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ÚLTIMA HORA: MP apura se Vale trocou auditor para liberar barragem



Em 2018, mineradora dispensou consultoria que não atestou a estabilidade da estrutura, que romperia em 25 de janeiro deste ano

A força-tarefa que apura o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG), com 193 mortes confirmadas e 115 desaparecidos, põe em primeiro plano agora a investigação sobre o departamento da empresa criado justamente para impedir essas tragédias. Surgido após o rompimento da estrutura de Mariana em 2015, maior desastre ambiental do País, o setor de geotecnia da Vale não só teria deixado de agir para reduzir riscos nessas estruturas, como teria trocado empresas e pressionado auditores para obter laudos de segurança, segundo os investigadores.


Essa suspeita motivou um pedido oficial dos Ministérios Públicos Federal e Estadual e das Polícias Civil e Federal para afastar todos os responsáveis por essa área, além dos principais executivos da Vale, até a próxima segunda-feira. Na lista estão cinco engenheiros e diretores de Geotecnia, além de Alexandre Campanha, gerente executivo de Governança de Geotecnia Corporativa e Marilene Christina de Assis Araujo, gerente de Gestão de Estruturas Geotécnicas. Nenhum deles, até agora, deixou suas funções e a Vale pode ser responsabilizada criminalmente.


No dia 2, o diretor-presidente Fábio Schvartsman pediu afastamento temporário de suas funções. Na mesma linha agiram Gerd Peter Poppinga, diretor executivo de ferrosos e carvão; Lúcio Flavio Cavalli, diretor de Planejamento e Desenvolvimento de Ferrosos e Carvão; e Silmar Magalhães Silva, diretor de Operações do Corredor Sudeste da Vale. O MP solicitou que os quatro, Campanha, Marilene e mais três integrantes de postos-chave deixem todas as atividades na Vale.


O principal ponto da análise da força-tarefa é a troca de empresas contratadas pela mineradora para dar laudos de segurança em Brumadinho. A mudança ocorreu em 2018, e pode ser um indício de que a multinacional sabia dos problemas na estrutura e buscou formas de continuar operando. Em setembro, a Tractebel, que prestava serviço para a Vale, informou que os dados analisados não permitiam declarar estabilidade da estrutura naquele mês. "Já ouvimos várias pessoas dentro desta linha de investigação", afirma um integrante da força-tarefa.


Em seguida ao comunicado da Tractebel , a Vale informou à empresa de auditoria externa que, por essa "divergência", não mais usaria seus serviços. Foi quando o trabalho acabou assumido pela empresa Tüv Süd, "que se encarregou de emitir a declaração de estabilidade em setembro de 2018 (com fator de segurança inferior às recomendações técnicas)", cita a força-tarefa. Um dos engenheiros da Tüv Süd que chegaram a ser presos nas investigações, Makoto Namba, disse em depoimento ter sidoi pressionado pela Vale a emitir o laudo. A questão sobre a "divergência" e os problemas levantados pela Tüv Süd são os mesmos: água em excesso na barragem, o que é apontado pelos técnicos até agora como a principal hipótese para o desastre.


A promotora Andressa Lanchotti, que coordena a força-tarefa, não comentou a troca das empresas pela Vale, e se limitou a dizer que "as investigações vão muito bem". Na recomendação enviada à mineradora por ela, promotores, procuradores e delegados, cita-se textualmente que "a área de geotecnia corporativa da Vale atuou de forma sistemática para alcançar declarações de estabilidade de barragens de estruturas que não atendiam aos parâmetros legais e estipulados pela própria empresa".


A Vale informou ao Estado nesta quinta que ainda não tem posicionamento a respeito do afastamento dos dez executivos e funcionários - e tem prazo até segunda-feira. Caso não haja o afastamento, a força-tarefa pode pleitear à Justiça até a suspensão parcial de atividades. O documento oficial da força-tarefa revela a intenção também de responsabilizar individualmente os citados pela tragédia.


O documento alerta também que o Conselho de Administração e a presidente do Comitê Consultivo Independente Extraordinário para Investigação, a ex-ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Ellen Gracie, já haviam sido notificados dos riscos em outras barragens no início de fevereiro. Mesmo assim, afirma, as medidas de segurança, como a retirada de moradores de áreas de risco, só foram tomadas depois que a Agência Nacional de Mineração (ANM) se posicionou.


O Estado apurou que a Vale enfrenta questões jurídicas e financeiras para a saída dos funcionários. Para o afastamento definitivo do presidente e dos ttrês diretores foi calculado gasto de cerca de R$ 80 milhões.


Os promotores ainda investigam porque as recomendações de segurança em painéis internacionais sobre barragens, outra das medidas práticas de segurança adotadas pela Vale pós-Mariana, também foram ignoradas. Um dos alertas, de outubro de 2018, referia-se justamente à barragem que rompeu.


Procurada, a Tractebel informa que "continua contribuindo com as autoridades". Ela já teria sido ouvida pelos promotores sobre o caso. Também por nota, a Tüv Süd disse que "está investigando minuciosamente seus processos internos, bem como possíveis causas para o trágico colapso".


Famílias

Promotores que acompanham o caso também se queixam da dificuldade em negociar com a Vale. Nesta quinta-feira, após a quinta audiência de conciliação com a mineradora para discutir o pagamento de auxílio emergencial aos afetados pela tragédia, os representantes do MPF, Edmundo Dias, e do MP-MG, André Sperling, reclamaram da morosidade da Vale.


"Sempre que é possível um adiamento, eles estão tentando fazer. O que estamos falando aqui é de pagamentos emergenciais. Só para conseguir o necessário para que as pessoas sobrevivam tem havido dificuldade", disse Sperling, frisando que as discussões ainda não envolvem as indenizações definitivas.


Mas o representante do MPF destacou que a audiência trouxe avanços, já que a empresa concordou com o pagamento de uma cesta básica por núcleo familiar durante 12 meses. Procurada, a Vale não se pronunciou a respeito.

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