Governo tem até o dia 15 para enviar a LDO ao Congresso. Equipes técnicas do governo e independentes defendem reposição só pela inflação
Em uma semana, o governo Bolsonaro terá que tomar uma difícil decisão econômica. Se mantém a atual política de reajuste do salário mínimo, instituída nos governos petistas, que dá ganho real à remuneração (inflação + crescimento da economia), ou se determina que o mínimo seja reajustado apenas pela inflação.
Estudos técnicos, tanto dentro do governo como de intituições independentes, apontam para a segunda como a única opção viável. Segundo estes estudos, não há espaço nas contas do governo para dar ao mínimo reajuste além da inflação oficial. Caso se opte por manter o aumento real, o déficit da Previdência vai crescer ainda mais (grande parte dos benefícios do regime geral é de um salário mínimo), e em poucos anos o governo não conseguirá cumprir o teto de gastos.
O não cumprimento do teto de gastos tem graves consequências. Algumas estão no próprio texto constitucional. Em caso de descumprimento, servidores públicos têm os salários congelados, por exemplo. Não ganham nem reposição pela inflação. Nenhuma despesa pode ter crescimento real, o que, por si só, inviabilizaria uma eventual política de ganho real do salário mínimo. E, no longo prazo, o abandono precoce do teto de gastos levaria os juros novamente às alturas, à desvalorização do real e o desemprego tende a crescer. Tudo isso pela mudança das expectativas dos agentes econômicos.
A grande dificuldade da equipe técnica, no entanto, é convencer a ala política do governo de que tirar o ganho real do mínimo é fundamental. Há um custo político envolvido, já que niguém gosta de ser o portador da má notícia. Fora isso, a discussão sobre o mínimo pode contaminar o debate, já não muito organizado, da reforma da Previdência no Congresso.
A decisão sobre o mínimo tem que estar no texto da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2020, elaborada pelo Ministério da Economia e enviada pelo governo até 15 de abril ao Congresso, para tramitar. No projeto, o governo tem que apresentar as expectativas de PIB (crescimento do País), inflação e reajuste do salário mínimo.
Para a IFI (Instituição Fiscal Independente), o reajuste do mínimo apenas pela inflação é a única opção responsável do ponto de vista fiscal, como explica o diretor Gabriel Leal de Barros.
— Quando o governo definir o valor de salário mínimo a gente vai saber se a política será de manutenção da regra: inflação + PIB, com aumento real, ou se vai ser só inflação. Que é o que tecnicamente tem que ser feito. Infelizmente. Como optamos por não mexer na vinculação dos gastos ao salário mínimo, qualquer aumento de salário mínimo gera um buraco fiscal (no orçamento do país) enorme.
Além de convencer a equipe política do governo, a equipe técnica terá que convencer também a base aliada no Congresso, já que a LDO tem que tramitar nas duas casas. Há ainda o risco do debate sobre o mínimo contaminar a discussão da reforma da Previdência, já que é impossível dissociar os dois assuntos.
— Isso certamente irá contaminar o debate da Previdência. Vai ter repercussão política. Isso não é importante apenas no debate isolado da reforma, mas em função das vinculações das despesas com o salário mínimo: 60% da Previdência é salário mínimo. 100% do abono salarial é salário mínimo. BPC, 100% é salário mínimo. É uma discussão que afeta a discussão reforma da Previdência e tem impacto político mesmo que a reforma da Previdência não estivesse na mesa. Será que os partidos do centro, a potencial futura base do governo, topam uma regra de salário mínimo que não dê reajuste real?
De acordo com a IFI, o ganho real para o mínimo só seria possível se não houvesse essa vinculação do valor com os benefícios previdenciários.
— O ideal era que se desvinculasse. As despesas sem vinculação ao salário mínimo. Porque aí você poderia dar aumento para o salário mínimo sem afetar as contas públicas. Hoje um aumento real no salário mínimo tem grande impacto nas contas públicas. Como isso não está na mesa, a desvinculação, você tem que segurar o salário mínimo ainda nesse mês e isso vai se juntar ao debate da Previdência. E isso vai criar um ruído. E politicamente o governo vai ter que se defender para que o salário mínimo seja corrigido só com a inflação.
Para Leal de Barros, tudo está interligado. O ganho real do mínimo pressiona a Previdência e compromete o teto de gastos, que é o único balizador do País de que o governo não vai ter uma dívida impagável. Sem o teto, o País corre o risco de quebrar.
Redução de desigualdades
Os defensores da política de valorização do salário mínimo instituída nos governos passados atribuem à regra a redução da desigualdade social. De acordo com levantamentos, o valor do mínimo correspondia a cerca de 25% da renda média no país em 1995. Após anos de ganho real, saltou para mais de 40%.