Abusos se normalizarão, com a possibilidade de forças-tarefa se transformarem em milícias, e deixaremos de ter um Estado de Direito, segundo Gilmar Mendes
Diante das mudanças políticas e institucionais que vêm ocorrendo nos últimos tempos no Brasil, é preciso ser ortodoxo e manter referenciais. Caso contrário, abusos se normalizarão, com a possibilidade de forças-tarefa se transformarem em milícias, e deixaremos de ter um Estado de Direito. Isso é o que afirmou o ministro do Supremo Tribunal Gilmar Mendes nesta terça-feira (23/4), no encerramento do VII Fórum Jurídico de Lisboa, na capital portuguesa.
Para Gilmar, é necessário defender a ortodoxia quanto às funções de órgãos públicos. Especialmente porque, no cenário atual, são produzidas "situações anômalas'. Um exemplo, segundo o ministro, está no ambiente "de ataques, de perturbações, de cerco" a magistrados. "Como exigir do juiz, não é coragem, é heroísmo, nesse ambiente? Isso é extremamente difícil. E criou-se esse ambiente, como se fosse correto, a partir desse massacre que se faz nas redes sociais. Isso precisa ser repudiado, pois passou a ser incentivado", disse.
Com isso, faz-se uma divisão entre “bons” e “maus”. E os “bons”, de acordo com Gilmar, são “aqueles que fazem aquilo que a chamada opinião pública entende que está correto”. Como esta é contra a medida, conceder Habeas Corpus contra prisão indevida passou a ser um “ato heroico”, destacou o magistrado.
“É o caminho para a barbárie. Negar HC a quem tem direito porque eu quero me acovardar é barbárie. Assim se constrói o caminho para a desinstitucionalização. Assim precisamos voltar à ortodoxia. Vamos respeitar aquilo que está no texto constitucional, impedir esse tipo de vilipêndio, que se torna extremamente comum. Uma sanha que nos envergonha enquanto processo civilizatório. Isso não é digno de nós. Não é isso que nós aprendemos. Nem é bom para a magistratura esse ativismo exagerado. Julgue o processo com a sobriedade necessária. O juiz não é sócio do delegado ou do procurador”, opinou Gilmar Mendes.
A intervenção do “partido da polícia” – como definido pelo jornalista Reinaldo Azevedo - não é da democracia, e sim “um engendramento do nazifascismo”, avaliou o integrante do Supremo. Ele criticou as diversas disputas eleitorais de 2018 decididas pela polícia, Ministério Público e Judiciário com buscas e apreensões e ordens de prisão. E apontou que forças-tarefa podem se transformar em milícias e acabar com o Estado de Direito.
"É preciso conter os abusos que se perpetram. Não é difícil se transformar daqui a pouco força-tarefa em milícia. É evidente que isso se transforma. É um passo. Porque é a falta de limites. Estado de Direito não significa nada mais, nada menos do que neste ambiente não há soberanos. Todos estão submetidos à lei. Quando algum grupo se convola em soberano, ele faz a lei. Faz a lei porque vaza informações, faz a lei porque define o destino das pessoas, decreta prisão abusiva e tudo mais. E aí nós já não estamos mais vivendo no Estado de Direito. Nosso compromisso é com o constitucionalismo, com o Estado de Direito, com a Constituição Federal", afirmou Gilmar Mendes.