Todos os Estados identificados têm ou tiveram investigações relacionadas a atos ilícitos realizados nas últimas quatro legislaturas - são parlamentares que exerceram mandatos desde 2003
Deputados de pelo menos 16 assembleias legislativas são ou foram alvo de investigações sobre irregularidades cometidas nos últimos 16 anos relacionadas a salários e gratificações de servidores dos gabinetes. A maioria dos procedimentos, segundo levantamento feito pelo Estado, corre sob sigilo e apura suspeitas ou denúncias de repasse de parte dos salários ou benefícios a parlamentares e da contratação de “funcionários fantasmas”.
Todos os Estados identificados têm ou tiveram investigações relacionadas a atos ilícitos realizados nas últimas quatro legislaturas – são parlamentares que exerceram mandatos desde 2003. Em São Paulo, pelo menos cinco deputados estaduais são alvo de investigação por apropriação de salários de servidores.
Casos desse tipo ganharam projeção após relatório do Conselho de Controle Atividades Financeiras (Coaf), revelado pelo Estado, sobre movimentação financeira atípica de funcionários e ex-funcionários da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), entre eles Fabrício Queiroz, ex-assessor do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).
No caso da Alerj, 22 procedimentos criminais foram abertos em 2018 para apurar suspeitas de irregularidades nos gabinetes de 22 deputados. No caso de Queiroz, a investigação foi instaurada após suspeita de lavagem de dinheiro ou “ocultação de bens, direitos e valores” no gabinete de Flávio Bolsonaro.
Nacionalmente, conforme as investigações, não falta criatividade para implementar diferentes meios de desvio – casos variam da contratação da empregada doméstica do deputado como “fantasma” à solicitação de reembolso de despesas de viagens nunca realizadas.
Costuma ser recorrente o que se convencionou a chamar de “rachid” – quando um servidor público divide parte do vencimento com o chefe ou empregador. Dos 16 Estados, sete têm investigações nesse sentido.
Quando parlamentares são investigados por improbidade, a apuração se enquadra em ação civil pública. Caso comprovada a irregularidade, pode resultar em ressarcimento do valor desviado com multa, perda de direitos políticos e cassação do mandato. São poucas as ocasiões nas quais a investigação é enviada para a esfera criminal, que pode resultar em ação penal e prisão em caso de condenação.
Provas
A promotora Danielle Thomé, do Ministério Público do Paraná, disse que há seis investigações abertas contra deputados do Estado e que a prática é comum também no âmbito municipal. A reportagem ouviu relato semelhante de outras promotorias, com citações de casos envolvendo prefeitos e vereadores.
De acordo com Danielle, a obtenção de provas para esse tipo de investigação é complexa. “Quem é mantido no emprego não abre esse tipo de informação.
Apenas quando é mandado embora, se revolta e fala sobre isso. É complicado demonstrar”, afirmou a promotora. Segundo ela, nem sempre o parlamentar aparece como receptor do dinheiro, que pode ser interceptado por um chefe de gabinete, por exemplo. “É muito difícil provar. Tem que pedir quebra de sigilo bancário. Às vezes, nem isso adianta.”
O promotor Silvio Marques, da área de patrimônio público do Ministério Público paulista, tem avaliação semelhante. “Muitas vezes não conseguimos traçar o caminho do dinheiro”.
Nos últimos anos, operações em vários Estados foram deflagradas com expedição de mandados de prisão. É o caso das Operações Canastra Real e Dama de Espadas, em 2015, no Rio Grande do Norte, e a Operação Rescisória, de 2016, no Amapá.
No Rio Grande do Norte, investigações encontraram casos de “servidores fantasmas” que desviaram R$ 2,5 milhões em saques advindos de “cheques fantasmas”. O esquema envolveria até funcionários de um banco.
Na Paraíba, o deputado estadual Manoel Ludgério Pereira Neto (PSD) foi denunciado por peculato sob a acusação de contratar a própria empregada doméstica – Elizete de Moura – para o seu gabinete. O salário de Elizete chegou a R$ 44 mil no período entre 2003 e 2009.
A investigação criminal concluiu que o salário era retido no gabinete do deputado. Elizete disse que foi obrigada pelo deputado e sua mulher, a vereadora Ivonete Almeida de Andrade Ludgério, a abrir uma conta para facilitar o pagamento de uma dívida que havia contraído com os patrões. Segundo o Ministério Público, um assessor do deputado também participou do esquema de desvio.
Nos autos do processo, Manoel Ludgério e a mulher negaram irregularidades. Até a conclusão desta edição, os citados não responderam ao Estado.
Também nas assembleias legislativas, um procedimento comum é solicitar parte dos benefícios dos servidores. A Operação Rescisória, no Amapá, investigou casos de servidores exonerados que eram coagidos a transferir até 50% do valor das rescisões como condição para continuar a recebê-las.
Na Assembleia Legislativa de Roraima, servidores de seis gabinetes diferentes receberam verba de diárias de viagens que nunca foram realizadas. Somente em um gabinete, foi solicitado R$ 114 mil de reembolso, pago em 2017. Ao todo, nos seis gabinetes, R$ 289 mil foram pagos em viagens fictícias entre 2016 e 2018.
Alesp
Na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), pelo menos cinco deputados são investigados pelo Ministério Público paulista sob suspeita de apropriação de salários. Os inquéritos envolvem Campos Machado (PTB), Aldo Demarchi (DEM), Clélia Gomes (Avante), Feliciano Filho (PRP) e Luiz Fernando Teixeira Ferreira (PT). Com exceção de Machado, que responde na esfera cível, todos estão implicados em investigações criminais. O parlamentar afirmou que se trata de “campanha orquestrada” que pode ser desmentida por seus funcionários.
Nos últimos sete anos, o MP investigou pelo menos 12 casos de desvios de salários e funcionários fantasmas na Casa. Metade foi arquivada sob a alegação de falta de provas, e nenhuma ação foi oferecida até hoje.
Um caso recente envolve o deputado Luiz Fernando Teixeira Ferreira, sob suspeita de recolhimento de salários e nepotismo cruzado. Uma representação recebida pela Promotoria afirma que o deputado empregou, em seu gabinete, a irmã do vereador José Luiz Ferrarezi (PT), de São Bernardo do Campo. Ferrarezi, por sua vez, indicou a nora do deputado a cargo na Câmara Municipal da cidade. Promotores confirmaram que elas ocuparam os cargos.
Na semana passada, Ferreira foi notificado pelo Tribunal de Justiça para prestar informações sobre o caso. Ele não é obrigado a comparecer. Questionado pelo Estado, classificou as denúncias como “anônimas, infundadas e caluniosas”. Por meio de nota, afirmou que tem conduta ilibada e está disponível para prestar os esclarecimentos necessários.
Outro caso, aberto em 2015, envolve o deputado Feliciano Filho. Uma funcionária do gabinete, ouvida pela Promotoria, relatou que foi obrigada a assinar uma declaração de doação à campanha de Feliciano, mas nunca doou o valor declarado.
Duas pessoas afirmaram ter feito doações às campanhas de Feliciano nas eleições de 2010 e 2014 de forma voluntária. A Justiça registrou que outros sete assessores registraram doações eleitorais, mas disseram ao Ministério Público do Estado que não foram coagidos.
Nos autos, o deputado Feliciano Filho nega qualquer irregularidade. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.