Outra compra foi a de dois potes de vidro por R$ 339,60, na loja Utilidades Dular
Servidores do Senado Federal compraram indevidamente, usando o cartão corporativo, produtos que pouco ou nada têm a ver com a atividade parlamentar. Entre os gastos realizados, encontram-se suplementos alimentares para esportistas, como whey protein, mix de castanhas e chocolate fit, além de flores, almoços de luxo e sabonete líquido.
Essas revelações vieram à tona em uma auditoria realizada na Casa no fim de 2018. Como esses gastos irregulares oneram os cofres públicos, uma vez detectados, segundo informou o Senado, é necessário que sejam ressarcidos.
Apenas em produtos para atletas, foram gastos em um dos cartões R$ 700,73 no mês de fevereiro de 2018. As compras foram realizadas pela diretora da Secretaria-Geral da Mesa, Ludmila Fernandes de Miranda Castro. Entretanto, o secretário-geral da Mesa, Luiz Fernando Bandeira, disse ao Metrópoles que a compra foi feita a pedido dele pela servidora. Ele afirmou, ainda, que devolveu do seu próprio bolso o dinheiro aos cofres públicos.
“Pedi à minha chefe de gabinete para comprar para mim [os produtos]. Como fui eu que pedi, ela pensou que era no cartão. Foi um erro. Mas eu paguei pelas compras”, disse. Questionado pela reportagem, no entanto, o Senado disse, em comunicado oficial, que foi Ludmila quem devolveu o dinheiro pago na compra.
“Ainda que devidamente justificados, os gastos foram entendidos como desconformes, e a servidora ressarciu integralmente os cofres públicos, com seus próprios recursos, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU)”, diz a nota enviada.
Além das notas que demonstram as despesas, o Metrópoles teve acesso ao documento interno de 18 de maio no qual Ludmila justifica as movimentações de algumas notas datadas entre fevereiro e abril de 2018. No texto, a diretora de secretaria afirma que a compra de R$ 700,73 em alimentos para atletas “se refere à aquisição de itens alimentícios, como damasco seco, pistache, nozes, amêndoas e outros, que seriam servidos a autoridades, parlamentares e convidados de reuniões neste gabinete da SGM [Secretaria-Geral da Mesa]”.
A prestação de contas de Ludmila é assinada por Bandeira, que confirmava estar “de acordo com as justificativas apresentadas”. O servidor comissionado Wilson Roberto Alves de Souza, coordenador de Apoio Logístico, atestou o fornecimento dos produtos das notas entregues por Ludmila. Com a auditoria, no entanto, o secretário-geral da Mesa mudou o posicionamento.
“Esse erro é nosso. Nós admitimos isso em auditoria. Foi despesa indevida, como entendeu a auditoria”, afirmou Bandeira.
Sabonetes e flores
Além dos suplementos alimentares, Ludmila também efetuou uma compra de R$ 755,70 em 9 litros de sabonete líquido com aromas de flor de cerejeira e 24 litros com aroma de morango, nas lojas Renner, no dia 5 de março. Sobre isso, Bandeira disse que havia reclamações dos senadores quanto à qualidade do produto disponível para lavar as mãos na Casa. "O sabonete foi comprado para o plenário. O que era usado no Senado era aquele sabonete vagabundo, tipo de rodoviária", disse Bandeira, secretário-geral da Mesa.
Outra compra foi a de dois potes de vidro por R$ 339,60, na loja Utilidades Dular, no dia 2 de fevereiro de 2018. Três dias depois, foram realizadas compras de flores que, somadas, chegam a R$ 242, na loja Fascinação, na Asa Sul. A data é a mesma da compra de duas plantas jardineiras por R$ 800 no dia 5 de março, na loja Flores do Paranoá.
As flores, segundo Bandeira, tiveram de ser ressarcidas. “[Na auditoria] entenderam que só as flores que enfeitaram o plenário estavam ok, não aquelas que enfeitaram o gabinete do presidente [do Senado]”, disse.
Almoço
O documento relata, ainda, ida ao restaurante Figueira da Vila, com gasto de R$ 532,95 no cartão da servidora. Segundo Ludmila informou na prestação de contas, o valor pago diz respeito a uma “despesa excepcional de alimentação, quando o titular da SGM [Bandeira] teve que se deslocar para uma atividade que demandou esse tipo de despesa”. Na nota fiscal, consta que foram consumidos seis cafés expressos e, ao menos, quatro pratos principais, com opções de picanha e bacalhau.
Outras duas notas, que somadas chegam ao valor de R$ 926,50, foram justificadas por dois dias de almoço do presidente em exercício do Senado, Cássio Cunha Lima, junto a autoridades e parlamentares, nos dias 18 e 19 de abril de 2018. Uma outra nota obtida pela reportagem, com gasto de R$ 521 no dia 16 de abril, não foi mencionada.
O Senado foi questionado, mas não respondeu até a última atualização desta publicação, quanto dinheiro gasto pelos servidores mencionados foi devolvido e se houve consequências administrativas além do ressarcimento.
Farra
Ao analisar o caso, o advogado especializado em direito do consumidor Paulo Roque afirmou que os itens pagos com o cartão corporativo precisam estar “necessariamente” ligados à atividade da instituição e que, em caso de desvio, os responsáveis devem, além de devolver os valores, receber sanções para evitar o mau uso.
“A farra continua. O que está havendo é que as pessoas estão usando isso como cheque especial, para comprar o que precisam, e quem paga é o contribuinte. O que era para ser excepcional, está virando corriqueiro. Tem que haver uma limitação ainda mais severa do uso de cartões corporativos”, disse.
Suprimento de fundos
O uso dos cartões corporativos no Senado é regulado pelo Ato da Mesa Diretora nº 17 de 2012. De acordo com o texto, “é permitido que qualquer servidor, concursado ou comissionado, tenha acesso ao suprimento de fundos desde que esteja em efetivo exercício”.
“Na impossibilidade da utilização do cartão de pagamentos em estabelecimento afiliado, pode haver o saque em dinheiro desde que previamente autorizado pelo ordenador de despesas, devendo o servidor justificar o motivo do saque na prestação de contas”, estabelece o artigo 15 do ato.
Ainda de acordo com a norma, os cartões devem ser utilizados para atender despesas eventuais, em caráter sigiloso ou de pequeno vulto. “Cumpre salientar que senadores não têm direito a uso de suprimento de fundos, pois não são considerados servidores públicos, mas sim agentes políticos”, explica o Senado.
A Casa inform também que o servidor que receber suprimento de fundos é obrigado a prestar contas de sua aplicação, “sujeitando-se à tomada de contas especial se não o fizer nos prazos fixados”.