Sem mandato, deputados e senadores devem ter casos remetidos para a 1ª instância e ao juiz Sérgio Moro. Por outro lado, 35 envolvidos conseguiram permanecer no Congresso e devem ainda contar com vagarosidade do Supremo
A onda de renovação que varreu o Congresso no primeiro turno também atingiu em cheio políticos envolvidos na Operação Lava Jato. Mais de 40 pessoas que estão na mira de investigações ou ações penais decorrentes da operação não conseguiram se eleger – e vão ficar sem direito ao foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal (STF).
Entre eles estão atuais senadores e deputados que fracassaram em suas tentativas de reeleição e políticos sem mandato que disputavam vagas no Congresso. Esse novo pelotão de novos “sem foro” deve voltar a movimentar a Lava Jato em 2019, ano em que a operação chega ao seu quinto ano de existência.
Uma parte dos casos deve sair do STF e ser enviada ao juiz Sérgio Moro. Sem mandato, os políticos também correm maior risco de serem presos, já que a prisão de parlamentares depende de aprovação da casa legislativa à qual eles pertencem, salvo em casos de condenação sem mais possibilidade de recursos. Um desses derrotados chegou a ser preso por um dia na semana passada.
Na relação de derrotados nas urnas envolvidos na Lava Jato estão caciques e políticos influentes. Só no Senado são onze pessoas. Entre eles estão o atual presidente da Casa, Eunício Oliveira (MDB-CE), Jorge Viana (PT-AC), Lindberg Farias (PT-RJ), Edison Lobão (MDB-MA), Garibaldi Filho (MDB-RN) e Valdir Raupp (MDB-RO). O senador Romero Jucá (MDB-RR), que ganhou notoriedade ao ser gravado propondo um pacto contra a Lava Jato, também foi derrotado no último domingo. Ele já é réu por corrupção e lavagem de dinheiro, por suspeita de receber dinheiro ilegal da Odebrecht, e é alvo de 12 inquéritos no Supremo.
Na Câmara, o número de derrotados envolvidos na operação passa de 30. Entre eles estão Yeda Crusius (PSDB-RS), Heráclito Fortes (DEM-PI), José Carlos Aleluia (DEM-BA), José Mentor (PT-SP), Marco Maia (PT-RS), Alfredo Nascimento (PR-AM) e Missionário José Olímpio (DEM-SP). Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), irmão do ex-ministro Geddel Vieira Lima – atualmente preso – também foi derrotado na Bahia. Ele foi denunciado pela PGR junto com Geddel em um desdobramento da Lava Jato por suspeita de lavagem de dinheiro e organização criminosa no episódio envolvendo a apreensão de malas com 51 milhões de reais em um apartamento em Salvador.
Há ainda políticos atualmente sem foro que fracassaram em sua tentativa de chegar ao Parlamento. Entre eles estão a ex-presidente Dilma Rousseff (PT-MG), que não conseguiu se eleger senadora. Os ex-governadores Beto Richa (PSDB-RJ), Raimundo Colombo (PSD-SC) e Marconi Perillo (PSDB-GO) também foram derrotados para o Senado. Na semana passada, Perillo chegou a ser preso por 24 horas pela Polícia Federal no âmbito de uma operação relacionada que utilizou as delações da Odebrecht. Já Richa foi preso durante a campanha pela Polícia Civil do Paraná em um caso não diretamente relacionado à operação, mas seu irmão, Pepe, foi detido pela Lava Jato no final de setembro.
Alguns envolvidos na Lava Jato também resolveram não disputar qualquer cargo neste ano, como os deputados Andrés Sanchez (PT-SP) e Felipe Maia (DEM-RN).
Já entre os políticos da Lava Jato que sobreviveram às urnas estão o senador Renan Calheiros (MDB-AL), alvo de mais de uma dezena de inquéritos no Supremo. Outros senadores incluem Jader Barbalho (MDB-PA), Ciro Nogueira (PP-PI), Humberto Costa (PT-PE) e Eduardo Braga (MDB-AM). Cerca de 30 deputados envolvidos na Lava Jato também vão permanecer na Câmara. Entre eles estão nomes que já são réus, como Arthur Lira (PP-AL), Eduardo da Fonte (PP-PE) e Mário Negromonte Jr. (PP-BA), e investigados, como Celso Russomanno (PRB-SP).
Há ainda investigados com mandato que ainda disputam o segundo turno como candidatos a governador ou vice-governador, como Antonio Anastasia (PSDB-MG) e Rodrigo Garcia (DEM-SP).
Desgastados em seus estados, três senadores envolvidos na Lava Jato decidiram mirar mais baixo neste ano e se candidataram a deputado federal. Neste grupo foram eleitos: Gleisi Hoffmann (PT-PR), alvo de dois inquéritos no STF, e Aécio Neves (PSDB-MG), réu por corrupção e obstrução de Justiça. Ao serem eleitos, eles garantiram mais quatro anos de foro privilegiado. O senador José Agripino Maia (DEM-RN), no entanto, acabou sendo derrotado para uma vaga na Câmara e perderá o foro. Ele é réu em duas ações penais que surgiram em desdobramentos da Lava Jato.
Efeitos
No meio político de Brasília, se popularizou nos últimos anos a expressão “Sem foro, é Moro”, em referência ao juiz Sérgio Moro, responsável pela 13ª Vara Federal do Paraná. O medo de ficar sem foro e cair nas garras do juiz se explica pela diferença de velocidade no andamento das investigações e ações penais entre a primeira instância e o Supremo. Enquanto na primeira instância já foram condenadas 46 pessoas em pouco mais de quatro anos, o Supremo só concluiu em maio deste ano a primeira ação envolvendo um político com mandato – na ocasião, o deputado Nelson Meurer (PP-PR) foi condenando por corrupção e lavagem de dinheiro.
Não foi incomum desde o início da operação que políticos envolvidos na Lava Jato procurassem se blindar com o foro para escapar do juiz. Em 2017, por exemplo, o governo Michel Temer promoveu Moreira Franco ao status de ministro logo após o nome dele ter aparecido em uma relação de citados em delações. Em 2016, a nomeação do ex-presidente Lula para um cargo de ministro por Dilma Rousseff também foi encarada como uma manobra para proteger um aliado, mas foi barrada pelo Supremo.
Em maio deste ano, o Supremo restringiu de maneira limitada o foro, entendendo que ele cabe apenas a crimes praticados no exercício do cargo. Casos como a investigação envolvendo o senador foram remetidos para diferentes varas da Justiça Federal. Foi assim com o senador Lindberg Farias (PT-RJ), investigado por suspeitas envolvendo o período em que era prefeito de Nova Iguaçu (RJ). Mas uma boa parte dos políticos alvos da operação continuou contando com a vagarosidade das investigações no Supremo.
Agora, a expectativa é que alguns desses casos de políticos sem foro a partir de 2019 sejam remetidos para juízes de instâncias inferiores. Em 2015, o STF determinou que Sérgio Moro só fique com casos diretamente relacionados a desvios na Petrobras. Isso deve impedir que investigações de vários desdobramentos da operação sejam remetidas ao juiz, mas vários políticos derrotados no domingo se enquadram nos parâmetros do STF, como os deputados José Otávio Germano (PP-RS) e Luiz Fernando Faria (PP-MG), suspeitos de embolsarem valores de contratos de um dos braços da estatal.
Nas redes sociais, o coordenador da Lava Jato em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol, comemorou o resultado das urnas. “Parabéns aos novos senadores e deputados! Houve avanços significativos contra a corrupção: pelo menos uma dezena de envolvidos graúdos na Lava Jato perderam o foro privilegiado”, disse.