Ao longo dos anos ficou claro que a lei 8666 foi tornando-se defasada e precisava ser modernizada para, por exemplo, se adequar a uma sociedade digital e às transformações do mercado
Na noite de 17 de setembro, depois de 24 anos de idas e vindas entre comissões parlamentares, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que altera os processos de licitação e contratação de bens e serviços por parte do poder público no país.
Não é um assunto trivial.
Esse controle é fundamental em uma sociedade marcada historicamente pela corrupção e onde os governos federal, estadual e municipal ainda têm forte influência no desenvolvimento econômico.
Não à toa, a lei 8.666, de 1993, primeira mais severa para cuidar das licitações no país e inovadora à época, foi um dos principais legados das investigações sobre o esquema de corrupção capitaneado por Paulo César Farias, que levaram ao impeachment do presidente Fernando Collor, em dezembro de 1992. É justamente essa lei que o parlamento está alterando.
Ao longo dos anos ficou claro que a lei 8.666 foi tornando-se defasada e precisava ser modernizada para, por exemplo, se adequar a uma sociedade digital e às transformações do mercado. Apenas para citar exemplos simples, quando foi sancionada, não existia a internet, nem telefonia celular, tampouco os sistemas de informática eram desenvolvidos.
Da mesma forma, nos últimos 26 anos, o país passou por incontáveis escândalos. A corrupção se sofisticou e as relações “não republicanas” entre o Estado e o setor privado frutificaram. No âmbito federal, para citar casos notórios, depois do escândalo PC Farias vieram o escândalo dos Anões do Orçamento, o Mensalão e a Lava Jato.
Na quinta-feira, dia 10 de outubro, o texto foi enviado ao Senado para ser apreciado. Mas, antes mesmo de começar a tramitar novamente, já há sinais de que o projeto corre o risco de passar outra longa temporada de idas e vindas. A tendência é de muita discussão pela frente.
As alterações feitas nas duas décadas de tramitação causaram insatisfações, particularmente às empresas envolvidas com obras de infraestrutura. “O projeto virou uma colcha de retalhos tão grande que o melhor seria não alterar nada, deixar do jeito que está”, diz um representante das grandes construtoras, que tem um dossiê sobre os pontos discordantes.
O projeto, cujo trâmite foi acelerado a partir do ano passado, reúne as diversas modalidades de licitação, dispersas atualmente em várias leis. Vai valer para a União, estados, municípios e o Judiciário da União. Ficam de fora as empresas públicas e as sociedades de economia mista, justamente onde grassou o escândalo da Lava Jato.
Entre os seus trechos polêmicos está o que viabiliza o uso do pregão na contratação de estudos técnicos preliminares necessários à elaboração de projetos básicos para serviços de engenharia. Os empreiteiros argumentam que o critério do menor preço pode levar à aprovação de propostas falhas, que precisarão ser revistas, a custos ainda maiores.
Outra controvérsia é a possibilidade de o poder público decidir pela continuidade de contratos em que forem constatadas irregularidades na licitação ou na execução, que hoje são motivos para a rescisão contratual. A ideia é não prejudicar o atendimento à população.
Outra inovação fica por conta da modalidade “diálogo competitivo”, já usada em outros países e inexistente no Brasil. Nessa modalidade, o licitante seleciona os participantes por meio de critérios objetivos. Em seguida, haverá reuniões, gravadas em áudio e vídeo para, na fase final, divulgar os critérios de seleção. Então, os participantes apresentarão sua proposta final.
A demora na definição da nova lei é preocupante em um país que precisa de investimentos. As grandes obras de infraestrutura dependem da atuação estatal e os investimentos dos empresários precisam de segurança jurídica e previsibilidade. Conviver com uma lei defasada gera processos morosos, ineficientes, sujeitos a disputas jurídicas e custos elevados.
Gustavo Paul é c oordenador de Economia da sucursal de O Globo em Brasília. Trabalhou nas redações de O Estado de Minas , Veja , O Estado de S. Paulo e Exame . Também foi assessor de imprensa do Banco Central e do BNDES.