'Vamos pra rua porque estamos de saco cheio', diz francês sobre a revolta dos coletes amarelos
Há cerca quase um mês a França tem visto uma série de manifestações que reúnem milhares de coletes amarelos contra o governo de Emmanuel Macron. Mais de 4 mil pessoas foram detidas e centenas ficaram feridas em confronto com a polícia. Apesar do recuo do governo na cobrança de um imposto sobre o combustível, que motivou o início dos protestos, eles voltam às ruas neste sábado (15).
“Vamos pra rua porque estamos de saco cheio. O movimento não reúne só aqueles que protestavam contra o preço dos combustíveis. Há uma verdadeira cólera contra a queda no poder aquisitivo da classe média, a injustiça fiscal, a desigualdade entre as grandes cidades e as do interior”, afirmou ao G1 o professor Mohamed Lyia, de 40 anos, que mora na região de Porte d´Italie, em Paris.
Sem as tradicionais articulações dos partidos políticos ou sindicatos, a mobilização que começou nas redes sociais chamou a atenção porque não tem lideranças formais.
“Essa mobilização até agora é um pouco indecifrável. A gente não consegue identificar quem são mesmo os coletes amarelos. Todo mundo participa da manifestação. É uma síntese da sociedade francesa: tem desempregado, aposentado, professor”, explica Mohamed Lyia, que participa dos atos na capital francesa desde o início.
“Chega um momento que a gente tem uma necessidade de sair, de expressar uma irritação. Isso aconteceu no Brasil, agora [ocorre] na França, como aconteceu na época da primavera árabe. Somente esse tipo de manifestação que faz as coisas avançarem”, disse.
O primeiro protesto, em 17 de novembro, reuniu cerca de 290 mil pessoas. Muitas portavam o colete amarelo fluorescente – item de segurança obrigatório nos veículos franceses –, que acabou virando símbolo da nova onda de protestos.
Desde então, a França enfrentou uma série de bloqueios de rodovias, protestos de motoristas de ambulâncias e manifestações de estudantes secundaristas.
Lyia observa que há nas manifestações pessoas de diversas orientações político-ideológicas, como simpatizantes do Front Nacional (da polêmica líder ultranacionalista Marine Le Pen), do Partido Socialista e da aliança de esquerda “França Insubmissa” (movimento de esquerda liderado por Jean-Luc Mélenchon que se destacou nas eleições de 2016).
Ecologia
O movimento surgiu quando o governo francês anunciou a criação de um imposto sobre os combustíveis com o intuito de desestimular os franceses a usarem o transporte individual.
Para Mohamed, o argumento do governo de taxar os combustíveis para contribuir com o meio ambiente não foi eficaz.
“Ecologia é algo essencial sim, mas a gente não pode fazer ecologia sem levar em conta o fator social. A gente não vai conseguir sensibilizar as pessoas sobre ecologia se a geladeira estiver vazia”, afirmou.
“Acho que os franceses estão prontos para uma política ecológica revolucionária, porque cada dia que passa, é um dia que a gente perde. Mas é preciso fazer isso com plano social. Não só criar imposto, imposto, imposto”, completou.
Violência
Os protestos reúnem milhares de pessoas a cada fim de semana em todo território. E, pouco a pouco, eles foram se tornando cada vez mais violentos. No último sábado (7), apesar do dispositivo policial "excepcional" formado por 89 mil agentes das forças de segurança, 320 pessoas ficaram feridas e mais de 1,7 mil foram detidas.
Os confrontos despertaram críticas, mas na avaliação do professor “crescimento da desesperança leva à violência”.
“Nesse momento, a gente tem que refletir o que essa violência quer nos dizer, por que a gente chegou a esse ponto. Quando a gente escuta as pessoas que sofrem, não tem violência. Quando a pessoa está desesperada, em um determinado momento a gente não tem nada a perder”, afirmou.
Aceno insuficiente
Pressionado, o governo Macron fez um esforço para acalmar os coletes amarelos ao desistir definitivamente de cobrar o imposto sobre o combustível. No entanto, os ânimos continuam exaltados, e o protesto deste sábado foi mantido.
“Seu discurso de segunda-feira provou que ele não tomou suficientemente consciência da França que não se vê, porque está longe das grandes cidades, mas que é uma França que merece recolher os frutos do seu trabalho”, observou.
Mas como responder a um movimento que não tem uma pauta de reivindicações clara?
“Os coletes amarelos esperam que o governo não pare de olhar para as pessoas que sofrem. Que ele não esqueça de conceder uma dimensão social importante na sua política”, afirmou Mohamed.
Com a aproximação das festas de fim de ano, existe a possibilidade de que a mobilização recue. Porém, na avaliação do professor, o governo deve ficar em alerta.
“Vamos ver como as coisas vão evoluir. Esse movimento tem a possiblidade de virar uma real ameaça no espectro político se Estado implementar uma política muito liberal e esquecer do cidadão. Existe uma sinergia para voltar para a rua, para lembrar que eles não podem fazer o que eles querem em benefício de interesses partidários que não levem em consideração àqueles do povo”.