Em casos de rompimento destas estruturas, população pode sofrer impactos humanos, sociais, ambientais e econômicos, alertam especialistas
Um relatório da ANM (Associação Nacional de Mineração) mostra que 1.762.733 pessoas moram em cidades mineiras que comportam ao menos uma barragem de rejeito classificada como de alto risco ou de alto dano potencial associado. Segundo especialistas, isto faz com que elas vivam em constante ameaça de serem vítimas diretas e indiretas de tragédias como a de Brumadinho e de Mariana.
Na madrugada desta sexta-feira (8), moradores de duas cidades mineiras foram obrigados a deixar suas casas devido ao risco de colapso de duas barragens.
Em Barão de Cocais, a 100 quilômetros de Belo Horizonte, 500 pessoas foram acordadas, por volta de 1h, pela sirene da represa Sul Superior, da Vale. Segundo a mineradora, "a decisão (de acionar a sirene) é preventiva e aconteceu após a empresa de consultoria Walm negar a Declaração de Condição de Estabilidade à estrutura".
Em Itatiaiuçu, a 75 quilômetros da capital mineira, uma força-tarefa formada pela Defesa Civil, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros bateu de porta em porta para acordar cerca de 200 moradores da comunidade de Pinheiros.
Danos
Na prática, ter uma estrutura classificada como de alto dano potencial associado significa que, em caso de rompimento, pode ser causado grande impacto humano, econômico e devastação ambiental. Das 369 barragens de mineração existentes em Minas Gerais, 132 estão nestas condições.
Já a categoria de alto risco, se refere às estruturas, que têm problemas no projeto, estado de conservação, manutenção e atendimento ao plano de segurança. Em Minas, há apenas duas barragens destinadas a rejeitos que se enquadram neste perfil: as Minas Engenho 1 e 2, que ficam em Rio Acima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A de Brumadinho, no entanto, que matou 157 e deixou outras 182 desaparecidos, era considerada de baixo risco.
As cavas recebiam resíduos da mineração de ouro até 2012, quando foram desativadas e "abandonadas" pela empresa Mundo Mineração. Marcos Antônio Reis, secretário de Meio Ambiente da cidade, afirma que a companhia deixou o município sem dar o devido tratamento à barragem que retém compostos tóxicos como chumbo.
— O poder público foi obrigado a se responsabilizar pelas barragens que foram abandonadas pela empresa. Hoje, elas não geram nenhuma receita para a cidade. Apenas preocupação.
Riscos
O ambientalista Apolo Heringer, fundador do projeto Manuelzão, alerta que a situação vivida em Rio Acima e em outras cidades que abrigam barragens consideradas "ameaçadoras" coloca em risco não apenas a população do entorno da barragem.
— O rompimento da estrutura em Rio Acima não afetará apenas os moradores locais. Os rejeitos podem cair no Rio das Velhas, impedir o abastecimento de água e seguir para o Rio São Francisco, afetando ainda outras cidades.
Rafaela Baldí, engenheira civil especialista em construção de barragens, explica que as consequências de tragédias como as ocorridas com as estruturas da Vale em Brumadinho e em Mariana causam uma sucessão de problemas em "efeito cascata".
— Morrer é o primeiro risco de quem vive abaixo da barragem. Depois, temos as pessoas que serão afetadas e não estão na área considerada de evacuação. Os reflexos sociais e econômicos são enormes.
Mudanças
Na última quinta-feira (31), o secretário de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Germano Vieira, determinou a descaracterização de todas as barragens de contenção de rejeitos de mineração construídas em Minas Gerais pelo método a montante - o mesmo das estruturas de Fundão e Córrego do Feijão. Na prática, isso significa que as 50 represas deste tipo deverão ser desmontadas em 3 anos.
Ação similar já havia sido anunciada pela Vale dois dias antes, quando o presidente da mineradora, Fabio Schvartsman, informou a aceleração do descomissionamento das 10 estruturas a montante da companhia. Este processo, porém, limita-se à reintegração da barragem à natureza e a perde de suas características de represa.
Em Rio Acima, um termo de cooperação dividiu a responsabilidade sobre as barragens Mina Engenho 1 e 2 entre órgãos estaduais e municipais.
Segundo a Semad pasta, "em 2017 e 2018 foram tomadas todas as medidas emergenciais cabíveis" em relação à estrutura física do local. A Copasa informou que já foi publicado o processo de licitação para execução do descomissionamento das represas, conforme definido pelo grupo. A licitação deve ser concluída até o final de março. A reportagem não localizou a Mundo Mineração para comentar a situação das barragens.
Apesar de todas as medidas anunciadas, a engenheira Rafaela Baldí alerta que as ações não serão suficientes caso não se aumente a fiscalização nas barragens. Para ela, os órgãos públicos devem cobrar mais empenho das empresas sobre a administração das represas.
— O problema das barragens é a gestão. Elas são naturalmente perigosas, mas pessoas são pagas para mantê-las seguras. Se o monitoramento e o reparo forem feitos pontualmente, eu posso até morar em cima de uma barragem que não vai ter perigo.