Reeleito com a maior votação da história da Câmara, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) foi notificado na última terça-feira (30) e tem até o próximo dia 14 para se defender da acusação de que ameaçou uma jornalista. O filho do presidente eleito Jair Bolsonaro foi denunciado em abril pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, por ter feito ameaças a uma jornalista que trabalhava em seu antigo partido, o PSC, por meio do aplicativo de mensagens Telegram.
Eduardo foi enquadrado por Raquel no crime de ameaça por palavra ou gesto, que prevê prisão de um a seis meses. Por ser considerado um crime de menor potencial ofensivo, a procuradora-geral fez uma proposta de acordo que prevê, entre outras coisas, o pagamento de multa de R$ 50 mil à jornalista Patrícia Lélis por danos morais e o pagamento mensal de 25% do salário de deputado, por um ano, ao Núcleo de Atendimento às famílias e aos autores de violência doméstica.
Os oficiais de Justiça procuravam diariamente, em seu gabinete, o filho do presidente eleito desde 3 de outubro. Mas só conseguiram notificá-lo na última terça. A notificação foi determinada pelo ministro Luis Roberto Barroso, que relata o caso, diante da falta de manifestação do parlamentar.
Telegram
O novo líder do PSL é acusado de ter ameaçado Patrícia por meio do Telegram, concorrente do WhatsApp. A peça enviada pela procuradora-geral ao Supremo reúne reprodução de conversas entre os dois no aplicativo que tem entre suas principais ferramentas uma que permite a destruição automática das mensagens conforme período pré-estabelecido.
Embora Eduardo tenha acionado o dispositivo para que o texto desaparecesse após cinco segundos, Patrícia conseguiu salvar imagens da conversa. Raquel Dodge concluiu que a intenção de Eduardo Bolsonaro era, claramente, impedir a livre manifestação da jornalista com ameaças. O deputado não comenta o assunto e diz que só se manifestará na Justiça.
A desavença pública entre os dois começou após Eduardo publicar em seu perfil no Facebook um desabafo a respeito de uma ex-namorada que, nas palavras dele, trocou roupas recatadas por danças sensuais, depois de ter rompido com ele para sair com um médico cubano. “Feminismo é uma doença”, escreveu o deputado.
Mesmo sem ser citada nominalmente, Patrícia respondeu nas redes sociais que viveu uma relação afetiva abusiva com o deputado por três anos. Segundo ela, foi depois disso que eles trocaram as seguintes mensagens que embasaram a denúncia criminal (veja a íntegra):
Uma das reproduções da conversa no Telegram entre Patrícia e Eduardo Bolsonaro que constam da denúncia
“(Eduardo) Sua otaria! Quem Vc pensa que é? Tá se achando demais
Se vc falar mais alguma coisa
Eu acabo com a sua vida
(Patrícia) Isso é uma ameaça?
(Eduardo) Entenda como quiser
Depois reclama
Que apanho (sic)
Vc merece mesmo
Abusada
Tinha que ter apanhado mais
Pra aprender a ficar calada
Mais uma palavra e eu acabo com vc
Acabo mais ainda com a sua vida
(Patrícia) Eu estou gravando
(Eduardo) Foda-se
Ngm vai acreditar em vc
Nunca acreditaram
Somos fortes
Me aguarde
Pois vou falar
Vai para o inferno
Puta
Vc vai se arrepender de ter nascido
O aviso está dado
Mais uma palavra
E eu vou pessoalmente atrás de vc
Num pode me envergonhar
(Patrícia) Tchau
Vagabunda
(Patrícia) Resolvemos na justiça
É a melhor forma
(Eduardo) Enfia a justiça no cú”
Relação
Em julho do ano passado, assim que o caso veio à tona, Eduardo disse ser vítima de uma montagem. “Nunca namorei, saí, beijei ou segurei na mão dessa pessoa. Por favor, alguém realmente acreditou nesse print montado?” “Essa menina devia ser interditada, já tem uma falsa acusação de estupro e agora é ela quem está sendo investigada”, disse em referência à acusação de estupro contra o também deputado Marco Feliciano (Podemos-SP) de autoria da jornalista (veja mais sobre o assunto no fim da reportagem).
No pedido para que a denúncia seja aceita, Raquel Dodge diz aos ministros que Eduardo Bolsonaro “era plenamente capaz à época dos fatos, tinha consciência da ilicitude e dele exigia-se conduta diversa”. “Relevante destacar que o denunciado teve a preocupação em não deixar rastro das ameaças dirigidas à vítima alterando a configuração padrão do aplicativo Telegram para que as mensagens fossem automaticamente destruídas após 5 (cinco) segundos depois de enviadas. Não fossem os prints extraídos pela vítima, não haveria rastros da materialidade do crime de ameaça por ele praticado”, observou.
Para a procuradora, Eduardo Bolsonaro tentou desmoralizar Patrícia com agressões verbais: “A conduta ainda é especialmente valorada em razão de o acusado atribuir ofensas pessoais à vítima no intuito de desmoralizá-la, desqualificá-la e intimida-la (‘otária’, ‘abusada’, ‘vai para o inferno’, ‘puta’ e ‘vagabunda’).”
"Feminismo é uma doença"
Patrícia Lélis registrou boletim de ocorrência contra o deputado por ameaça e injúria na Delegacia da Mulher de Brasília, em 17 de julho de 2017. Segundo a jornalista, Eduardo a atacou e a intimidou após ela publicar um texto sobre feminismo na internet. Em mensagem publicada no dia 11 de julho em seu perfil pessoal no Facebook, o deputado se referiu a uma “ex-namorada” sem revelar o nome.
“Eu começo a ‘entender’ a importância da figura masculina na vida de uma mulher quando minha ex-namorada que já se declara feminista é vista em uma balada LGBT acompanhada de um médico cubano, usando uma roupa vulgar e, como se não bastasse, rebolando até o chão. E ainda posta isso na internet, como se fosse uma atitude louvável. Lembrando que antes do feminismo ela andava com roupas discretas, não rebolava até o chão, e namorava comigo. #FeminismoÉDoença.”
Patrícia, então, respondeu à postagem. “Foram 3 anos e 8 meses em um relacionamento abusivo. Eu estou percebendo que tudo na vida evolui, menos você”, escreveu a jornalista. Ela conclui o post pedindo a ele que pare de telefonar e dizer que está com saudades.
Irritado com a repercussão do episódio, Eduardo Bolsonaro gravou um vídeo para dizer que jamais teve qualquer relacionamento com a jovem.
Segundo ela, depois desse episódio, seguidores do deputado passaram a hostilizá-la nas redes sociais. Patrícia contou que só decidiu procurar a polícia após receber mensagens ameaçadoras do próprio deputado pelo celular.
Polêmica com Feliciano
Desde 2016 a jornalista trava uma disputa judicial com o deputado Marco Feliciano. Colega de partido de Eduardo Bolsonaro até o início de março, no PSC, o pastor foi acusado de tentativa de estupro por ela. No ano passado o ministro Edson Fachin, do Supremo, requisitou para si o processo da Justiça de São Paulo no qual a jornalista é acusada de mentir à Polícia Civil e de extorquir dinheiro de um assessor de Feliciano. Para Fachin, os dois processos são correlatos.
Em junho de 2016, Patrícia Lélis prestou queixa contra o deputado, acusando-o de tentar abusar dela e agredi-la no apartamento dele em Brasília. Dois meses depois, a jornalista procurou a polícia paulista para acusar um assessor de Feliciano de sequestrá-la e mantê-la em cárcere privado num hotel de São Paulo. Por conta dessa acusação, o assessor do deputado chegou a ser preso, mas depois foi solto. O delegado que cuidava desse caso na capital paulista concluiu que a jovem mentiu e resolveu indiciá-la por denunciação caluniosa e extorsão. Os casos seguem à espera de um desfecho no Supremo.