Em sua última entrevista coletiva no cargo, que deixa nesta terça-feira, equatoriana María Fernanda Espinosa diz que assembleia é 'lugar
Em sua última entrevista coletiva como presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, na segunda-feira, em Nova York, a diplomata equatoriana María Fernanda Espinosa aconselhou ao presidente Jair Bolsonaro e aos demais chefes de Estado que farão sua estreia no encontro a virem com uma "atitude construtiva" ao evento principal, marcado para o próximo dia 24.
Questionada pela BBC News Brasil sobre que conselho daria ao presidente brasileiro e aos outros líderes estreantes, Espinosa disse que a ONU é um lugar de "diálogo", "concordância" e "conversa".
"Esta é a casa do diálogo. Esta é a casa da concordância. Esta é uma casa para se conversar. Esta é uma casa onde nos reunimos e fazemos acordos sobre coisas que faremos para melhorar o mundo", disse. "Então, eu diria que, quem quer que venha, tem que ter uma atitude construtiva. Com uma atitude que compreenda que todos fazemos parte da comunidade global e que todos pertencemos à mesma espécie, a espécie humana."
No cargo desde o ano passado, Espinosa passa nesta terça-feira o bastão para o nigeriano Tijjani Muhammad-Bande, que assume como presidente da 74ª Sessão da Assembleia Geral.
Em entrevista à TV Record veiculada na segunda-feira, Bolsonaro confirmou que viajará para Nova York no próximo dia 23, onde fará o discurso de abertura da Assembleia Geral - uma tradição que o Brasil mantém desde a época da criação da ONU, após a Segunda Guerra Mundial. Em 1947, o diplomata Oswaldo Aranha era chefe da delegação brasileira e presidiu a primeira sessão da Assembleia.
"Falei há um tempo atrás que iria de qualquer maneira, nem que fosse de cadeira de rodas", disse o presidente, que deixou o hospital na segunda-feira, após passar por uma cirurgia de correção de uma hérnia decorrente da facada que recebeu durante a campanha eleitoral, em setembro do ano passado.
"Já comecei a rascunhar o discurso, um discurso diferente dos que me antecederam. É conciliatório, sim, mas vai reafirmar a questão da nossa soberania e do potencial que o Brasil tem para o mundo, coisa que poucos ou quase nenhum presidente teve... na ONU."
Diversidade
No ano passado, 49 países elegeram novos chefes de Estado — como Bolsonaro, no Brasil — ou tiveram seus líderes reeleitos.
Ainda no comentário sobre os estreantes, Espinosa destacou sua defesa à diversidade.
"Somos todos iguais, apesar de eu ser uma grande defensora da diversidade. Não apenas o multilinguismo, mas também a diversidade cultural, religiosa e geracional", afirmou a chefe da Assembleia, cujo mandato foi marcado por uma maior abertura à imprensa, uma aproximação entre a assembleia e comunidades e pela defesa à igualdade de gênero em cargos de liderança.
Sem qualquer menção direta ao mandatário brasileiro, o comentário vem em um momento de ansiedade em torno do tom que será adotado pelo presidente brasileiro em sua fala, que precede à de seu colega americano, Donald Trump, que neste ano fará seu terceiro discurso no imponente salão projetado a partir de desenhos de Oscar Niemeyer e Le Corbusier.
Em 2017, em sua estreia na megaconferência da ONU, Trump fez piada com o líder norte-coreano Kim Jong-un, chamando-o de "rocket man" ("homem do foguete", em tradução livre) e dizendo que ele estava em uma "missão suicida". A fala, vista como pouco diplomática, ganhou manchetes em todo o mundo e respostas duras de Kim Jong-Un, que disse posteriormente, em nota, que "cachorro assustado late alto".
A Assembleia Geral da ONU é vista como o principal fórum de debate da ONU, já que é o único órgão das Nações Unidas que inclui representantes de todos os países-membros. Membros podem discutir qualquer assunto que esteja na Carta da ONU, de segurança internacional ao orçamento da instituição. A Assembleia pode fazer recomendações, baseadas em suas deliberações - mas não tem poder para forçar os países a agirem de acordo com suas decisões.
Em assuntos-chave, incluindo os de segurança internacional, uma maioria de dois terços é necessária para adotar uma resolução. A Assembleia Geral se encontra por três meses do ano, a partir de setembro, e para sessões especiais e de emergência.
Sua sessão anual começa com um "Debate Geral", em que cada país-membro faz uma declaração sobre sua perspectiva dos eventos mundiais. É este o evento marcado para o próximo dia 24.
'Sair da ONU'
Bolsonaro tem um histórico de críticas às Nações Unidas e seus líderes.
O último episódio aconteceu no início de setembro, quando o presidente brasileiro atacou Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile e atual Alta Comissária de Direitos Humanos da ONU.
"Senhora Michele Bachelet, se não fosse o pessoal do Pinochet derrotar a esquerda em 1973, entre eles seu pai, hoje o Chile seria uma Cuba. Parece que quando tem gente que não tem o que fazer, como a senhora Michelle Bachelet, vai lá para a cadeira de direitos Humanos da ONU", disse o brasileiro a jornalistas. Alberto Bachelet, pai de Michelle, era general e resistiu ao golpe militar de Augusto Pinochet, que completou 46 anos neste mês. Ele foi preso, torturado e morto pela ditadura militar.
Pelo Twitter, junto a uma foto de Bachelet, Dilma Rousseff e Cristina Kirchner, Bolsonaro escreveu: "Michelle Bachelet, Comissária dos Direitos Humanos da ONU, seguindo a linha do Macron em se intrometer nos assuntos internos e na soberania brasileira, investe contra o Brasil na agenda de direitos humanos (de bandidos), atacando nossos valorosos policiais civis e militares."
A ira do presidente veio de uma fala de Michelle Bachelet em 4 de setembro, em Genebra. Principal autoridade ligada a direitos humanos na ONU, Bachelet alertou sobre o que percebe como uma "redução do espaço democrático" no Brasil e criticou ataques e assassinatos de defensores de direitos humanos e comunidades indígenas.
"Dissemos ao governo que é preciso proteger os defensores dos direitos humanos e do meio ambiente, mas também examinar as medidas que podem desencadear violências contra esses defensores", disse Bachelet.
Em 18 de agosto do ano passado, já à frente nas pesquisas de intenção de voto para a presidência, Bolsonaro disse que retiraria o Brasil do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
"Se eu for presidente eu saio da ONU, não serve pra nada esta instituição", disse. "(O Conselho de Direitos Humanos) É uma reunião de comunistas, de gente que não tem qualquer compromisso com a América do Sul, pelo menos", disse o candidato do PSL.