Presidente do colegiado desengavetou proposta que usa eufemismo "possuir e portar os meios necessários" à legítima defesa para liberar armas
Depois da tentativa frustrada do presidente Jair Bolsonaro (PSL) de autorizar por decreto, em uma canetada, a ampliação das permissões para posse e porte de arma – ato que acabou derrubado pelo Senado Federal, agora é a vez de a Câmara dos Deputados avocar para si uma das promessas de campanha presidencial durante as eleições. Sem fazer muito alarde, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Felipe Francischini (PSL-PR), desengavetou e misturou aos demais assuntos da pauta uma Proposta de Emenda à Constitução (PEC) parada desde 27 de junho que usa uma espécie de eufemismo para se referir ao assunto.
De acordo com a justificativa do texto, “a lei deve assegurar ao cidadão o exercício da legítima defesa e o direito de possuir e portar os meios necessários para a garantia da inviolabilidade dos direitos”.
Em outras palavras, cada pessoa que se sentir ameaçada ou em condições de vulnerabilidade pode requerer o direito de se defender usando, por exemplo, uma arma de fogo – possibilidade autorizada pela expressão abrangente “possuir e portar os meios necessários” para isso.
A PEC é de autoria do deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC) e pretende aperfeiçoar o Artigo 5º da Constituição, acrescentando a ele “a legítima defesa, com o emprego dos meios a ela inerente, atribuindo a essa modificação o direito constitucional fundamental do preceito de inviolabilidade à vida”.
De acordo com a vice-presidente da CCJ, deputada Bia Kicis (PSL-DF), a PEC assegura o direito à legítima defesa que está na Constituição. A proposta conta hoje com 200 assinaturas, 29 a mais que o número necessário para ser apresentada e tramitar, que é de 171.
Para o professor de Direito e Pensamento Político da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Marcos Marrafon, a PEC “é desnecessária, ambígua e com péssima técnica legislativa”, podendo ensejar interpretações inconstitucionais. “Já existem vários mecanismos de defesa dos direitos fundamentais e essa PEC tenta forçar uma situação de porte de arma que não decorre necessariamente do texto”, critica o docente.
A questão do armamento da população é um assunto espinhoso, que ganhou força com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. O então candidato prometeu armar as pessoas “de bem” com o discurso de que a ação seria um remédio para os altos índices de criminalidade no país. Um dos primeiros atos quando assumiu a cadeira no Palácio do Planalto foi editar o decreto que alterava as regras sobre o uso de armas e munições.
Em junho, Bolsonaro propôs (e conseguiu que os parlamentares aprovassem) permissão para o proprietário rural com posse de arma de fogo utilizar a arma em todo o perímetro da propriedade; estendeu autorização para colecionadores, atiradores desportivos e caçadores poderem ir de casa ao local de tiro com a arma com munição, além de o direito à compra de até 50 cartuchos por ano passará para até mil cartuchos por ano.
Ele, porém, esqueceu de “combinar com os russos” do Senado. E o decreto presidencial acabou vetado em junho. O plenário do Senado aprovou, por 47 votos a 28, o parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) que pedia a suspensão dos decretos de Bolsonaro. Derrotado, o presidente recuou em vez de atacar o Senado. “Sou um democrata, e não um ditador”, afirmou na ocasião.
Incansável, entretanto, o presidente não se deu por vencido, e enviou novamente a proposta, mas como projeto de lei, respeitando o rito da Casa. Porém teve de tirar o caráter de urgência da matéria a pedido de Rodrigo Maia (DEM-RJ). A urgência constitucional dificultaria o andamento das demais pautas do plenário.