Presidente promete revelar no encontro, ''a verdade'' sobre interesse estrangeiro na região
O presidente Jair Bolsonaro recebe nesta terça-feira (27), no Palácio do Planalto, os nove governadores de estados que compõem a Amazônia Legal para discutir formas de combater as queimadas na região. O encontro foi solicitado por carta enviada pelo grupo ao presidente, a fim de definir “providências imediatas” para as áreas afetadas. O texto aponta que as medidas necessárias passam por “apoio material para o enfrentamento efetivo ao desmatamento” e incremento das ações de fiscalização de atividades ilegais. A Amazônia Legal é formada por Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.
Na tarde dessa segunda-feira (26), em postagem no Twitter, Bolsonaro afirmou, que, durante a reunião, revelará o que chamou de “a verdade sobre o que os outros (países) querem com a rica região”. Citando a Bíblia, o presidente lembrou do versículo 32 do capítulo 8 do Evangelho de João 8:32, que diz: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.
O governador de Roraima, Antônio Denarium (PSL), foi o primeiro a requisitar a ajuda de tropas federais, conforme prevê o decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), assinado na última sexta-feira pelo presidente da República. No mesmo dia, Denarium afirmou que, em Roraima, não havia focos de incêndio, e que solicitaria a medida preventivamente. Ele apontou que Tocantins, Mato Grosso e Pará são os estados mais críticos. De acordo com o Ministério da Defesa, até esta segunda-feira (26/8), dos nove estados que compõem a Amazônia Legal, sete tiveram a GLO autorizada pelo presidente Jair Bolsonaro, e planejarão ações de apoio das Forças Armadas às iniciativas já em andamento de combate aos focos de incêndio na região. Já os estados do Amapá e do Maranhão foram os últimos a realizarem a solicitação da GLO, ainda nesta segunda-feira (26/8), e podem ter a ajuda federal confirmada a qualquer momento.
Sanções
Além dos impactos ambientais, os governadores se preocupam com os efeitos que as queimadas podem ter nas economias locais, sobretudo se países que são parceiros comerciais do Brasil adotarem sanções contra produtos nacionais. Segundo o professor de relações internacionais do Iesb Luiz Fernando Ferreira, apesar de o Ministério da Agricultura não ter recebido nenhuma notificação de suspensão de compras de produtos brasileiros, o risco não está descartado. “Isso ainda poderá acontecer porque a situação está se desenrolando. Agora, depois da reunião do G7, os países começam a se articular para decidir sobre isso. É um risco iminente”, avaliou.
A ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, ao participar de um evento nesta segunda-feira (26/8) em São Paulo, apontou que os produtos agrícolas da região da Amazônia “cumprem todos os requisitos” e “têm certificação para exportação”. A ministra voltou a destacar que “não há relação entre as queimadas no Norte do país e o agronegócio brasileiro”.
Três perguntas para Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa)
Qual a gravidade das queimadas que atingem a Amazônia? É possível atribuir a causa à seca?
O que está acontecendo está completamente fora do padrão e diretamente relacionado ao surto de desmatamento que vem ocorrendo desde maio, como mostrou o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Basta ver como os focos coincidem com os municípios onde há mais desmatamento. O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) divulgou análise de dados meteorológicos dos últimos anos. A seca deste ano está dentro do padrão, não há a presença do fenômeno El Niño, que reduz o volume das chuvas. Então, o que explica é o discurso do presidente, a falta de aplicação de multas, o aviso prévio antes de fazer ações de fiscalização. Tudo isso tem um componente simbólico que levaram fazendeiros a se organizar.
Quais as consequências desses incêndios? Queimadas são diferentes de incêndios. As queimadas são usadas para agricultura ou pastagens, e precisam ser feitas de forma controlada. Incêndios podem ser provocados ou terem causa natural. Os incêndios estão escapando para a floresta, coisa que acontece mais em secas extremas. Quando o fogo entra na floresta, ela fica mais vulnerável a incêndios futuros. Isso porque há um acúmulo de madeira morta. Quando tiver outra seca, o fogo entra com chamas maiores e isso cria um círculo vicioso que vai destruir a floresta. Além disso, libera gás carbônico e metano, que aquecem o clima. Com quatro incêndios como este, não há mais floresta. Isso é algo muito perigoso, porque foge ao controle. Portanto, não se trata apenas do efeito estufa, que é uma preocupação mundial, mas também da reciclagem de água, pois a Floresta Amazônica é responsável pelo vapor d’água e pontos de chuvas em São Paulo, no Centro- Sul do Brasil e também em países vizinhos. A Floresta Amazônica é responsável por 70% da água de São Paulo. Sem a floresta, essa chuva não ocorre. Sem essa água, a produção agrícola está ameaçada.
É possível recuperar a floresta queimada? Como o setor do agronegócio pode ajudar a conter isso? A recuperação pode acontecer, mas é difícil. A área tem que ser defendida, não podem acontecer novos incêndios, tem que monitorar, não deixar entrar para explorar madeira, então, envolve gastos. Uma floresta pode se regenerar, mas leva muito tempo, 70 ou 80 anos para ter uma floresta secundária considerada razoável. Mas, na prática, não é isso o que acontece. Ninguém vai ficar décadas e décadas esperando recuperar a floresta. Acabam transformando em pastagens ou grilagem. Há coisas que o agronegócio pode fazer, pois o presidente não ouve cientistas, mas ouve o agronegócio. Por exemplo, tem uma forte tendência a tirar o licenciamento ambiental desse setor e de descentralizar o licenciamento, concentrando nos estados, o que torna o licenciamento mais fácil, e isso é muito perigoso. Basta lembrar Brumadinho, que teve licenciamento estadual. Nos estados, os grupos de interesse estão mais próximos dos poder público e conseguem maior influência. É muito importante o país acordar para a importância da Amazônia. É preciso entender que ela está prestando serviços ambientais essenciais para todos. “Sanções contra produtos nacionais ainda podem acontecer. Depois da reunião do G7, os países começam a se articular para decidir sobre isso. É um risco iminente” Luiz Fernando Ferreira, professor de relações internacionais do Iesb