A divulgação de informações sigilosas do ministro Gilmar Mendes pela Receita Federal à imprensa preocupa a comunidade jurídica. Nesta sexta-feira (8/2), o site da revista Veja divulgou cópia de um relatório interno da Receita sobre a evolução patrimonial do ministro e de sua mulher, a advogada Guiomar Feitosa. Para advogados, é mais um episódio de corporações do Estado extrapolando suas atribuições em benefício de alguma agenda nada institucional.
Gilmar considera a divulgação do documento abuso de autoridade e parte de uma estratégia deliberada para atacar sua reputação. O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, enviou ofícios à Procuradoria-Geral da República, ao Ministério da Economia e à Receita para que sejam feitas apurações.
O advogado Walfrido Warde vê uma campanha de difamação no episódio. “A instrumentalização dos mecanismos de controle do Estado é consequência da sua captura por grupos que agem por interesse próprio, o mais das vezes em afronta à lei. O episódio que envolveu a quebra do sigilo do ministro Gilmar Mendes parece ser mais um desses casos. A qual investigação serve? Parece expediente exploratório, voltado à especulação e à maledicência”, afirma.
Em novembro de 2018, a Receita Federal anunciou a criação de um grupo especial de auditores com foco em investigarem cerca de 800 agentes públicos do Judiciário, Legislativo e Executivo. O grupo passou a ser chamado internamente de “tropa de elite”.
O presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Cristiano Maronna, considera o “uso da máquina pública para perseguir inimigos é inaceitável em uma democracia”.
O criminalista Leonardo Isaac Yarochewsky é enfático ao condenar a atuação da Receita: “A esdrúxula ‘investigação’ de auditores fiscais da envolvendo o ministro Gilmar Mendes do STF revela, antes de tudo, arbitrariedade e abuso de poder, sabe-se lá com qual finalidade. Qualquer que seja a pessoa ‘investigada’ é necessário que seja dentro do devido processo legal e sob o manto das garantias do Estado de Direito”.
O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo aponta o fato de o alvo do arbítrio ser um ministro do Supremo ser especialmente grave. “No Estado de Direito, o exercício do poder é limitado. Investigar sem indícios, com fim persecutório, é inaceitável. Se o perseguido for membro do Judiciário, o fato assume ainda uma dimensão institucional intimidatória e alarmante”.
A opinião é compartilhada pelo criminalista Alberto Zacharias Toron. “É inaceitável a investigação de um cidadão, seja ele quem for, de forma arbitrária. Agora, tratando-se de um juiz da suprema corte a situação é ainda pior, pois a opressão atinge a todos nós”.
O criminalista Igor Tamasauskas diz que é necessário ver como está ocorrendo a atuação dos órgãos públicos para ver se não estão desbordando dos limites constitucionais. “Quem faz investigação criminal é a polícia, com controle judicial, inclusive para poder acessar dados fiscais sigilosos. Concentrar muitos poderes em um só órgão – que já é bastante encorpado — é um risco ao Estado Democrático de Direito”.
“Há que se ter cautela. Se perdermos a segurança jurídica perderemos, ao final, a própria democracia”, completa o criminalista Roberto Podval.
O criminalista Davi Tangerino ressalta a possibilidade de a Receita estar usurpando competências. “Ninguém está acima da lei, nem os investigados nem os investigadores. A atribuição de apuração da Receita Federal está circunscrita aos fatos geradores. Se nesse procedimento o auditor fiscal encontrar algo que pareça um fato delitivo, ele tem que comunicar ao Ministério Público. Se a Receita está investigando tráfico de influência [como foi noticiado pela Veja], o que escapa completamente da natureza dela, evidente que há uma usurpação de competência do Ministério Público Federal”.
O advogado Antonio Carlos Kakay afirma que, ao que tudo indica, a investigação é uma tentativa de intimidação pela postura independente e garantista do Ministro. “Não é somente uma agressão ao ministro mas a todos aqueles que tiverem a coragem de se opor aos excessos . Nós advogados temos o dever da resistência e de alertar que o uso da força do Estado para perseguir e intimidar é inadmissível em um estado que se pretenda democrático”.
O advogado Marco Aurélio de Carvalho vê no ato da Receita Federal uma tentativa de intimidar o ministro. “Em especial neste momento em que ele assume protagonismo na defesa do Estado de Direito e da Democracia. O Ministro não está acima da lei, e muito menos abaixo dela. Não há nenhuma justificativa jurídica ou fática para a suposta investigação anunciada. Há flagrante abuso de poder, que merece ser investigado com urgência e profundidade. A advocacia não pode se calar frente a ilações tão claramente irresponsáveis. Apurações são sempre bem-vindas, reitero, mas desde que fática e juridicamente justificadas”.