Eduardo Guardia defende que governo Bolsonaro use capital político para aprovar reformas da Previdência e tributária e avalia que agenda de privatizações não deve ir muito além do que já foi pautado pela equipe atual.
O Brasil tem prioridades mais importantes do que a agenda ampla de privatizações que foi uma das bandeiras de campanha do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), proposta por seu futuro "superministro" da Fazenda, Paulo Guedes, como mecanismo para melhorar a governança das estatais e reduzir a dívida pública.
A avaliação é do atual titular da pasta, Eduardo Guardia, para quem o novo governo deve aproveitar a vantagem do capital político elevado de que os presidentes gozam em início de mandato para aprovar a reforma da Previdência e encaminhar a reforma tributária.
"Eu acho que tem outras prioridades antes dessa, que é aprovar a Previdência, aprovar reforma tributária, acertar o relacionamento com Estados e municípios. Tudo isso demanda negociações políticas complicadas", afirmou à BBC News Brasil nesta sexta-feira.
"Na minha perspectiva, não haverá uma agenda forte de privatização no início do governo além dessas que nós já estamos tocando", ele acrescenta, referindo-se, por exemplo, à Eletrobras - cuja proposta foi enviada em janeiro deste ano ao Congresso - e a distribuidoras de energia e empresas de saneamento que estão sendo negociadas em diferentes Estados.
O governo Temer propôs dezenas de privatizações nos últimos dois anos. Parte não saiu do papel e o restante está sendo encaminhado pelo Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).
O ministro da Fazenda teve seu primeiro encontro com Paulo Guedes e a equipe de transição nesta segunda-feira, dia 6 de novembro.
Guardia diz não ter feito recomendações ao sucessor, mas exposto sua visão sobre os "temas que a gente tem que tratar": Previdência, a relação entre a União e Estados e municípios, reforma tributária, abertura da economia, relação com o Banco Central e o déficit nas contas públicas.
A equipe do futuro ministro da Economia - que assumirá também as atribuições que hoje são de outras duas pastas, a do Planejamento e da Indústria - já se reuniu com os secretários do Tesouro Nacional e da Previdência, Mansueto Almeida e Marcelo Caetano, respectivamente, e deve nos próximos dias se encontrar com representantes das demais secretarias que compõem hoje a Fazenda.
"Essa é uma transição muito bem organizada, muito transparente, pra gente ajudar o Paulo a tocar isso a partir de janeiro."
Zerar o déficit em um ano
O desequilíbrio fiscal, para Guardia, é o problema mais premente do país. Em sua avaliação, a ambição de Guedes de zerar o déficit primário do governo em 2019 - apontada como infactível por muitos economistas - teria chance de ser alcançada, com a ajuda de recursos vindos do leilão de concessão das áreas de cessão onerosa da Petrobras - que poderia render até R$ 100 bilhões aos cofres públicos - e da privatização da Eletrobras - cuja descotização ajudaria o resultado primário em outros R$ 12 bilhões, nas contas da Fazenda.
A questão, ele ressalta, é que, em ambos os casos, essas são receitas não recorrentes, com as quais o governo não poderia contar no exercício seguinte.
"O que é possível é ter um resultado primário se não zero ou perto de zero no ano que vem com receitas extraordinárias. Mas isso não é o ajuste estrutural que a gente precisa fazer", destaca. "Nós temos um caminho longo pela frente, e esse caminho só será sustentável se for pelo lado da redução da despesa."
O déficit primário do governo central, que exclui o resultado de Estados e municípios, previsto para este ano na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) é de R$ 159 bilhões. Esse será o quinto ano no vermelho. Desde 2014, o chamado resultado primário, que não contabiliza os gastos com o pagamento de juros, é negativo no Brasil.
Como não sobram recursos para arcar com o serviço da dívida, o governo precisa emitir novos títulos para pagar suas obrigações. Reflexo dessa dinâmica, a dívida bruta do país saltou de 50,6% em 2014 para 77,2% no último mês de setembro.
Para Guardia, o caminho para reverter essa tendência passa, além da reforma da Previdência, por uma mudança na dinâmica de concessão de subsídios ao setor privado.
Nesse sentido, ele cita a atuação do atual governo no BNDES para reduzir incentivos "muito concentrados em algumas grandes empresas", o acordo para o fim da desoneração da folha de pagamentos, prevista para acabar em 2020, e o esforço para diminuir diversos de subsídios tributários, entre eles na Zona Franca de Manaus.
"Tem uma série de benefícios específicos que têm que ser repensados", diz ele, ressaltando a questão do Simples, regime tributário para pequenas e médias empresas que prevê pagamento de um imposto único, menor do que aquele pago pelas companhias de maior porte.
"O conceito de pequena e média empresa no Brasil é muito maior do que em outros países. Aqui na Inglaterra, por exemplo, são 115 mil libras de faturamento anual (o teto para enquadramento no regime). No Brasil, são R$ 4,8 milhões. É uma diferença muito grande. Isso a gente tem que enfrentar."
Relação Brasil x China no governo Bolsonaro
Ao programa da BBC World News Talking Business, Guardia falou sobre o "superministério" de Paulo Guedes, que classificou como algo "desafiador".
"A Fazenda já é um ministério complexo, nós temos que lidar com uma série de problemas. Ele vai adicionar muita complexidade trazendo o Planejamento e a Indústria", afirmou ao apresentador Aaron Heslehurst.
Questionado sobre a retórica de Bolsonaro em relação à China, que estaria mais próxima da do presidente americano, Donald Trump, Guardia afirmou que "nós não somos os EUA, não podemos nos dar ao luxo de fazer esse tipo de coisa".
"Nós precisamos fazer comércio com os Estados Unidos, com a Europa, com o Mercosul e com a China. Nós precisamos de investimento chinês."
Em diversas ocasiões, o presidente eleito fez críticas ao apetite por investimentos do país asiático e chegou a dizer que a China "não está comprando no Brasil, ela está comprando o Brasil".
Encontro com Doria
À BBC News Brasil Guardia disse não ter recebido convite do governador eleito de São Paulo, João Doria (PSDB), com quem se reuniu no início da semana, para a Secretaria de Fazenda do Estado.
Guardia foi titular da pasta do também tucano Geraldo Alckmin entre 2003 e 2006. Com Doria, ele afirma ter apenas conversado sobre economia do Brasil e de São Paulo.
"Eu vou seguir minha vida no setor privado de novo."