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PLANTÃO: Supremo discute candidaturas avulsas sem filiação partidária




Barroso é relator de ação sobre possibilidade de concorrer sem partido, o que, hoje, não é previsto na Constituição


A possibilidade de disputar um cargo eletivo sem filiação partidária será tema de uma audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF) hoje com políticos e representantes da sociedade civil. Relator de um recurso sobre o assunto, o ministro Luís Roberto Barroso convocou a audiência para debater as chamadas candidaturas avulsas, ideia que ganhou apoio após conflitos de parlamentares com seus partidos.


Os defensores da ideia argumentam que impedir alguém de se candidatar por não ser filiado a um partido fere liberdades individuais, coloca o Brasil em dissonância com a maioria dos países e contraria entendimentos firmados em pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário, como o Pacto de San José da Costa Rica. Outros argumentos são a falta de democracia interna nos partidos e a ausência de transparência na distribuição dos recursos financeiros para candidaturas.


"Os partidos são importantes na democracia e defendo a sua existência, mas mais importante é a legitimidade social do candidato e isto pode ser obtido sem a formalização partidária. O ideal é que os dois modelos convivam", sugere o senador Alessandro Vieira, do Cidadania-SE.


Quem discorda da permissão para candidaturas avulsas alega que esse instrumento não é previsto na Constituição, enfraquece os partidos, favorece candidatos mais ricos e possibilitam a proliferação de candidaturas personalistas e sem representatividade na sociedade.


Para Luciana Nepomuceno, presidente da Comissão Especial de Estudos da Reforma Política da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), os problemas dos partidos não bastam para permitir a ideia. “Os entraves exigem uma reorganização interna dos partidos, e não acabar com o protagonismo deles”, disse, lembrando que no dia a dia da política há ritos como obediência ao estatuto, fidelidade partidária, além de direitos, como o de receber fundo especial de financiamento de campanha e o fundo partidário.


“A função do partido é representar vertentes da sociedade que não teriam votos. As candidaturas independentes fortalecem o individualismo e não segmentos da sociedade”.


Tema já teve tentativas de mudança

A Constituição de 1988 coloca a filiação partidária como uma das condições de elegibilidade. Em 2015, o senador Reguffe (Podemos-DF), apresentou uma PEC que retirava do texto constitucional a exigência de filiação partidária como condição para se candidatar. O texto, no entanto, não avançou no Congresso.

Luciano Pereira dos Santos, ex-presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP, vê barreiras estruturais, como o coeficiente eleitoral e o tempo de rádio e televisão, que impediriam a candidatura avulsa. “São questões formatadas para o sistema de candidaturas com partidos. Seria necessária uma reestruturação do sistema e isso não é simples”, argumenta.


Para o jurista, embora outros países permitam candidaturas independentes, não há grandes exemplos de sucesso. O caso mais conhecido é o do presidente francês Emmanuel Macron. “Política se faz normalmente em grupo, decisões são feitas em grupo e para beneficiar grupos. Candidaturas individuais podem estimular mais ainda o personalismo e o individualismo”, avalia.


Autor da ação que contesta no STF a proibição de candidaturas avulsas, o advogado Rodrigo Mezzomo tentou se candidatar à prefeitura do Rio de Janeiro em 2016 de maneira independente, mas foi impedido após recorrer a todas as instâncias da Justiça Eleitoral. Em 2017, apelou ao Supremo, que acatou o recurso e decidiu pela repercussão geral do julgamento. A ação ficou sob relatoria do ministro Barroso. No processo, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, deu parecer favorável à tese que permite as candidaturas avulsas.


Para Mezzomo, candidaturas independentes podem melhorar os partidos, uma vez que terão de “convencer” os interessados a se filiar. “Provocam um efeito ético nos partidos”, afirmou. Ele defende que o monopólio das candidaturas pelas siglas promovem uma “privatização da cidadania”. “Um partido político é uma entidade privada, ou seja, os partidos têm dono. Quem o dono do partido não quiser está fora do jogo”.


Deputada estadual mais bem votada em 2018 e uma das defensoras das candidaturas avulsas, Janaina Paschoal (PSL-SP) era favorável antes de entrar na política por liberdade individual. “Pensava que nunca iria me candidatar porque não queria entrar em partido. Entendo que um ser humano tem de ser livre e não dá para ser livre dentro de um grupo que tem um conjunto fechado de ideias”, afirma.


Embora afirme não ser contra as candidaturas avulsas, o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), ligado a movimentos de renovação política como o Acredito, diz que a medida não resolveria o problema do sistema político.


“Os partidos deveriam ser o elo entre o povo e o poder, mas se tornaram instituições quase imperiais, que não formam novas lideranças e têm pouco espaço para a divergência de ideias. Precisamos aperfeiçoar a democracia interna dos partidos, dar clareza aos gastos e melhorar a prestação de contas com a população”, defende o deputado.


Três perguntas para… Rafael Cortez, doutor em ciência política e sócio da Tendências Consultoria


Qual sua avaliação sobre as candidaturas avulsas?

Essa ideia é vendida como mecanismo para aproximar a política do “cidadão comum”. A candidatura seria um contraponto ao poder arbitrário dos caciques partidários, interessados menos em escolher um bom candidato e mais em preservar seu poder. A candidatura avulsa, contudo, está apoiada em uma ideia de representação individualizada.


Quais as consequências disso?

Minha leitura é que essa visão individual da representação pouco contribui para tornar a política pública mais democrática e reforça o personalismo político. Um dos desafios seculares do processo político é a agregação das preferências individuais em decisões coletivas. Não é uma tarefa trivial. A despeito da versão estilizada, legisladores não debatem soluções tecnicamente prontas e percebidas como expressão da vontade da maioria. Essa maioria precisa ser construída.


Como isso pode ser construído?

Os representantes precisam organizar quais temas devem ser objeto de deliberação, quais propostas serão analisadas e em que ritmo que serão apreciadas. Tal escolha não é individual, mas coletiva em articulação com os tomadores de decisão e a sociedade civil organizada.

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