Do ponto de vista criminal, isso poderá ser determinante para caracterizar se houve dolo ou não na condução da gestão da estrutura
A Polícia Federal já está verificando os e-mails dos funcionários da gerência de geotecnia da Vale, dona da chamada Barragem 1, que se rompeu no dia 25 de janeiro, em Brumadinho (MG). A PF também analisa as conversas no chat interno (um programa de troca de mensagens privadas em tempo real). Os investigadores copiaram um longo período de registro dos diálogos, mas a apuração está concentrada nos dias mais próximos ao colapso.
O setor de geotecnia é o encarregado da operação, monitoramento e segurança da barragem. Para os investigadores, é importante saber se os funcionários tinham ciência de algum problema ou perigo na unidade, se foram tomadas medidas para reduzir eventuais riscos, quais seriam essas providências e se a direção da empresa sabia de algum problema. Do ponto de vista criminal, isso poderá ser determinante para caracterizar se houve dolo ou não na condução da gestão da estrutura.
Outro passo importante na investigação será a convocação do geólogo Paulo Abrão, sócio da Geoconsultoria, de São Paulo, para prestar esclarecimentos. Abrão é considerado um dos maiores especialistas do Brasil em projetos de disposição de rejeitos. Ele foi responsável por nove alteamentos (ampliações) feitos na estrutura enquanto a barragem ainda recebia resíduos de mineração. O último deles foi em 2012.
Segundo a Vale, a barragem deixou de receber rejeitos em 2015. O depoimento de Abrão será fundamental para esclarecer o histórico de construção e ampliação da estrutura. Este é um desafio para os investigadores, uma vez que a barragem teve vários projetistas e empreiteiros e foi erguida numa época em que a legislação e os controles eram muito mais frágeis do que os de hoje em dia.
Menos seguro e mais econômico A Barragem 1 da Vale foi projetada por uma empresa alemã, em 1974, e começou a ser operada em 1976. Ela compunha o sistema de contenção de rejeitos da usina de concentração de minério de ferro da mina de Córrego do Feijão. As barragens de rejeitos de mineração são ampliadas com o passar do tempo para aumentar a capacidade de armazenamento de resíduos.
No caso da Barragem 1, primeiramente ela foi ampliada pelo método de alteamento “a montante”. É um sistema controverso na engenharia, considerado menos seguro, porém mais econômico e muito usado pelas mineradoras no Brasil. Foi o mesmo modelo utilizado na barragem de Fundão, da mineradora Samarco, que rompeu no município de Mariana (MG), em 2015.
Em 1984, houve um alteamento por outro método, chamado “por linha de centro”, na barragem da Vale. Em 2006, os alteamentos voltaram a ser “a montante”. Há ainda o registro de uma interrupção do lançamento de rejeitos na barragem no segundo semestre de 2004, que foi retomado em janeiro de 2005.
Depois do desastre, a justiça mineira proibiu a concessão ou renovação de licenças para novas barragens alteadas a montante. E a Vale informou que vai desativar (descomissionar é o termo técnico) as barragens iguais a de Brumadinho. São 19, todas em Minas Gerais, e o processo deve levar três anos. A Vale já tinha, desde 2011, o “projeto conceitual” de desmonte da Barragem 1, mas ele não chegou a ser executado.
Tsunami de 12 milhões de m³ Quando rompeu, em 25 de janeiro, a Barragem 1 armazenava 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério. Trata-se de mistura de argila, areias, pedras e água. É esse material que forma a lama grossa e viscosa que vazou e deixou, até o momento, 121 pessoas mortas – segundo número divulgado nesse sábado (1º/2) –, constituindo-se no maior desastre de mineração no Brasil e um dos maiores do mundo. A lama atingiu o Rio Paraopeba e ameaça chegar ao São Francisco, um dos mais importantes do país.
Outro elemento importante para os investigadores é o chamado estudo de “dam break”, que avalia os potenciais impactos da ruptura hipotética de uma barragem, calcula o alcance da inundação, quantifica danos e riscos e até o potencial número de mortos. Os dados do “dam break” orientam o planejamento de ações emergenciais da empresa responsável pela barragem.
No caso da barragem de Fundão, em Mariana, a mineradora Samarco tinha estudos prevendo até 20 mortos caso houvesse o colapso da estrutura. A coincidência com a realidade é impressionante: morreram 19 pessoas (14 trabalhadores e cinco pessoas no povoado de Bento Rodrigues), em novembro de 2015.
A investigação do Ministério Público Federal mostrou que, mesmo tendo os estudos, a Samarco não tomou medidas de prevenção adequadas. Não havia, por exemplo, sirenes para alertar emergências. No desastre da Vale, havia sirene, mas ela não foi acionada – segundo a empresa, porque o local em que estava foi engolido rapidamente pela lama.