Professora diz que prova sobre partidos e gênero sexual, por exemplo, mais confundiria candidatos do que o instigariam à articulação
A polêmica da política deve ficar longe da redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) 2018. Apesar de professores de cursinhos para vestibular terem ampliado o leque de assuntos para cair na prova, após a grande surpresa em 2017, questões ligadas a gênero e inclinação partidária não entram na aposta.
O motivo para a exclusão do assunto que marca a história do País é o acaloramento entorno de pautas ligadas à política. A professora de redação em escolas pública e privada em Cuiabá, Marisa Soares de Almeida, afirma que a escolha do tema para a prova do Enem mais prejudicaria do que aguçaria o senso crítico dos candidatos.
“Nós estamos vivendo um momento delicado no país em que a discussão sobre política tem caído para ofensas e outros cenários negativos por causa do calor do assunto do momento. Na minha opinião, os candidatos mais confundiriam o assunto e não conseguiriam articular ideias para pôr no papel”, comenta.
Ela diz que a opinião leva em consideração mesmo a possibilidade de o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira), instituição organizadora do prova, escolher um assunto inesperado como ocorreu no ano passado, quando houve surpresa quase generalizada dos candidatos com o tema sobre a inclusão de deficientes auditivos em políticas públicas.
“Neste ano, estamos preparando os alunos para qualquer tema. Tanto pode cair um assunto específico, a exemplo da prova de 2017, quanto um assunto macro. Acho que quase nenhuma escola preparatória no País acertou o tema do ano passado”, diz.
A professora também não aposta na escolha de assuntos ligados a gênero sexual pela mesma causa de polêmica entorno da discussão, que envolve ideias religiosas, psicológicas e a própria política.
“Geralmente, o aluno que se prepara para o Enem ainda não consegue lidar com esses temas seja porque não tem opinião formada, seja porque tem grande influência dos pais, e a situação acaba entrando em conflito para ele. Digo isso de experiência em sala de aula. Já propus a discussão sobre gênero em sala de aula e tive que fazer trabalho diferente para uma aluna, com forte traço de religião, que se recusou a escrever sobre o assunto porque ela teria que escrever apoiada nos direitos humanos, que vão contra as crenças dela”.
As provas do Enem 2018 estão programadas para dois fins de semana. A primeira será no domingo 4 de novembro e segunda, no dia 11 de novembro, também um domingo. O Inep divulgou a confirmação de inscrição de 5.513.718 candidatos. A prova serve de cartão de entrada em universidades públicas e privadas para os alunos com maiores pontuações.
Falta lastro
A dificuldade dos estudantes brasileiros em elaborar questões sobre alguns temas se estende ao despreparo no processo de educação ao longo do ensino básico. A professora Marisa Soares aponta o fraco embasamento teórico dos alunos para lidar com temas mais complexos, tanto em redação quanto em matemática.
“O aluno muitas vezes não tem leitura, não está acostumado a lidar com algumas questões. A situação é mais grave nas escolas públicas, onde os alunos não têm a mesma base que os alunos de escolas privadas, que oferecem toda uma estrutura de apoio”.
Ela explica que a dificuldade que apareça com mais nitidez em seleção como a do Enem inicia no ensino fundamental e atravessa o ensino médio sem a resolução dos problemas. “Há alunos com dificuldades em redação, em matemática que se esforçam e conseguem melhorar, não é nota mil, mas conseguem média. Outros não conseguem e levam a dificuldade, e, às vezes, nem os pais têm condições de ajudar”.
Em 2017, a nota de redação do Enem teve o resultado preocupante de apenas 53 candidatos tirarem nota máxima na elaboração de texto, quantidade que caiu dos 77 alcançados no ano anterior e que também ficou a quem de outros paises na comparação de seletivas semelhantes.
Conforme o MEC (Ministério da Educação), das 4,72 milhões de redações corrigidas, 309.157 tiveram notas zero. A fuga ao tema da prova foi o motivo para zerar a redação. Em 2016, apenas 0,78% dos alunos cometeram este erro. Em 2017, o número subiu para 5,01%.