Ex-presidente luta por reconhecimento de que processo foi 'golpe parlamentar justificado por retórica manca'
Michel Temer virou presidente, Lula foi preso e solto, Jair Bolsonaro se elegeu, e, três anos e meio depois de sofrer impeachment, Dilma Rousseff mantém uma batalha para tentar anular o processo que a derrubou da Presidência da República.
A petista descreve como uma de suas últimas trincheiras um processo que move desde setembro de 2016 no STF (Supremo Tribunal Federal) com esse objetivo. Nesta sexta-feira (22), a corte deve analisar um recurso dela para que o caso seja novamente examinado.
Dilma, que é defendida no caso por seu ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, acumula derrotas no tribunal. Na fase atual, ela aguarda o julgamento de embargos de declaração com efeitos infringentes, um tipo de contestação em que pede explicações adicionais sobre decisão anterior e requer novo julgamento.
Para a petista, embora seja impossível que uma eventual invalidação do impeachment a leve de volta ao cargo, o reconhecimento de que o processo foi fraudulento ajudaria a "restabelecer a verdade" sobre o que ela vê como "golpe parlamentar justificado por uma retórica manca".
O julgamento do recurso está programado para ocorrer no plenário virtual, onde a tramitação é mais célere que no plenário físico.
São dois os pleitos da ex-presidente no momento: 1) que a decisão monocrática (individual) proferida em dezembro de 2018 pelo ministro Alexandre de Moraes, refutando a nulidade da deposição, seja revista por colegiado do STF; e 2) que a análise seja feita em sessão presencial.
No dia 12 deste mês, os advogados dela reivindicaram a transferência do caso para o plenário físico, sob o argumento de que se trata de mandado de segurança impetrado por uma ex-presidente e que o tema é de notável relevância.
Eles explicaram ainda que esse formato daria aos defensores a chance de fazer sustentação oral no tribunal. Moraes, que é o relator da ação, rejeitou o pedido. Afirmou que "o julgamento em ambiente virtual não prejudica a discussão sobre a matéria".
O recurso que está em debate deu entrada na corte em dezembro de 2018, dias depois que o relator negou a demanda original de Dilma. Ele afirmou na decisão que não caberia ao STF interferir no "mérito de decisões políticas proferidas no impeachment".
Moraes escreveu ainda desconhecer "qualquer comprovação de ilegalidade" no processo.
Nos embargos, os advogados afirmaram que desde a juventude Dilma "sempre teve como valor orientador da sua vida a perspectiva de que quem suporta um mal com valentia depois conquista um bem".
"Com a mesma valentia que suportou as torturas que lhe foram impingidas pela ditadura militar, tem sabido suportar as dores da injustiça perpetrada por um golpe parlamentar, e por todas as traições e calúnias que ainda hoje são lançadas contra ela."
A petista, na defesa, disse que a anulação do impeachment resgataria "a verdade aos olhos das gerações futuras".
Entre as teses invocadas por Dilma, estava a de que houve desvio de poder do então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (MDB), na decisão de abrir o processo para retirá-la da Presidência. Seria um "vício insanável" do procedimento.
Segundo ela, Cunha —preso desde 2016 em decorrência da Operação Lava Jato— agiu por vingança, depois que o PT se negou a fazer um acordo para barrar a cassação do mandato dele na Comissão de Ética da Câmara.
A ex-presidente afirmou ainda que a tramitação do impeachment foi "marcada por inconstitucionalidades e ilegalidades" e que não houve a comprovação de justa causa para configurar crime de responsabilidade dela.
Houve, na visão da petista, "imoralidade explícita e hipocrisia", sem "qualquer acusação de corrupção", a não ser a "mera invocação da prática de atos de gestão orçamentária que todos os governos anteriores praticaram", as famosas pedaladas.
Na petição ao STF, Dilma também atacou seu ex-vice, Michel Temer (MDB). Disse que "a deslealdade pessoal, política e institucional talvez venha a ser o único legado concreto do governo" dele, que ela chama de ilegítimo.
A ex-presidente reclamou ainda que o STF descumpriu prazos processuais "sem nenhuma justificativa plausível". A demora impediu, na sua ótica, que ela retornasse ao governo a tempo de concluir o mandato.
"De fato, o mandato já acabou. Retomar agora é impossível", diz Cardozo à Folha. "Estou buscando garantir o direito de apresentar a sustentação oral da defesa, o que é inviável no sistema eletrônico."
Para o ex-ministro, o plenário virtual deveria ser usado para ações menos complexas, "não o caso de retirada do cargo de uma presidente, algo de ampla relevância para o direito constitucional brasileiro".
Procurada, a assessoria da ex-presidente não quis se manifestar sobre o julgamento.
TESE DO GOLPE
A bandeira da anulação do impeachment chegou a mover círculos petistas entre 2016 e 2017. Grupos de apoiadores de Dilma e líderes do partido lançaram movimentos em prol da causa, mas a campanha arrefeceu.
Nos últimos meses, alas do PT celebraram declarações de opositores que corroboraram a tese de que a ex-mandatária foi vítima de golpe.
Em outubro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que Temer operou o processo que retirou Dilma.
O próprio Temer, em setembro, utilizou a palavra "golpe" para se referir à destituição da petista. Depois ele falou que empregou a expressão porque "as pessoas diziam que era".
Também em setembro, o ex-senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), um dos defensores do afastamento, disse à Folha que houve uma "manipulação política do impeachment" pela força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e pelo ex-juiz Sergio Moro, atual ministro da Justiça.
Dilma, que deixou o Planalto em maio de 2016, teve o mandato cassado pelo Senado em agosto daquele ano, mas manteve os direitos políticos. Em 2018, ela disputou uma cadeira de senadora por Minas Gerais e acabou derrotada.
A manutenção do direito de exercer funções públicas também é alvo de ações no Supremo, sob relatoria de Rosa Weber. A ministra liberou o assunto para votação em dezembro de 2018, mas o julgamento não foi marcado.