No ano passado, Rosa Weber só convocou reuniões sobre o tema após o 1º turno
Depois de ser “surpreendido” com a disseminação de fake news nas eleições passadas, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) prepara o lançamento de um programa de enfrentamento à desinformação com foco na disputa de 2020. Segundo o TSE, o objetivo é desenvolver ações para enfrentar os efeitos negativos que a desinformação “provoca na imagem e credibilidade da Justiça Eleitoral, na realização das eleições e nos atores nelas envolvidos”.
“O tribunal almeja contar com a participação de instituições públicas e privadas”, diz o convite do TSE, obtido pelo Estado. O anúncio da iniciativa está marcado para uma solenidade na sexta-feira, 30, a quase um ano da próxima eleição - o primeiro turno das eleições municipais está marcado para 4 de outubro de 2020. A nova ofensiva da Corte Eleitoral está sendo coordenada pelo ex-diretor-geral da Polícia Federal Rogério Galloro, atualmente assessor especial da Presidência do TSE.
O lançamento do programa marca uma mudança de postura na gestão da ministra Rosa Weber. Depois que assumiu o comando da Corte Eleitoral, em agosto do ano passado, Rosa só convocou reuniões do Conselho Consultivo Sobre Internet e Eleições depois do primeiro turno, quando o problema já havia adquirido grandes proporções. O colegiado, que reunia integrantes do Executivo, da sociedade civil e do próprio tribunal para elaborar estratégias contra a disseminação de notícias falsas, acabou extinto neste ano.
Para Diogo Rais, especialista em direito eleitoral digital da FGV Direito SP, o TSE foi rápido ao julgar casos de fake news contestados por adversários políticos no ano passado, mas demorou na elaboração de uma vacina para proteger a própria Justiça Eleitoral de ataques contra a instituição. “De certa maneira, a preocupação que havia para 2018 era que os candidatos seriam vitimas ou agressores (na questão de notícias falsas), mas não se discutia se as instituições seriam atacadas. E, no fim, dentre as instituições, o próprio TSE foi atacado”, disse.
“O TSE reagiu ao problema das fake news, mas diante da velocidade e da quantidade, uma reação não é suficiente para resolver o problema. É preciso uma ação prévia, preparatória, de informação sobre a segurança do sistema das urnas.” Imagem. Durante a campanha de 2018, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal foram acionados para investigar diversos casos de fake news pelo País. A própria Rosa se tornou alvo de ameaças disparadas na internet e passou a andar escoltada por agentes.
Um dos episódios mais emblemáticos contra a imagem da Justiça Eleitoral foi o de um vídeo com uma urna que supostamente se “autocompletava” quando a tecla “1” era digitada, mostrando em seguida a imagem do candidato Fernando Haddad (PT). O vídeo acabou desmentido pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG).
O então candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, por sua vez, colocou em xeque a credibilidade da Justiça Eleitoral, ao afirmar que as eleições de 2018 poderiam resultar em uma “fraude” devido à ausência da impressão de voto nas urnas.
“Iniciada a disputa eleitoral propriamente dita no mês de agosto, para além das fake news na propaganda eleitoral relativas a partidos e candidatos, sob as quais recaíam até então as preocupações desta casa, fomos surpreendidos por um movimento paralelo de direcionamento maciço de ataques à Justiça Eleitoral, com a divulgação em larga escala de notícias falsas visando ao descrédito da instituição e seus integrantes”, reconheceu Rosa em maio deste ano, na abertura de um seminário internacional sobre o tema.
Procurada pela reportagem, a assessoria do TSE informou que o objetivo do novo programa é “agregar parceiros”, sem ônus para o tribunal, mas alegou que as iniciativas e ações previstas só serão conhecidos na sexta-feira. Ao convidar possíveis colaboradores para o lançamento do Programa de Enfrentamento à Desinformação, o TSE não apresentou mais detalhes da iniciativa.
O Estado apurou que, na solenidade do dia 30, deverá ser anunciada a adesão de pessoas de fora do tribunal ao programa - entre os convidados estão agências de checagem de notícias, plataformas e representantes de entidades. Na mesma data, Rosa deverá se reunir com presidentes dos tribunais regionais eleitorais em Brasília.
Atas
A disseminação de notícias falsas retorna à pauta do TSE cerca de três meses depois de Rosa levantar o sigilo das atas do conselho. Conforme revelou o portal do Estadão, o TSE discutiu reservadamente ao longo do ano passado dar “poder de polícia” para permitir que juízes eleitorais removessem fake news disseminadas na internet, mesmo sem serem provocados por alguém. No entanto, a proposta de minuta (da equipe do ministro Luiz Fux, antecessor de Rosa na presidência do TSE), não foi levada adiante, por abrir margem para excessos e censura.
Atualmente, os juízes eleitorais possuem “poder de polícia administrativa” para determinar, por iniciativa própria, a remoção de propaganda eleitoral irregular, como outdoors espalhados pelas ruas e faixas de candidatos dispostas sobre gramados, por exemplo. A proposta discutida pelo conselho do TSE em junho do ano passado era garantir esse poder também para a análise do conteúdo falso disseminado na internet: ou seja, um juiz poderia examinar sozinho se o conteúdo divulgado na web era ou não fake news - e ele mesmo determinar a sua remoção, mesmo sem ser provocado por alguém.