Doações ao PSL, questionadas pelo TSE, têm valores irrisórios em campanha barata
A advogada Karina Kufa, que representa o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), informou ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) nesta sexta-feira (16) que não é responsabilidade da campanha se algumas pessoas vetadas pela legislação fizeram doações para o candidato.
Os técnicos do TSE apontaram vários doadores que seriam “permissionários”, com valor total de R$ 5.200 sob suspeita. A legislação proíbe que candidatos recebam doação de pessoa física que exerça atividade comercial decorrente de permissão pública.
Segundo ela, Bolsonaro recebeu “mais de 24.896 doações por meio de financiamento coletivo, o que torna esse tipo de pesquisa cadastral muito difícil de ser realizada, em vista do volume de doadores a serem ‘investigados'”. Kufa disse que “apenas 40 doadores foram identificados como permissionários, representando um número ínfimo em relação ao total de registros”.
Ela destacou que as empresas privadas que prestam serviços de análise cadastral “não têm informações a esse respeito de permissões públicas, tornando muito difícil a apuração desse tipo de fonte vedada, a qual depende, única e fundamentalmente, da declaração do doador”, afirmou.
Bolsonaro vai devolver o dinheiro aos cofres públicos.
As afirmações constam de resposta enviada ao TSE. A área técnica pediu esclarecimentos sobre 17 indícios de irregularidade na documentação entregue pela equipe do presidente eleito, além de outros seis temas em que apontam inconsistências na prestação de contas da campanha. O ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, determinou que os esclarecimentos fossem prestados. Conforme mostrou a Folha de S.Paulo, os indícios de irregularidade representam 38% das receitas (R$ 1,6 milhão) e 12% das despesas (R$ 296 mil) declaradas pela campanha do presidente eleito.
Os técnicos contestaram um descumprimento de prazo para entrega de relatório financeiro no valor de R$ 1,57 milhão. A lei determina que os valores gastos e recebidos sejam informados ao tribunal em 72 horas.
Ela disse que o sistema de prestação de contas eleitorais do tribunal demorou a processar as informações com o detalhamento dos doadores, “não tendo decorrido de culpa do candidato, em razão da quantidade significativa de dados a serem carregados pelo sistema, o que, de forma alguma, comprometeu a regularidade da informação, que foi prestada devidamente”.
Segundo a advogada, a campanha de Bolsonaro ficou mais barata porque ele buscou fornecedores fora do mercado político tradicional. Kufa destaca que “a postura do candidato eleito foi buscar fornecedores fora do mercado político tradicional, com preços compatíveis ao do mercado privado, os quais ostentavam a mesma qualidade, porém, diferiam no preço”. Para Kufa, “isso, somado ao uso de mecanismos gratuitos das redes sociais, como canal efetivo de comunicação com a sociedade, desde seu mandato, barateou de forma significativa o custo da campanha”.
Entre os problemas listados pela equipe de análise de prestação de contas está o descumprimento de prazos para informe à Justiça Eleitoral de receitas e gastos, inconsistências entre dados informados pela campanha e aqueles registrados em órgãos oficiais e recebimento de doações de fontes vedadas.
Os técnicos questionaram as contratações de seis advogados e três escritórios. Kufa afirmou que apenas dois advogados trabalharam na campanha eleitoral como consultores jurídicos, enquanto os outros atuaram no contencioso judicial. Segundo ela, a lei determina que a consultoria jurídica é a única despesa com advogado considerada gasto eleitoral, e, portanto, passível de pagamento com recursos de campanha.
“Assim, os serviços declarados na presente prestação de contas referem-se à consultoria jurídica da candidatura, relativa à prestação de contas, não havendo de se falar em apresentação de relação de processos judiciais, não englobados no âmbito do serviço prestado nesta categoria”, afirmou.
Entre os advogados que trabalharam para Bolsonaro estão Gustavo Bebianno, um dos principais auxiliares do presidente eleito, e Tiago Ayres, que fez sustentações orais em julgamentos no TSE e assinou documentos da campanha –como a contestação do registro de candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para concorrer este ano.
Os técnicos também pediram esclarecimentos sobre R$ 95 mil recebidos pela campanha e devolvidos por Bolsonaro. Kufa disse que as doações foram realizadas na conta de campanha sem que ele tivesse plena ciência da regularidade de sua origem, sendo que ele havia decidido aceitar apenas doações realizadas pelo sistema de financiamento coletivo.
Ela ressaltou que não há, na legislação, vedação à devolução de receitas que ingressaram na conta de campanha à revelia do candidato. Indagaram também sobre a relação da AM4, maior fornecedora da campanha de Bolsonaro, com a Ingresso Total, plataforma responsável pelo site de financiamento coletivo. A AM4 não tem autorização da Justiça Eleitoral para fazer arrecadação de doações pela internet, maior fonte de recursos da campanha do capitão reformado.
Kufa disse que a AM4 e a Ingresso Total fazem parte do mesmo grupo, sendo esta última a responsável por efetuar o cadastro no TSE para arrecadar dinheiro. O módulo de arranjo de pagamentos e plataforma de arrecadação online foi feito por outra empresa, segundo ela. O dono da AM4, Marcos Aurélio Carvalho, foi nomeado para a equipe de transição do governo e depois disse ter renunciado à remuneração. Ao todo, Bolsonaro declarou ter recebido R$ 3,7 milhões de financiamento coletivo, 85% de tudo aquilo que informou como receita (R$ 4,4 milhões).
Reportagens da Folha de S.Paulo mostraram, antes do resultado da eleição, que a campanha de Bolsonaro havia omitido uma série de informações na prestação de contas parcial que todos os candidatos têm que apresentar na primeira quinzena de setembro. O mesmo problema foi apontado pelos técnicos do TSE na análise da prestação de contas final.
Agora, os técnicos do TSE farão nova análise das informações e apresentarão novo relatório, sugerindo aprovação, aprovação com ressalvas ou rejeição das contas. A palavra final cabe ao plenário do tribunal, formado por sete ministros.
Eventual rejeição das contas de Bolsonaro não o impedirá de ser diplomado nem de tomar posse em janeiro. A diplomação está marcada para 10 de dezembro.
No caso de desaprovação, as contas são encaminhadas ao Ministério Público Eleitoral para avaliar a proposição de investigação.