Talvez seja a cena mais bela de Nada a Perder 2 – a única realmente boa? – a inauguração do grande templo da Igreja Universal em Soweto, na África do Sul. Os fiéis, em multicoloridos trajes tribais que afirmam sua identidade cultural, dançam dentro da igreja e o próprio bispo Edir Macedo junta-se à comemoração. “Só vocês, só Soweto para me fazer dançar”, proclama do seu púlpito. Nada a Perder 2 estreou na quinta-feira, 15, em salas de todo o Brasil. Só na Grande São Paulo são 145 salas, mas menos do que as 167 da primeira parte. Nada a Perder protagonizou o que não deixa de ter sido um escândalo. Converteu-se na maior bilheteria do cinema brasileiro, com 12 milhões de ingressos vendidos.
Lotações esgotadas, salas vazias. Na época, a reportagem visitou várias salas e ouviu sempre a mesma história dos espectadores. Raros admitiam haver comprado ingressos. A maioria dizia que os havia recebido nos próprios templos. Só que, mesmo com ingressos garantidos, muito menos que os tais 12 milhões fizeram o esforço de ir às salas.
Na quinta-feira à noite, quando o repórter foi ao PlayArte Marabá, no centro de São Paulo, havia pouca gente na sala. No sábado à tarde, quando voltou, havia muito menos – quatro espectadores, incluindo ele. E, desta vez, a lotação não estava teoricamente esgotada. Foram os únicos ingressos vendidos para a sessão.
Alexandre Avancini, que dirige Nada a Perder 2 -, também dirigiu o 1 e fez a redução de Os Dez Mandamentosde novela para filme -, deve ter lido seu Joseph Campbell. A trajetória do herói, o arco dramático. Edir Macedo segue como herói quixotesco, enfrentando moinhos. Igreja (Católica), políticos, magistrados, todos se unem contra ele.
Mas o herói, com sua crença inabalável em Deus, a todos enfrenta (e vence). O chute na santa, episódio visceral na cruzada anti-Edir, é extensamente lembrado, mas não mostrado. Gera um pedido de desculpas e uma defesa do sincretismo – respeito à fé de todos, qualquer que seja.
Talvez seja esse o conceito da parte 2 da biografia do bispo. No Brasil polarizado, a defesa da tolerância, o apelo à fraternidade. A inauguração do grande templo em São Paulo tem direito a imagens de autoridades da época (Dilma e Temer) na plateia. O magistrado e o político da ficção, que tanto perseguiram o bispo, são desmascarados e presos. A peregrinação ao Monte Sinai tem êxito. Deus, como Moisés, ouviu Edir Macedo – ecos de Os Dez Mandamentos?
A ficção incorpora trechos documentais, do bispo e sua família, de auxiliares. Tudo bem feito, bem acabado. O filme manipula? Com certeza. É chapa-branca. Toda a tentativa de destruir o bispo e sua reputação é obra do Grande Satã, para usar a linguagem do aiatolá Khomeini contra os EUA, no auge da crise com o Irã. O Satã, vários vezes citado, nunca nominalmente, é a emissora concorrente (da Record). Nada a Perder 2 não é um filme inocente, sobre um herói glorificado, e maior que a vida. Tudo ali tem um objetivo, o fortalecimento de uma ideia, um conceito. Seria mais fácil de ser descartado, não fossem os atores. Nem a maquiagem de envelhecimento compromete. Petrônio Gontijo e Day Mesquita, que fazem o bispo e a mulher, Ester, são bons.