Chama a atenção a velocidade com que os cenários para a tramitação da reforma da Previdência vêm se deteriorando. Tanto as previsíveis dificuldades de retomada da atividade econômica quanto as dúvidas em relação à eficiência da coordenação do governo Bolsonaro no Congresso, fatores de decisivo impacto no processo, ganharam corpo em pouco mais de 20 dias.
O artigo “O PIB de 2019 já começou a subir no telhado“, publicado neste Poder360 em 15 de fevereiro, tentava pinçar a essa tendência. Informações preliminares sobre o ritmo da economia no último trimestre de 2018, bem como observações dos desacertos na base aliada do governo no Congresso, causados pelo protagonismo do presidente Bolsonaro e de seus filhos em redes sociais, formavam então a base das conjecturas.
Nesse meio tempo, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou os dados oficiais do comportamento da economia em fins de 2018 e no conjunto do ano, confirmando que a herança positiva deixada para 2019 seria mínima. Também nesse meio tempo, depois de um carnaval que lhe foi adverso em reações populares, Bolsonaro avançou o sinal com a publicação em sua conta no Twitter de um vídeo escatológico e pornográfico, provocando forte repercussão negativa, inclusive internacional.
Para quem acredita que a reforma previdenciária é a panaceia de todos os males econômicos brasileiros, a evolução dos acontecimentos pode mesmo ser preocupante. Aprovar os “sacrifícios de todos”, configurados no aumento do tempo de contribuição para a aposentadoria e na redução dos benefícios, previstos na reforma Bolsonaro-Guedes, não só exige grande capacidade de liderança e coordenação política, como se torna missão ainda mais difícil em ambiente de baixo crescimento, marcado por níveis altos de desemprego e de informalidade.
Impressiona a rapidez com que as projeções para o crescimento desabaram. No começo do ano, os analistas convencionais projetavam expansão de 2,5% em 2019, com os mais crentes na aprovação de uma “robusta” nova Previdência ousando prever alta de 3% a 3,5%.
O fato é que, mal vencidos os 2 primeiros meses de 2019, uma variação do PIB de 2% já desponta como tendência de teto para as projeções de crescimento para o ano. Em duas semanas, entre fins de fevereiro e o carnaval, o Boletim Focus, que organiza as estimativas de uma centena de economistas de mercado, registrou um recuo de 2,48% para 2,30% na mediana das estimativas.
O encolhimento de 0,18 ponto de percentual em apenas uma semana é um fato anormal na dinâmica do relatório, que se caracteriza por apontar tendências, a partir de microvariações semanais nos indicadores.
É de se supor que curva ora em queda das projeções do crescimento ainda não encontrou um novo ponto de estabilidade. Nesta semana, a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), entidade que reúne países de economia adulta e alguns emergentes, atualizou suas estimativas para o desempenho da economia global em 2019, promovendo um rebaixamento geral das previsões de crescimento, Brasil inclusive.
Para 0 G-20, grupo que reúne as maiores economias mundiais, a previsão é de alta de 3,5% em 2019, mas deve-se levar em conta que se trata de uma média ponderada que inclui expansão de 6,2% para a China e de 7,2% para a Índia. No caso da Zona do Euro, por exemplo, a estimativa é de um avanço de apenas 1%, enquanto os Estados Unidos, nos cálculos da OCDE, deve avançar 2,6%.
Quanto ao Brasil, a OCDE, que previa em setembro alta de 2,5% para o PIB em 2019, reduziu a projeção para 2,1% em novembro e agora para 1,9%. Em linha com essa revisão, cresce o número de analistas apostando que o Brasil só avançará 1,5% este ano e já é possível encontrar estimativas abaixo disso.
Alguns fatores não recorrentes podem mitigar essa tendência baixista. Seria o caso de algum coelho na cartola do governo como foi os da liberação do FGTS, em 2017, e do PIS/Pasep, em 2018. Muitos consideram terem sido estes os principais responsáveis pelo raquítico crescimento de 1,1% em cada um daqueles anos.
Mas dificilmente, mesmo com a aprovação de alguma reforma previdenciária na 2ª metade do ano, pode-se esperar uma retomada além de modesta em 2019, até porque não se deve contar com redução significativa do desemprego, do subemprego e da informalidade. O consumo das famílias, que depende do emprego e da qualidade do emprego, não custa lembrar, responde por 60% do PIB.
À parte os ruídos provocados pelas intempestivas reações públicas de Bolsonaro e filhos na coerção das bases políticas aliadas do governo, as declarações e gestos aparentemente impensados do presidente adubam o terreno das incertezas que colaboram para paralisar decisões de investimento.
No quadro atual, em que o governo não se dispõe a atuar como locomotiva do trem do investimento, contar com aqueles que, no setor privado, poderiam ajudar a puxar a economia para cima tem pouca base na realidade.
Nesse ambiente, que tão depressa começa a ficar contaminado, já aparecem brechas nas suposições segundo as quais, se não era possível confiar integralmente em Bolsonaro, seus “Postos Ipiranga”, na Economia e na Justiça/Segurança, juntamente com os militares que o enquadrassem, dariam conta do recado. Não tem sido, de fato, assim.