvendo Codemp, grupo Kallas e seus parceiros, esse requisito foi tido como cumprido com a mera verificação de contrato social.


Outro ponto estranho para muitos foi a precificação de algumas áreas concedidas pela Infraero em 2018. Entre setembro e novembro daquele ano, a estatal lançou mão de vários editais para a concessão de espaços destinados à instalação de lounges e áreas vips nos aeroportos de Congonhas e Santos Dumont, no Rio de Janeiro.


Os tempos de concessão e os valores que serviram de base, desconectados dos habitualmente praticados em aeroportos, estão mais para prêmios do que para ofertas de vencedor. Preços camaradas para concessão e contratação de áreas imensas e elitizadas de aeroportos por dez e, em ao menos um caso, por longos vinte anos.


Pelo certame 052/LALI-2/SBSP/2018, com edital publicado em setembro de 2019, uma área de 522 metros quadrados no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, foi licitada por generosos R$ 60 mil mensais para a Nacional Operadora de Viagens Ltda.


A empresa pertence a Wagner José Abrahão, sócio também do Grupo Águia. Abrahão operou as viagens da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) durante 20 anos. Muito ligado aos ex-presidentes da CBF Marco Polo Del Nero e, sobretudo, Ricardo Teixeira, foi acusado pela Justiça dos Estados Unidos de intermediar pagamento de propina para outro ex-capo da casa, José Maria Marin.


De acordo com o processo americano, Marin recebeu US$ 3 milhões em propina por meio de duas empresas de Abrahão: a Support Travel e a Expertise Travel, ambas contas no paraíso fiscal europeu de Andorra. Essas empresas, registram os autos, receberam o dinheiro da offshore FTP, que adquiriu direitos da Copa América em nome do grupo Torneos Y Competencias e repassou o faz-me rir para a conta de uma empresa de Marin.


No mês seguinte, em outubro de 2019, um pedacinho de 2,4 mil metros quadrados, também em Congonhas, foi licitado por R$ 33 mil para a mesma Nacional, o que sugere, por baixo, uma desproporção absurda quando o valor é comparado ao já confortável da licitação anterior. Detalhe importante: neste segundo caso, o puxadinho de 2,4 mil é o Pavilhão de Autoridades do aeroporto. Será que elas, as autoridades, precisarão pedir autorização para desembarcar no local a partir de agora?


Também em Congonhas, por meio do edital 020/LALI-2/SBSP/2018, outra licitação curiosa, também homologada no apagar das luzes da gestão Temer, concedeu um pedaço de quase cinco mil metros quadrados, praticamente outra área de embarque, por relaxantes vinte anos, pelo valor mensal de R$ 511,5 mil, à RFM Participações Ltda.


O que torna tudo ainda mais inusitado e inspirador de desconfianças é que Tarcísio Gomes de Freitas, hoje à frente da Infraestrutura, vem reforçando para quem quiser ouvir, desde o início de 2019, a decisão dele e do governo Bolsonaro de conceder à iniciativa privada a gestão de 44 aeroportos da Infraero em licitações a serem realizadas entre 2020 e 2022.


O pacote incluirá as joias Santos Dumont (Rio de Janeiro) e Congonhas (São Paulo). Não por acaso, o documento do governo de transição determinando a interrupção dos negócios na Infraero foi assinado, em 26 de dezembro de 2018, pelo próprio Gomes de Freitas.


Uma questão óbvia se impõe: o que se pretendeu ao ceder e ocupar espaços nobres, a preços e prazos confortáveis, e ao alongar contratos a toque de caixa, com o País parado, a opinião pública desatenta entre o Feliz Natal e o próspero Ano Novo, o novo governo chegando e outro dando hasta la vista?


Afastar os investidores? Dificultar ou impedir o processo de privatização de algumas das unidades incluída nos planos do governo Bolsonaro? O que sobrou das áreas públicas desses aeroportos justificarão os investimentos importantes no nível esperado pelo presidente Bolsonaro e sua equipe para apresentar à sociedade?


O atual diretor comercial da Infraero, Thiago Pedroso, manifestou a intenção de realizar uma licitação máster para exploração de publicidade nos aeroportos de Congonhas e Santos Dumont pelos próximos dez anos. Feita de forma desconectada e sem harmonia com o processo federal, seria outro ponto a atrapalhar as futuras concessões.


Em 16 de setembro de 2019, o procurador Marcus Marcelus Gonzaga Goulart, do MPF de Brasília, enviou ao presidente da Infraero, o tenente-brigadeiro do ar Hélio Paes de Barros Júnior, o ofício nº 7485/2019 pedindo resposta, em 30 dias, para questões preocupantes sobre o assunto. As principais: “Nos últimos cinco anos, as empresas Codemp, All & On e All Space Propaganda exploraram área de publicidade em Congonhas e Santos Dumont? A exploração se deu mediante contrato de concessão? Houve licitação ou algum caso de contratação direta? O contrato decorrente da licitação 221/LALI-2/SBSP/2017 foi objeto de termo aditivo de ampliação de seu objeto? Quais foram as alterações contratuais? A Infraero teve conhecimento de que a empresa Codemp teria ofertado pontos de publicidade no Santos Dumont sem que tivesse a respectiva concessão para exploração das áreas? A Infraero tomou alguma providência sobre tal fato?


O MPF queria mais detalhes. “A Infraero tem conhecimento de que as empresas Codemp, All & On e All Space Propaganda pertencem ao mesmo grupo e teriam a participação direta ou indireta de um mesmo sócio (Rodrigo Moreira Kallas)? As mencionadas licitações foram procedidas em qual unidade da Infraero? Enviar nome e cargo do pregoeiro e da autoridade que homologou os certames”.


Em contato com a delegada Silvana Helena e a assessoria da Infraero, a reportagem do R7 questionou sobre todos os casos citados nesta reportagem. Por meio de sua assessoria de comunicação, a estatal afirma que todos os processos de investigação “são sigilosos até serem concluídos”. Não esclareceu, no entanto, se algum caso citado na reportagem é objeto de investigação, se respondeu o ofício do MPF e, em caso positivo, qual foi o conteúdo das respostas.

“A Infraero esclarece que realiza de forma sistêmica a revisão de procedimentos por meio de áreas e canais que compõem a Governança Corporativa da empresa, como as gerências de Auditoria, Ouvidoria, e Compliance, além da Corregedoria. Após o conhecimento de qualquer evidência que indique irregularidades em algum processo, os fatos são apurados e, quando necessário, são abertos procedimentos administrativos, com garantia de ampla defesa e contraditório dos envolvidos, inclusive nos casos citados pela reportagem. Todavia, todos os processos são considerados sigilosos até que estejam concluídos”, diz a empresa na nota.


Rodrigo Moreira Kallas, CEO da Kallas Mídia OOH, grupo proprietário da Codemp, disse por telefone ao R7 não considerar irregular a adjudicação da licitação da empresa dois dias depois da determinação dos governos Temer, de Transição e da presidência da Infraero de suspender todos os atos que gerassem obrigações futuras para a empresa, entre eles contratações de qualquer natureza. “Houve suspensão e não cancelamento do processo licitatório. A nova gestão analisou e considerou o contrato de interesse da Infraero, tanto que o contrato passou a ter vigência oficial em abril de 2019”.


O novo governo está atento aos casos. Novidades deverão surgir em breve.

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