Grupo de especialistas sugeriu que pasta fosse transformada em agência de ‘estrutura enxuta’ ligada à Casa Civil
O modo controverso como o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, lida com temas caros à sua pasta não é obra do acaso. Documentos do programa de transição do governo, aos quais O GLOBO teve acesso, analisam medidas para reestruturação — ou mesmo exclusão — do ministério.
De acordo com uma lista de providências intitulada “Proposta estratégica”, o grupo de trabalho, composto por 11 especialistas na área ambiental, cogitou “reestruturar o Ministério do Meio Ambiente (MMA) ou criar a agência nacional de meio ambiente, com estrutura enxuta, de caráter normativo, orientador e supletivo, ligada à Casa Civil”. Se essa proposta fosse seguida, o MMA seria extinto, e suas atribuições, aglutinadas por outras pastas.
O MMA foi mantido, mas, seguindo a orientação do grupo, perdeu uma série de departamentos para outros ministérios, como o Serviço Florestal Brasileiro, encaminhado para o Ministério da Agricultura.
Os documentos criticam a suposta “criação arbitrária de unidades de conservação (...) e exigências absurdas em seu entorno”e promete “operacionalizar/rever” o sistema nacional que rege a gestão dos territórios protegidos do país.
Ecoando o discurso de campanha de Jair Bolsonaro, o plano da área ambiental também condena a “indústria de multas”. Segundo o grupo, o Ibama aplicou R$ 17,7 bilhões em infrações entre 2012 e 2017, sendo quase 80% sobre o setor rural. Até 40% da verba angariada financiaria projetos de ONGs.
O grupo de transição foi capitaneado por Evaristo de Miranda, chefe-geral da Embrapa Territorial. Entre seus 11 integrantes estão Salles; o atual presidente do Ibama, Eduardo Bim; e o advogado Antonio Fernando Pinheiro Pedro, especialista em Direito Ambiental e um dos indicados por ruralistas para comandar o ministério.
‘Conselho superlotado’
Pedro é um dos autores da proposta que cria um Conselho de Governo, previsto em uma lei de 1981, que funcionaria como um “cérebro” do sistema ambiental, assumindo funções hoje realizadas pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
— O Conama está superlotado, funciona em clima de assembleia estudantil, é extremamente politizado e deixa o governo acéfalo — condena Pedro, que elogia a gestão de Salles. — Ele está no meio de uma batalha e sofre um certo isolamento em função disso. Em sua posição, não vai ganhar um concurso de simpatia.
Para a socióloga Leila da Costa Ferreira, professora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Unicamp (Nepam), o fim do colegiado seria um “absurdo”:
— É um órgão que tem seus problemas, mas onde pessoas de diferentes interesses podem sentar e traçar uma estratégia para o meio ambiente.
Já a implementação da Política Nacional de Mudanças Climáticas, que serve como horizonte sobre como o Brasil vai encarar o aquecimento global, é considerada pelo grupo de transição um “quadro absolutamente doentio e caótico”. O fórum responsável por sua discussão, segundo Pedro, é “sujeito a lobbies de toda ordem” e tornou-se “um dos maiores cabides de emprego redundantes da área governamental”.
— Toda secretaria tem uma pessoa que cuida disso e, por isso, você não enxerga uma política para o setor. A ideia é criar um núcleo específico. As mudanças climáticas existem, mas esse tema é tratado com distorção ideológica. Alguns países estão usando-o para distorcer o comércio internacional, e o Brasil é vítima disso.