Conselho de Controle de Atividades Financeiras aponta que entre junho de 2018 e janeiro deste ano, contas ligadas a João Baptista Lima Filho giraram R$ 15 milhões; força-tarefa da Lava Jato atribui movimentações suspeitas a 'esquema de lavagem capitaneado pelo ex-presidente Michel Temer'
Transações milionárias ‘sem qualquer serviço que justificasse’ ao Coronel Lima, suas empresas e familiares, que perduraram até o início de 2019, são um dos pilares da Operação Descontaminação, braço da Lava Jato que levou o ex-presidente Michel Temerà prisão. Homem forte do emedebista, João Batista Lima Filho teve suas contas devassadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Segundo os investigadores, foram detectadas ‘inúmeras transações suspeitas’ no ‘esquema de lavagem capitaneado’ por Temer e ‘gerido’ por seu amigo.
O advogado Eduardo Carnelós, que defende o ex-presidente, reage e diz que ‘pretender atribuir’ ao emedebista ‘responsabilidade por atos do Coronel Lima, porque este é seu amigo há muitos anos, constitui pilantragem intelectual’. “Desconheço o que dizem os tais relatórios do Coaf a respeito das contas do Coronel, mas seja o que for, meu cliente nada tem a ver com isso”. A defesa de Lima não quis comentar.
O inquérito que levou Temer, Lima e o ex-ministro Moreira Franco à cadeia da Lava Jato está relacionado às investigações que miram desvios em obras da Usina Angra III, da estatal Eletronuclear. De acordo com os investigadores, o Coronel Lima teria intermediado o pagamento de R$ 1 milhão em propinas da Engevix no final de 2014. A força-tarefa sustenta que o ex-presidente chefia um grupo criminoso há 40 anos, que chegou a arrecadar propinas de desvios de R$ 1,8 bilhão.
Um dos capítulos do pedido de prisão é dedicado à análise de relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf, órgão ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública responsável por centralizar comunicações suspeitas enviadas pelos bancos e entregá-las às autoridades de investigação. Das 383 páginas do documento da força-tarefa da Lava Jato, 13 se referem a transações bancárias dos investigados.
Os relatórios do Coaf revelam que até janeiro de 2019, quando já havia sido alvo de duas operações da PF, a Skala e a Patmos, e a dois meses de ir novamente para a cadeia na Descontaminação, Coronel Lima continuava girando cifras milionárias. Também mostram que a empresa apontada como intermediária das supostas propinas da Engevix pagou à empresa de Lima R$ 1 milhão no período em que o delator da empreiteira, José Antunes Sobrinho, narra os repasses em benefício do ex-presidente Michel Temer.
Os documentos expõem ainda valores que chegam a mais de R$ 17 milhões da Construbase transferidos às empresas do Coronel Lima. O dono da empreiteira está preso, também sob suspeita de ser um operador do ex-presidente.
Uma das transações chegou a ser barrada pelo banco, dada a alta quantidade de dinheiro que a instituição considerou ‘sem origem’. Em outra comunicação, um banco diz ao Coaf que questionou as transações ‘acima da capacidade financeira’, e obteve respostas que, segundo a Lava Jato, ‘não convencem’.
As relações com Angra
Obras de Angra 3. Foto: Divulgação Eletronuclear (agosto 2011)
Entre as empresas escrutinadas pelo Coaf está a AF Consult, que prestou serviços para as obras de Angra 3 no valor de R$ 10,8 milhões pagos pela estatal Eletronuclear. De acordo com os procuradores, ela tem ‘total falta de capacidade técnica’ e o contrato foi ‘objeto de peculato, tendo sido apropriado pela organização criminosa’.
A empresa é sócia da Argeplan, pertencente ao Coronel Lima, e seu contrato teria como único objetivo o pagamento de propinas para Temer. Segundo o Coaf, ‘no período de 30/10/2012 a 30/06/2016, remeteu cerca de R$ 2.269.125,76 de sua conta no Kirton Bank S/A (BANCO MÚLTIPLO) para as contas da Argeplan e outros R$ 502.548,59 para as contas de Carlos Alberto Costa Filho, administrador da empresa’.
“É possível observar que, somente no dia 29/05/2015, foi feita uma dessas transferências de alto valor da AF Consult do Brasil para a Argeplan que, como já dito anteriormente, não tinha qualquer contrapartida no trabalho, apenas recebendo os lucros”, diz a Procuradoria, com base em relatórios do Coaf.
O caso Engevix
José Antunes Sobrinho. Foto: André Dusek/Estadão – 16/09/2013
Em uma análise de períodos mais longínquos, o Conselho relata que, entre entre 2009 e 2015, a PDA Projetos, que também tem Lima e familiares como sócios, movimentou R$ 26 milhões. Entre os pagamentos, estão R$ 1 milhão da empresa Alumi em 2014, que é apontada como a intermediária de propinas da Engevix ao presidente Michel Temer. Os repasses teriam ocorrido entre outubro e novembro de 2014.
De acordo com o delator da Engevix José Antunes Sobrinho, ‘a empresa de Lima utilizada para o pagamento se chamava PDA e foi indicada pelo próprio Lima, que preparou contrato fictício entre a PDA e a Alumi’.
Ele diz que o ‘referido serviço não foi prestado, servindo apenas para pagar a vantagem indevida’. O suposto representante da Alumi, Rodrigo Castro Alves Neves, também foi preso na Descontaminação.
“Além disso, o RIF [Relatório de Inteligência Financeira] indica ter recebido também altas quantias da Engevix, envolvida também nos esquemas de pagamento de propinas a Michel Temer, em sua conta do Banco Santander”, diz a Lava Jato.
Até 2019
Em análise dos documentos do Coaf, os procuradores ainda constataram que a Argeplan ‘movimentou altas quantias, sempre seguindo também a sistemática de que os valores eram oriundos de contas de suas parceiras AF Consult, PDA ou mesmo dos sócios e administradores, como o Coronel Lima’.
Nas contas da Argeplan, somente entre junho de 2018 e janeiro de 2019, houve um giro de R$ 15 milhões.
“Entre 01/06/2018 e 10/01/2019 os créditos somaram R$ 7,922.451,04 sendo R$ 6.984.853,38 provenientes de 181 TEDs e transferências entre contas, e R$ 936.619,12 por meio de 11 depósitos realizados em São Paulo”, diz o Coaf.
A tentativa frustrada
Reprodução de relatório do Coaf
O Coaf apontou que uma pessoa não identificada realizou uma tentativa frustrada de depositar R$ 20 milhões em dinheiro vivo na conta da empresa de Lima, a Argeplan. O caso teria ocorrido em outubro de 2018, quando Lima já tinha a Lava Jato em seu encalço.
Segundo o Ministério Público Federal, Coronel Lima continua a lavar dinheiro. “prova de que Coronel Lima continua atuando na lavagem de capitais em prol da organização criminosa é a informação do COAF sobre a tentativa de depósito de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) em espécie, em 23/10/2018, na conta bancária da Argeplan, que apenas não se concretizou diante da negativa da instituição bancária”.
Construbase
Reprodução
A Procuradoria da República ainda lembra que a Construbase pagou ‘R$ 17.743.218,01, por meio de 58 transações entre 09/09/2010 a 20/08/2015, para as contas correntes da empresa PDA Projetos, do operador João Baptista Lima Filho, sem a correspondente prestação de serviços, em benefício direto de Michel Temer’.
Os investigadores afirmam que Vanderlei de Natale, dono da Construbase, possui íntima relação com Michel Temer e o Coronel Lima.
A Lava Jato diz que, além de ter participação na indicação do ex-presidente da Eletronuclear Othon Luiz Pinheiro, hoje condenado a 43 anos na Lava Jato, o empresário chegou a emprestar um helicóptero ao emedebista em 2014, para viajar a Tietê, sua cidade natal no interior de São Paulo.
‘Grande fluxo monetário’
O Ministério Público Federal ainda aponta que ‘as movimentações das contas do Coronel Lima demonstram um grande fluxo monetário entre suas contas pessoais e as de sua mulher Maria Rita Fratezi, bem como entre as contas das empresas em que detém sociedade, como a Argeplan e a PDA Projeto e Direção Arquitetônica’.
A força-tarefa da Lava Jato afirma categoricamente que ‘os aportes na empresa PDA do Coronel Lima e sua esposa Maria Rita Fratezi sem qualquer serviço que os justificassem não pararam por aí’.
“O mesmo RIF citado demonstra que, além daqueles valores, outros, que totalizaram R$ 26.121.042,00, ingressaram espuriamente na sua conta bancária no Banco Múltiplo entre 2/1/2009 e 12/9/2015, sendo encerrada a conta nessa última data certamente em razão das investigações da Lava Jato que, àquela altura, já descortinavam, por exemplo, as propinas pagas aos investigados pela obra de Angra III”, escrevem os procuradores.
‘Não convence’
Reprodução
Somente Maria Rita Fratezi, mulher do Coronel Lima, recebeu R$ 2 milhões da PDA em suas contas entre 2009 e 2016. Os bancos informaram ao Coaf que ela deu uma justificativa pouco convincente para depósitos que chegaram a R$ 208 mil em espécie.
“Cliente informa que os depósitos em espécie são provenientes dos pagamentos realizados por seus clientes e que ela prefere pagamento em espécie, pois acha mais fácil o controle. Também informa que os depósitos são realizados abaixo de R$ 10 mil para que se mantenham dentro de sua renda informada e que as TEDs realizadas para sua conta em outro banco é porque a grande parte do pagamento de suas contas está concentrada’ no outro banco. Mesmo com as explicações, cliente está movimentando acima de sua capacidade financeira”, constatou um dos bancos, em relato ao Coaf.
Os procuradores afirmam que a explicação de Maria Rita ‘não convence’.
‘Confusão Patrimonial’
Sede da empresa Argeplan em São Paulo. Foto: NILTON FUKUDA/ESTADÃO
A Procuradoria ainda analisa que ‘outra empresa pertencente ao Coronel Lima, a PDA Adminsitração e Participação, chegou a manter aplicações da ordem de mais de R$ 10 milhões’. “A origem desses valores, incrivelmente, em grande parte, vem das próprias contas da PDA Projeto e do Coronel Lima”.
“Todos esses elementos demonstram a profunda confusão patrimonial entre as pessoas dos sócios Coronel Lima e Maria Rita Fratezi, bem como das empresas AF Consult do Brasil, Argeplan, PDA Projeto e PDA Administração, cujas contas servem para o trânsito de valores de modo a dificultar a identificação da origem das quantias movimentadas, prestando-se, portanto, à lavagem dos ativos oriundos de atividades ilícitas dos investigados e forma de execução dos interesses da organização criminosa”, conclui a força-tarefa da Lava Jato.
COM A PALAVRA, O ADVOGADO EDUARDO CARNELÓS, QUE DEFENDE MICHEL TEMER
“Pretender atribuir ao Presidente Temer responsabilidade por atos do Coronel Lima, porque este é seu amigo há muitos anos, constitui pilantragem intelectual. Desconheço o que dizem os tais relatórios do Coaf a respeito das contas do Coronel, mas seja o que for, meu cliente nada tem a ver com isso. Se o MPF agisse com responsabilidade e segundo os ditames do ordenamento jurídico, jamais faria tal absurda e abjeta ilação”.
COM A PALAVRA, MAURÍCIO SILVA LEITE, QUE DEFENDE O CORONEL LIMA
A defesa de João Baptista Lima Filho informou que só irá se manifestar após ter acesso à integralidade das investigações
COM A PALAVRA, O MDB
NOTA DO MDB
O MDB lamenta a postura açodada da Justiça à revelia do andamento de um inquérito em que foi demonstrado que não há irregularidade por parte do ex-presidente da República, Michel Temer e do ex-ministro Moreira Franco. O MDB espera que a Justiça restabeleça as liberdades individuais, a presunção de inocência, o direito ao contraditório e o direito de defesa.
COM A PALAVRA, O ADVOGADO FERNANDO JOSÉ DA COSTA, QUE DEFENDE VANDERLEI DE NATALE
A defesa afirmou que não vai se manifestar.
COM A PALAVRA, AF CONSULT
Nota oficial do Grupo ÅF Consult
A ÅF não vai comentar as investigações em andamento.
Entretanto, esclarece que o grupo empresarial ÅF Consult tem 123 anos de existência e escritórios em mais de 30 países. Ao longo dessa trajetória de sucesso, já desenvolveu trabalhos de excelência em 100 países nas áreas de energia, indústria e infraestrutura. Conta atualmente com 10 mil empregados e faturamento líquido anual de R$ 4,5 bilhões. Com sede na Escandinávia, a AF Consult tem um histórico de lisura desde 1895, quando foi criada na Suécia por industriais do setor energético.
A participação da ÅF Consult na elaboração de projeto de engenharia para o reator da usina nuclear Angra 3 é comprovada e respaldada em contrato decorrente de processo licitatório vencido pelo grupo, superando três empresas internacionais concorrentes.
Auditorias independentes do Tribunal de Contas da União e contratadas pela Eletronuclear descartaram qualquer indício de irregularidades no contrato.
A conduta ética e profissional da AF Consult é reconhecida internacionalmente. A AF não compactua com irregularidades e suas práticas estão
em conformidade com as mais elevados padrões de comportamento empresarial e de compliance..”
COM A PALAVRA, A DEFESA DE CARLOS ALBERTO COSTA
Alexandre Sinigallia e Paola Forzenigo, advogados de Carlos Alberto Costa, manifestaram absoluta indignação em relação à medida repressiva. “A desnecessidade de prisão de nosso cliente já foi atestada pela própria Procuradoria Geral da República, órgão máximo de persecução penal, em manifestação apresentada ao Supremo Tribunal Federal em dezembro do ano passado. Nenhum fato novo surgiu e, mesmo assim, o Juízo de 1º Grau absurdamente reaviva a questão, demonstrando sanha punitiva desproporcional e inacreditavelmente desnecessária”.