Tercio Tomaz, atual assessor especial da Presidência, recebeu salário na Câmara Municipal, mesmo atuando diariamente na campanha presidencial
O vereador Carlos Bolsonaro (PSL-RJ) atestou a presença integral do ex-assessor Tercio Arnaud Tomaz, embora o funcionário, na prática, trabalhasse para seu pai, o presidente Jair Bolsonaro. A informação foi obtida pelo GLOBO junto à Câmara dos Vereadores do Rio, por meio da Lei de Acesso à Informação.
Tercio passou a integrar a equipe de Carlos Bolsonaro no dia 6 de dezembro de 2017, quando foi nomeado auxiliar de gabinete, com um salário de R$ 3.641. Ele permaneceu nos quadros do legislativo carioca até 1 de janeiro deste ano, quando deixou a função para ser nomeado assessor especial da Presidência, ganhando R$ 13 mil. Em agosto,O GLOBO mostrou que Tercio fazia parte da equipe de comunicação e mídias sociais da campanha de Jair Bolsonaro . Após a eleição, passou a se apresentar a jornalistas formalmente como assessor de comunicação do presidente eleito — divulgando suas agendas, fotos, vídeos e respondendo a imprensa.
O GLOBO teve acesso às planilhas mensais de frequência dos funcionários do gabinete de Carlos Bolsonaro. Na Câmara dos Vereadores do Rio não há controle de ponto para os comissionados, e cabe aos próprios parlamentares atestarem a presença de seus assessores, relatando faltas, licenças e férias. Apesar de Tercio ficar à disposição de seu pai — tendo acompanhado Jair Bolsonaro inclusive em viagens para outros estados sem a presença de Carlos — o vereador declarou presença integral para o assessor entre dezembro de 2017 e novembro de 2018, período coberto pelos documentos.
Eventos ao lado de jair
Em dezembro de 2017, logo após a nomeação de Tercio, Jair Bolsonaro foi para Manaus, capital do Amazonas, participar de uma solenidade militar. O assessor o acompanhou sem a presença do vereador. Ele proferiu a palestra “Potencialidades da Amazônia”, no Hotel Blue Tree Premium, e participou da formatura dos alunos do Ensino Médio da Escola da Polícia Militar Waldocke Fricke de Lyra, a convite dos estudantes. Além disso, Bolsonaro participou de uma solenidade da Marinha. O assessor continuou a acompanhar o presidente em compromissos e viagens.
Em novembro, quando já se apresentava como assessor de imprensa de Bolsonaro, Tercio viajou a Brasília ao menos uma vez. Em 14 de novembro, Bolsonaro anunciou o nome de Ernesto Araújo como ministro das Relações Exteriores. Apesar de Carlos Bolsonaro estar presente, Tercio atuou como auxiliar pessoal do presidente: convocou a imprensa para a entrevista coletiva e o filmou durante o pronunciamento no Centro Cultural do Banco do Brasil, em Brasília.
Diariamente, Tercio também enviou comunicados à imprensa sobre os anúncios dos ministros. Entre eles, o do Meio Ambiente, Ricardo Salles; da Educação, Ricardo Vélez; de Minas e Energia, o almirante de esquadra Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior; e da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz.
No mês seguinte, em 13 de dezembro, Tercio cumpria agenda com a equipe de transição em Brasília quando foi para São Paulo com o presidente acompanhá-lo durante exames no hospital Sírio-Libanês e depois em um almoço na casa do apresentador Silvio Santos. Novamente, Carlos Bolsonaro não acompanhava os dois.
Gabinete não vê problema
Em 7 de agosto, O GLOBO já tinha obtido a confirmação de um outro funcionário do gabinete de que Tercio não cumpria expediente no local. “Ele é externo. Acompanha o deputado Jair, entendeu? Fica externo”, disse Edivaldo Souza da Silva, assessor de Carlos Bolsonaro no Rio, na ocasião.
Procurado, o chefe de gabinete de Carlos Bolsonaro, Jorge Luiz Fernandes, disse que não vê problemas nas situações descritas pela reportagem, inclusive nos dias em que ele viajou para fora do estado do Rio.
— O Tercio estava a serviço do vereador, e o vereador é responsável pelas redes sociais da família Bolsonaro — argumentou.
Procurado, Tercio não retornou os contatos da reportagem. O Palácio do Planalto afirmou que o presidente Jair Bolsonaro não vai comentar o caso.
Para especialistas, o caso pode configurar ilícitos administrativos, eleitorais e até mesmo crimes.
Thiago Bottino, professor da FGV Direito-Rio, diz que o vereador Carlos Bolsonaro pode ter cometido crime ao atestar a presença de um funcionário que não prestava serviços para a Câmara dos Vereadores.
— Assinar declaração de um fato que não é verdadeiro configura falsidade ideológica — explica Bottino.
Já Paulo Corval, professor da Faculdade de Direito da UFF, diz que a situação pode ter consequências administrativas e eleitorais.
— É evidente a irregularidade e o emprego do servidor em desvio de função, o que é improbidade administrativa — avalia. — Isso também poderia gerar impugnação da candidatura de Jair Bolsonaro, porque pode configurar uso da máquina pública com abuso de poder político.