Principal problema, segundo a ANA e especialistas, é o número insuficiente de funcionários em órgãos fiscalizadores pelo país
Oito anos depois da sua aprovação, o Brasil ainda pena para tornar efetiva sua Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB). O principal problema, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA) e especialistas ouvidos pela reportagem, é o número insuficiente de funcionários em órgãos fiscalizadores pelo país.
A lei federal, aprovada em setembro de 2010, visa garantir padrões de segurança que minimizem acidentes e seus efeitos no meio ambiente e nas comunidades afetadas.
Em tese, a fiscalização dos órgãos estaduais e federais -há 41 com potencial fiscalizador, mas só 33 efetivamente fiscalizam- é restrita aos reservatórios que se enquadram nos critérios da PNSB. Mas até para saber se as barragens têm as características estabelecidas pela lei é necessário, muitas vezes, que a equipe vá até o local fazer medições.
Como critério, a PNSB especifica características de altura, capacidade de armazenamento de água, periculosidade dos resíduos e gravidade do dano social e ambiental caso haja algum acidente.
Estão cadastradas 24.092 barragens no país, mas o número real pode ser maior. Dessas, 4.510 (19%) estão submetidas à PNSB. Em 76% dos casos não está definido se o reservatório é submetido à política nacional por falta de informação.
“Este é um dado preocupante, pois definir se uma barragem se submete ou não à PNSB é o trabalho básico de todas as entidades fiscalizadoras, e sete anos após a implementação da lei nº 12.334/2010 [que estabelece a PNSB] esta tarefa deveria estar praticamente finalizada. É possível concluir que, infelizmente, ainda não se sabe qual é o universo de barragens que devem ser fiscalizadas quanto à PNSB”, diz trecho do mais recente Relatório Nacional de Segurança de Barragens, lançado pela Agência Nacional de Águas (ANA) em 2018, com dados de 2017.
Além disso, 42% das barragens não têm autorização, outorga ou licenciamento, e 570 não têm “dono” -não se sabe quem é o responsável legal.
Espécie de banco de dados para o monitoramento dos reservatórios, o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens, implantado de forma inicial em 2017, também não funciona de maneira integral. Para a ANA, “o número de barragens cadastradas no sistema ainda é reduzido, restringindo a utilização do mesmo como fonte de informação à sociedade sobre a situação da segurança de barragens no país”.
Em 2017, segundo relatório da agência, só 3% dos reservatórios foram vistoriados pelos órgãos fiscalizadores. De acordo com o documento, havia apenas 154 funcionários para fiscalizar todas as barragens do país, entre estaduais e federais, e em geral eles têm outras funções além das vistorias. Nove estados não fizeram nenhuma ação de fiscalização em todo o ano.
No caso das barragens de mineração, como a que se rompeu na última sexta (25), em Brumadinho (MG), a supervisão fica a cargo da Agência Nacional de Mineração (ANM). Há 790 reservatórios do tipo, 357 só em Minas, estado com a maior concentração. Segundo a ANA, a ANM contava, em 2017, com 20 funcionários na equipe de fiscalização.
Especialistas ouvidos pela reportagem elogiam a legislação atual, mas alertam que falta fiscalização efetiva. “O problema é que alguns órgãos não têm equipe suficientemente grande para exercer a fiscalização detalhada”, diz Flavio Miguez de Mello, membro do Comitê Brasileiro de Barragens.
Outro empecilho é a alta rotatividade de funcionários. “O técnico é treinado, se capacita. Daí a um ou dois anos ele sai. A maioria dos órgãos não tem concurso público e tem baixos salários. A pessoa procura outras alternativas”, disse Fernanda Laus, coordenadora do relatório da ANA em 2018.
Além de exigir atividades de fiscalização do poder público, a PNSB estabelece que os empreendedores, ou seja, os responsáveis pelas barragens, façam inspeções regulares de segurança. Segundo a ANA, em 2017 foram feitas mil ações do tipo em todo o Brasil.
Diante das recentes tragédias, Roberto Kochen, professor da Escola Politécnica da USP e diretor do departamento de infraestrutura e habitat do Instituto de Engenharia, cobra mais responsabilidade dos empreendedores.
“As empresas têm que ter noção de que não basta contratar uma pessoa para dar uma olhadinha na barragem e ver se está tudo certo. Precisa fazer análise, avaliar a parte mecânica, elétrica, a geotecnia. Precisa de gente qualificada”, diz.
No plano nacional, está parado no Senado um projeto de lei que prevê mais obrigações para os responsáveis pelas barragens, como plano financeiro para arcar com possíveis desastres ambientais e sociais. Também propõe a criação de um comitê técnico para analisar acidentes.
“Infelizmente o projeto ficou parado na Comissão de Meio Ambiente, que não teve capacidade nem coragem política para priorizar o novo marco legal. A lei é antiga e não protege em absoluto as pessoas e as regiões. Isso é um prejuízo coletivo, são vidas humanas ceifadas”, diz o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), que apresentou a proposta em 2016.