Presidente paraguaio Mario Abdo Benítez vive uma crise política por ter negociado acordo sobre Itaipu com governo brasileiro
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada pelo Congresso do Paraguai para apurar a atuação do presidente Mario Abdo Benítez e do vice-presidente Hugo Velázquez no acordo para renegociação da venda de energia de Itaipu vai investigar supostos privilégios à empresa brasileira Léros, ligada ao empresário Alexandre Giordano, suplente do senador Major Olímpio (PSL-SP).
Segundo o senador Eusebio Ramón Ayala, do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), nomeado para compor a comissão, existem indícios de que a Léros recebeu tratamento preferencial em relação às demais empresas que demonstraram interesse à Administração Nacional de Eletricidade (Ande, a Eletrobrás paraguaia) em intermediar a venda da energia excedente para o país vizinho.
Vamos investigar a ata (que sacramentou o acordo), todo o trabalho prévio, consequências e conexões com a Léros”, disse Ayala, integrante da oposição, ao Estado. Há suspeita de que a empresa buscasse monopólio na revenda no mercado brasileiro de uma cota de 300 MegaWatts de potência de Itaipu.
A CPI composta de dez parlamentares deve ser oficialmente instalada na próxima semana depois que o Partido Colorado, governista, indicar seus nomes. Segundo pessoas que acompanham a investigação aberta pelo Ministério Público do Paraguai, a Léros é a única das empresas que demonstraram interesse pelo negócio a ser citada nas mensagens enviadas pelo advogado José “Joselo” Rodríguez, que se apresentava como assessor jurídico do vice-presidente (Velázquez), ao ex-presidente da Ande, Pedro Ferreira, que renunciou por discordar dos termos do acordo, considerado no Paraguai como lesivo ao país.
Em uma das mensagens, Joselo menciona o modelo de contrato para compra de energia entre a Ande e a Léros. “Eles entraram em contato comigo hoje e estão interessados em continuar a operação”, diz Rodríguez.
Em outra mensagem, o advogado diz falar em nome do presidente e do vice e pede que seja excluído o item 6 da ata bilateral para não prejudicar a Léros. O item 6, pivô de toda a crise que envolve o país vizinho, previa que a Ande fosse autorizada a negociar a energia excedente de Itaipu, extinguindo a necessidade de intermediários. Isso fecharia as portas a empresas como a Léros. O item 6 foi excluído da ata.
“Eles não estão de acordo com tornar pública a intenção do Paraguai de comercializar energia no Brasil em consequência de conversas com o mais alto comando do país vizinho, que julgaram que isso não era favorável, com o objetivo de conservar o manuseio prudente da informação e a operação em curso (da Léros) tenha êxito”, escreveu o advogado.
De acordo com fontes próximas aos procuradores responsáveis pela investigação, nenhuma outra empresa foi citada nas conversas às quais o MP paraguaio teve acesso até agora.
Além disso, o senador Ayala diz que a Léros foi favorecida em uma reunião em Ciudad del Este da qual participaram Joselo, Giordano, diretores da Ande e representantes da empresa brasileira.
Em entrevista ao jornal ABC Color, Joselo disse que Giordano se apresentou como senador e falou em nome da família presidencial brasileira. O suplente de senador e a família Bolsonaro negaram.
A reportagem tentou contato por telefone com Kléber Ferreira, sócio da Léros, e com Giordano, mas ambos não atenderam as ligações.
Tanto Ferreira quanto Giordano afirmaram, na semana passada, que participaram de uma reunião com a diretoria da Ande neste ano, mas para tratar de um chamamento público para venda de energia aberto pela estatal paraguaia.
Os dois negaram haver qualquer relação do encontro com as alterações feitas na ata bilateral de Itaipu e também disseram que não usaram o nome Bolsonaro nas negociações.
O objetivo da CPI paraguaia é descobrir se o presidente e o vice lesaram os interesses paraguaios ao aceitar o acordo considerado prejudicial ao país vizinho. As negociações ocorreram em sigilo até que o ex-presidente da Ande, Pedro Ferreira, e o ex-diretor técnico, Fabián Cáceres, renunciaram aos cargos por discordar dos termos da ata. Manifestantes montarão amanhã uma vigília na frente do Congresso Nacional para cobrar a apuração rigorosa do episódio.