O decreto assinado anteontem pelo presidente Jair Bolsonaro que extingue órgãos colegiados da administração federal pode acabar com até 30 conselhos e comissões de participação e controle social em áreas como erradicação do trabalho escravo e pessoa com deficiência. Além disso, a medida pode afetar outras dezenas de colegiados criados por lei e que existem há décadas com o objetivo de garantir participação social em setores como economia, educação, saúde e direitos humanos.
A Casa Civil justificou a extinção dizendo que "a medida visa desburocratizar os níveis de decisão, garantindo que as políticas públicas tratadas por aquele colegiado continuem sendo decididas pelo órgão sem necessidade de decisão colegiada, que deixa o processo moroso".
Alguns deles existem há mais de 20 anos como o Conade (pessoa com deficiência), criado em 1999. Para integrantes destes colegiados, as extinção do Conade contraria a agenda da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, de inclusão das pessoas com deficiência auditiva.
Ainda estão na mira do decreto presidencial o CNCD/LGBT (diversidade sexual), CNDI (idosos), CTPCC (transparência e combate à corrupção), Conad (política sobre drogas), Conatrae (trabalho escravo), CNPI (política indigenista), Conaeti (trabalho infantil) e o Comitê Gestor da Internet No Brasil (CGI.br), entre outros. Em fevereiro, o jornal O Estado de S. Paulo mostrou que o governo havia paralisado e esvaziado comissões com participação da sociedade civil - pelo menos 11 conselhos, colegiados ou comissões foram afetados.
Em pronunciamento em rede social, anteontem, Bolsonaro falou na existência de até mil colegiados. Outros órgãos do governo estimam o número em 700. Segundo integrantes destes grupos, o cálculo inclui grupos de trabalho e comissões interministeriais. O número de conselhos de participação social, cujo objetivo é formular e fiscalizar políticas públicas, não passa de 50.
De acordo com a Casa Civil, "o objetivo do decreto é fazer com que os órgãos públicos revejam todos os seus colegiados". Segundo o ministério, "serão automaticamente extintos os colegiados que não forem recriados segundo as novas regras que são mais rígidas".
As regras determinam a redução do número de viagens, reuniões por videoconferências e limitação do número de integrantes. Segundo uma fonte do governo, as discussões concluíram que era preciso dar mais "racionalidade" ao processo.
Para representantes da sociedade civil, o decreto abre brecha para o governo recriar os colegiados alterando sua composição e, assim, garantindo o controle sobre deliberações. "Em alguns casos eles vão tentar mudar a composição para garantir o controle político. O Onyx (Lorenzoni, ministro da Casa Civil) sempre apresentou a posição de que a participação social é uma coisa que atrapalha o governo", disse o presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Léo Pinho.
A medida provocou reações na oposição. O presidente do PSOL, Juliano Medeiros, disse que vai ajuizar ação popular para sustar os efeitos do decreto. "Bolsonaro institucionaliza suas tendências autoritárias", disse ele. O deputado Helder Salomão (PT-ES) apresentou projeto de decreto legislativo que anula o ato de Bolsonaro.
Em nota, a Transparência Brasil afirmou que, com a decisão, o governo "dá mostras de que pretende ser distante da sociedade civil, pouco transparente e com baixa capacidade de responsabilização". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.